O texto de I Reis 13:1-32 é um bom exemplo da complexidade da função do dom profético. Essa e outras passagens desafiam nossa concepção de como esse dom opera. Ali, nós temos um “homem de Deus” que profetizou diante do altar uma mensagem de castigo divino sobre o apostatado rei Jeroboão. O que ele profetizou aconteceu. O altar foi partido em dois; e suas cinzas, atiradas fora. A mão do rei, estendida contra o profeta, secou. Diante do pedido do rei, o profeta orou, e a mão foi restaurada.
O profeta mostrou coragem. Não havia dúvida de que Deus estava com ele. Entretanto, no caminho de volta ao lar, ele encontrou-se com um “velho profeta” que lhe comunicou uma mensagem recebida de Deus. Segundo essa mensagem, o primeiro profeta deveria ir à sua casa para uma refeição. Mas a mensagem de Deus ao primeiro profeta era para que não fosse comer em casa de qualquer pessoa. Entretanto, ele seguiu o conselho do velho profeta e o acompanhou.
Estando ambos em casa, o velho profeta recebeu uma mensagem de Deus, no sentido de que revelasse ao convidado que, em virtude de sua desobediência à ordem para que não fizesse refeição em qualquer casa daquele lugar, perderia a sua vida. Foi exatamente isso o que aconteceu. O velho profeta encheu-se de remorso ao ver seu colega morrer como resultado de haver desobedecido à palavra do Senhor.
O ponto mais embaraçoso nesse relato é que o velho profeta levava uma mensagem contraditória. Como profeta, ele tanto incentivou a desobediência como falou a verdadeira palavra de Deus. A Escritura repetidamente o chama de profeta, embora tenha levado um outro profeta a extraviar-se, dando-lhe um conselho errado. Posteriormente, ele mostrou evidências de estar genuinamente triste por seu comportamento, pois o primeiro profeta perdeu a vida ao seguir seu conselho.
As Escrituras não identificam nenhum dos dois profetas como falso. Ambos aparentemente receberam mensagens de Deus e creram nelas. Uma coisa parece clara nessa passagem; os profetas são humanos, carregando consigo as mesmas fraquezas comuns a todas as outras pessoas.
Os profetas também podem julgar mal uma situação, como fez Natã ao aconselhar Davi para levar avante a construção do templo. “Faça tudo o que está em seu coração, pois Deus está com você”, aconselhou o profeta. Mas depois ele confessou a Davi ter dado um conselho errado. Afinal, Deus havia escolhido Salomão para construir o templo (I Crôn. 17:1-14).
Consideremos Pedro. Deus lhe havia revelado em Jope (Atos 10:17-48) que os gentios deveriam ser aceitos na mesma base de igualdade que os judeus. E ele estava vivendo em harmonia com essa visão, até que foi pressionado por alguns judaizantes. Cedeu, e afastou-se da companhia dos gentios. Paulo o repreendeu por essa atitude (Gál. 2:11-14). e apontou como Barnabé também fora conivente com essa hipocrisia. Na ocasião, em Antioquia, Paulo disse que os dois não “procediam corretamente segundo a verdade do evangelho” (Gál. 2:14) Pedro e Barnabé também eram humanos.
Esses episódios nos mostram que Deus usa seres humanos, embora sejam imperfeitos, como profetas, para dar conselhos e advertências ao Seu povo. O testemunho da Escritura é que quando seguimos as mensagens dos profetas de Deus, nós prosperamos; quando as ignoramos, caímos.
Há também ocasiões quando Deus dá aos profetas revelações que eles transmitem fielmente ao Seu povo, embora não compreendam plenamente a mensagem original. É o caso de Daniel. Compreendeu ele o significado da profecia dos 2300 anos, em Daniel 8:14? Observemos sua resposta: “Eu, Daniel, enfraqueci, e estive enfermo alguns dias; então me levantei e tratei dos negócios do rei. Espantava-me com a visão, e não havia quem a entendesse.” (Dan. 8:27).
Porventura compreenderam claramente os profetas do Velho Testamento tudo o que eles disseram a respeito do ministério do Messias? Leia I Pedro 1: 10 e 12.
Compreendeu João Batista – chamado por Jesus Cristo o maior de todos os profetas – claramente o ministério de Cristo? Não: ele enviou seus discípulos para perguntarem a Jesus se Ele era o Messias ou se deveriam esperar outro (Mat. 11:2).
Seres humanos
Obviamente o dom de profecia não é o dom da onisciência. Das palavras de Jesus, em João 16:12, podemos entender que Deus apenas comunica sabedoria à medida que necessitamos dela e somos aptos para captá-la: “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora”, Ele afirmou. O que Deus revelou aos profetas eles conhecem. O que Ele não revelou, os profetas não conhecem, pelo menos mais que qualquer outra pessoa também conheça.
Os profetas estão habilitados a cumprir o seu papel porque o Espírito Santo repousa sobre eles, capacitando-os para falar ou escrever as mensagens de Deus para o Seu povo, de um modo seguro. O impacto dessa mensagem é frequentemente preservado por futuras gerações, de tal maneira que essas gerações possam estar seguras de ter encontrado a Palavra de Deus. Entretanto, enquanto proclamamos a mensagem, às vezes nos deparamos com a humanidade do profeta através de seus escritos.
Um exemplo disso é encontrado em I Cor. 1:14-16. Paulo declara ser agradecido a Deus porque batizou apenas duas pessoas em Corinto. Então, pensando sobre isso posteriormente, ele se recorda que também batizou “a casa de Estéfanas”; não se lembrando de ter batizado mais alguém.
Ellen White lança um pouco de luz sobre esse ponto quando diz que “a Bíblia foi escrita por homens inspirados, mas não é a maneira de pensar e exprimir-Se de Deus. Esta é da humanidade. Deus, como escritor, não Se acha representado. Os homens dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus. Ele, porém, não Se pós à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em retórica” – Mensagens Escolhidas, vol. I, pág. 21.
Não pode haver dúvida a respeito da autoridade da palavra de Deus. Ela é segura e correta. Pedro nos diz que “nenhuma profecia da Escritura” é fruto das ideias e interpretações do profeta. Seres humanos falaram “movidos pelo Espírito Santo” (II Ped. 1:20 e 21). Paulo concorda com esse pensamento, em II Tim. 3:15-17, onde ele afirma que a Palavra de Deus é confiável e poderosa para fazer-nos sábios para a salvação, capacitar-nos para boas obras, através da fé em Cristo Jesus. Posteriormente, ele também declara que a Palavra de Deus é útil para ensinar, repreender, corrigir, e instruir na justiça.
Paulo também diz, entretanto, que Deus partilha um “tesouro”, mas o traz em “vasos de barro” (II Cor. 4:7). Deus tem trabalhado com o melhor material que Ele pode encontrar. Não há qualquer falha ou imperfeição na mensagem que Ele dá; porém, o profeta é humano e, como tal, possui limitações.
O falso e o verdadeiro
Como, então, deveriamos julgar entre o verdadeiro profeta e o falso?
Cumprimento das profecias. Frequentemente citamos Jeremias 28:9, significando que o cumprimento de uma profecia caracteriza o profeta como verdadeiro: “O profeta que profetizar paz, só ao cumprir-se a sua palavra será conhecido como profeta de fato enviado do Senhor.” O contexto, entretanto, revela uma contenção profética entre Ananias e Jeremias. Ananias disse que Jerusalém e Judá teriam paz; enquanto Jeremias afirmava que os babilônios viriam destruir Jerusalém, e o reino de Judá não cairia. Jeremias está dizendo que as pessoas saberiam qual dos dois profetas falava a verdade pela maneira como as respectivas profecias aconteceriam. Trata-se aqui de uma situação específica.
Deuteronômio 13:1-5 nos apresenta um quadro mais completo sobre o uso do cumprimento de uma profecia como teste da autenticidade do profeta. Adverte que sinais miraculosos e maravilhas podem acontecer através de um profeta Mas isso, por si mesmo, não é suficiente evidência para mostrar que o profeta é de Deus. O profeta também ensina o povo a seguir e obedecer ao verdadeiro e único Deus. Jesus segue a mesma linha de pensamento, quando afirma que os verdadeiros profetas serão julgados não apenas pelo cumprimento de suas predições mas também por sua vida de obediência a Deus (Mat. 7:15-23).
Profecias condicionais. Seguramente ninguém considera Jonas um falso profeta pelo fato de Nínive não ter sido destruída, conforme inicialmente foi predito. O anúncio da destruição de Nínive, feito pelo profeta Jonas, era condicional. Como o povo se arrependeu, a profecia não foi cumprida.
Jeremias 18:7-10 parece implicar que tanto bênçãos como castigos prometidos por Deus a uma nação, envolvem condições que esperam a resposta humana que pode mudar o desfecho do que Deus havia predito ou prometido enviar.
Demora no cumprimento profético. Algumas vezes há um aparente retardamento no cumprimento de uma profecia, e uma geração pode não viver o suficiente para ver o evento predito. Um exemplo disso é a predição feita em Ezequiel 26 sobre o destino de Tiro. Ela foi destruída por Nabucodonosor. Entretanto, muitos séculos passaram antes que Alexandre, o Grande, lançasse a cidade ao mar. As gerações que viveram e morreram antes de Nabucodonosor e Alexandre bem poderiam ter questionado se a profecia seria cumprida tal como Ezequiel a apresentou.
Profecia cumprida além do predito. O cumprimento de uma profecia pode exceder a predição original e a geração existente pode não compreendê-la. O nascimento e ministério de Jesus Cristo são exemplos disso. Quem, lendo o Velho Testamento, compreenderia que o Messias de Deus seria exatamente como Jesus mostrou ser? Os judeus sustentavam que nenhum profeta estava predito vir da Galileia. E eles estavam certos. Entretanto, quando o cumprimento das profecias messiânicas teve lugar, o Messias nasceu em Belém, como fora profetizado, mas viveu o restante da Sua vida na Galileia.
Poderia uma pessoa que lesse as profecias messiânicas do Velho Testamento ter previsto os principais eventos da vida de Cristo, tais como a Encarnação, ocorrida através de uma virgem camponesa, a morte por crucifixão, e a ressurreição? Atos 1:6 e a história em apreço são ilustrações de como mesmo aqueles que eram íntimos de Jesus, absorvendo cada palavra dita por Ele no momento da ascensão, não compreendiam plenamente os elementos vitais do messianismo e Seu objetivo final.
O cumprimento de uma profecia pode envolver um forte elemento de surpresa. Deus está sempre avançando, expandindo o escopo dos Seus propósitos, respondendo a situações através de maneiras imprevisíveis, dando mais do que Ele promete, porque é um Pai cheio de amor. Essa maneira de fazer além do predito origina-se no caráter criativo de Deus.
As reações dos judeus do primeiro século, ao cumprimento das profecias messiânicas em Jesus, mostra que os profetas podem ter suas predições consumadas, embora seu pleno cumprimento não seja reconhecido por grande número de pessoas na geração pertinente.
Infalibilidade do estilo de vida. Embora seja normal esperar que a piedade seja a consistente marca do estilo de vida de um profeta, também percebemos que os melhores dentre eles tropeçaram e caíram em muitas ocasiões. Foi o caso de Abraão, o primeiro a ser chamado profeta, que negou ser Sara sua esposa-. Ele falou uma meia-verdade, dizendo que ela era sua irmã (Gên. 12:11-13 e 18).
Davi enganou o Sumo Sacerdote, para poder comer o pão da proposição. E também foi culpado de abuso do poder, quando tramou o assassinado de um homem para cometer adultério com a mulher deste, possuindo-a finalmente como sua esposa (I Sam. 21:1-6: II Sam. 11).
Moisés perdeu a paciência (Núm. 20:9-11).
Seguindo a sugestão do rei, Jeremias mentiu ao povo sobre a conversação entre ambos (Jer. 38:24-29).
Elias fugiu desesperado de Acabe e Jezabel, e pediu a morte (I Reis 19:3-5).
Semelhantes a qualquer outra pessoa, os profetas são fortes apenas quando se mantêm fiéis a Deus; mas quando deixam a Sua mão, eles falham. É importante que, por mais cruciais e fidedignas que sejam suas mensagens, reconheçamos sua humanidade, observando como Deus os usa apesar deles mesmos.
Enquanto aceitamos a humanidade dos profetas, uma compreensão mais clara e realística da natureza de sua obra e relacionamento com Deus e Seu povo será desenvolvida entre nós.
GRAEME S. BRADFORD, D. Min., secretário ministerial da União da Tansmânia, Austrália