Paulista de Jaú, o Pastor Joel Sarli formou-se em Teologia no Instituto Adventista de Ensino, em 1962. Integrou o primeiro Quarteto Arautos do Rei brasileiro, sendo, posteriormente, secretário ministerial da Associação Paranaense, União Sul-Brasileira; e associado da mesma função na Divisão Sul-Americana.
Enviado para a Universidade Andrews, nos Estados Unidos, cursou Mestrado em Divindade e Doutorado em Ministério. Em seguida, assumiu a direção do Departamento de Teologia Aplicada da Faculdade de Teologia do IAE, e, em 1980, a direção do Salt. Nesse período, teve início o programa de M’estrado em Teologia no Brasil. Em 1984, o Pastor Sarli aceitou o chamado para pastorear a igreja de fala portuguesa, em Toronto, Canadá. Quatro anos depois, assumiu o pastorado da igreja brasileira em Nova Iorque, e, em 1990, a igreja brasileira da área metropolitana de Washington.
Desde fevereiro de 1994, é secretário ministerial associado da Associação Geral, responsável pelo treinamento dos anciãos e treinamento ministerial de novos pastores. Visita seminários, examina currículos, à luz das necessidades da congregação local, levando em conta as diferenças culturais regionais. “A idéia é que 60% do currículo deve ser um programa básico, em que a IASD estabelece as suas prioridades. O restante deve estar relacionado à cultura local”, ele explica.
Durante o Concilio Ministerial da Divisão Sul-Americana, realizado em julho, no Iaene, o Pastor Joel Sarli falou à revista Minis-tério, sobre suas atividades, o papel de um ancião de igreja, disciplina eclesiástica, bem como sobre os desafios e perspectivas ministeriais da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
MINISTÉRIO: Qual a importância do ancião, no contexto da Associação Ministerial?
PASTOR JOEL: Atualmente, estamos desenvolvendo a filosofia de que o pastor não pode mais trabalhar sozinho. Talvez há uns 20 anos, poderiamos nos dar a esse luxo. Mas esse tempo já passou. Hoje, a igreja tem cerca de 10 milhões de membros, 80 mil congregações e 17 mil pastores assalariados em todo o mundo. Muitas dentre essas congregações precisam contar, cada sábado, com a liderança e a pregação de leigos. Por isso acreditamos que a participação dos anciãos é fundamental, imprescindível mesmo. Na Divisão da África Oriental, por exemplo, o nosso seminário está formando cada ano 22 novos pastores, mas eles têm cerca de um milhão e meio de membros, e uma infinidade de congregações que, praticamente, não recebem orientação adequada. Por isso, cremos que esse trabalho é de muita responsabilidade, e que o pastor deve primeiramente ser um bom treinador de seus anciãos. Ao lado deles faremos a nossa parte em proteger a Igreja do caos administrativo.
MINISTÉRIO: Como explicar biblicamente para algumas pessoas a existência de uma ordenação para anciãos e outra para os pastores?
O pastor não pode mais trabalhar sozinho. Talvez isso fosse possível 20 anos atrás, mas não hoje. Temos apenas 17 mil pastores assalariados para 80 mil congregações e 10 milhões de membros em todo o mundo. Por isso, o trabalho dos anciãos é fundamental e imprescindível.
JOEL: A Bíblia é clara neste ponto. O pastor é um ancião nomeado pelo órgão administrativo da Igreja, ao qual chamamos Associação ou Missão, para coordenar o trabalho numa área, não apenas local. Mas ele é um ancião. E a Igreja, por uma questão de segurança, pois o pastor deve ter condições de ensinar e orientar um grupo maior, condiciona esse trabalho ao preparo teológico. Na Bíblia não existe ordenação de pastor. Aí, pastor é uma função na liderança da Igreja, e que se encontra entre os dons espirituais. No livro de Atos, existe ordenação de anciãos e diáconos. Os diáconos têm uma atividade bem definida; e os anciãos são os supervisores da Igreja, responsáveis pelo atendimento espiritual da comunidade, administração, visitação, aconselhamento, etc. Ele também tem função pastoral.
MINISTÉRIO: Tendo sido o pastor ordenado ancião, antes desse preparo, por que a ordenação posterior, ao pastorado?
PASTOR JOEL: Esse procedimento tem a ver mais com o aspecto administrativo da Igreja. Você sabe que existe o ancião local, chamado a servir voluntariamente numa igreja específica. O pastor é um ancião distrital. Portanto, há uma diferença.
MINISTÉRIO: Sabe-se que em algumas regiões do mundo, até por dificuldades para se encontrar um pastor, mulheres têm realizado batismos. E alguns administradores pensam que isso também poderia ser estendido aos anciãos. A Associação Geral pensa assim também?
PASTOR JOEL: Naturalmente, há ainda algumas restrições; mas o ancião pode batizar, desde que seja autorizado a fazê-lo por um voto da Mesa Administrativa do Campo. Mas eu creio, particularmente, que vamos chegar ao ponto em que teremos que autorizar permanentemente os anciãos a realizarem batismos. A necessidade vai requerer isso, o que não está de maneira nenhuma em conflito com a
Bíblia. Com respeito às mulheres, esse é um assunto em torno do qual há muito debate; e, biblicamente, também questiono, pois a ordenação é para anciãos e diáconos. Mas, na realidade, a Associação Geral, num Concilio Outonal (não foi numa assembléia mundial), alguns anos atrás, tomou um voto de que uma mulher pode ser anciã e ordenada como tal, nas Divisões que aceitarem essa situação. Na América do Norte, temos aproximadamente mil mulheres que atuam como anciãs. Surpreendentemente, também na América Central, existem algumas, a Europa também possui. Acho que, em algum momento temos de definir esse assunto, como Igreja, para acabar com a tensão desgastante que atual-mente experimentamos.
MINISTÉRIO: Pastores e anciãos se deparam, às vezes, com a necessidade de disciplinar membros. Mas isso já não parece tão fácil de ser feito. A que o senhor atribui a dificuldade?
A disciplina eclesiástica tem de ser um ato de amor.
E um ato redentivo, não pode ser punitivo. A teologia biblica da disciplina é de restauração.
PASTOR JOEL: Primeiramente há uma questão social que invadiu a Igreja. Todo mundo sabe que o mundo hoje é contra qualquer tipo de restrição, em to-dos os aspectos da vida. Pais e professores lutam com isso. A Igreja também é uma instituição social e não está imune ao problema. Outra razão é a busca de um caminho mais fácil. Influenciadas pela reação anteriormente descrita, há pessoas que desejam evitar a disciplina, que sempre é um caminho mais doloroso, contrário à tendência natural de uma sociedade que está optando pelo liberalismo. Também não podemos esquecer de que o uso indevido da disciplina no passado criou uma espécie de resistência na própria igreja. Você e eu sabemos que, embora não tenha si-do generalizado, algumas igrejas não usaram apropriadamente a disciplina e isso gerou uma co-notação negativa. Mas a disciplina não é negativa. Ela está relacionada com a palavra discípulo. Portanto, inserida num contexto de regras para ajudar os cristãos a se tornarem semelhantes ao Mestre. Diante disso, apesar da resistência, o pastor não deve abrir mão da disciplina. Ela tem fundamento no Velho e Novo Testa-mentos e deve ser utilizada com amor, no Espírito de Cristo.
MINISTÉRIO: O senhor não acha que a facilidade de contato com várias culturas também dificulta o uso da disciplina? Algumas pessoas adotam práticas aceitas por outras culturas, que são rejeitadas onde vi-vem.
PASTOR JOEL: Mas aí temos alguns problemas para resolver. Primeiro, o perigo da generalização. Algumas pessoas vão encontrar sempre o que procuram. Chegam dos Estados Unidos, por exemplo, e dizem: lá todo mundo é liberal; mas isso não é verdade. Encontraram o que estavam buscando, e poderiam até ter economizado, porque aqui também achariam. Por outro lado, há também um percentual elevado de irmãos fiéis e dedicados, em alguns casos mais conservadores do que muitos conservadores brasileiros. Outro aspecto é que, normalmente, as pessoas citam certas regras, esquecendo-se dos princípios. Há uma diferença. Princípios são imutáveis, dão uma direção básica ao comportamento do indivíduo. Regras são maneiras de se praticar os princípios. Por exemplo, o princípio da modéstia cristã no vestuário é o mesmo no Brasil e na África. Aqui, nós o praticamos com um tipo de vestimenta. Lá, em algumas regiões, se usa apenas uma tanga. Um brasileiro não pode ir à África e querer adotar esse uso aqui.
MINISTÉRIO: Alguns autores parecem questionar o uso da disciplina, valendo-se de situações como por exemplo, a da mulher adúltera e Cristo.
PASTOR JOEL: Eu, particularmente, creio o seguinte: Je-sus disciplinou a mulher, porque lhe deu uma regra de vida. O contexto é diferente. Não havia uma igreja organizada, havia apenas um grupo de acusadores com propósitos questionáveis, nem espirituais, nem bíblicos. Ele não endossou essa atitude, como não aprova hoje os que ainda querem utilizá-la. Naquela situação a mulher já estava disciplinada, envergonhada pelo seu pecado e arrependida. O aspecto mais positivo da história foi a sua recuperação, que é sempre a razão de ser de qualquer medida disciplinar eclesiástica, ainda hoje.
MINISTÉRIO: Não há problemas em dizermos que disciplina é um ato de amor?
PASTOR JOEL: Tem de ser. É um ato redentivo; não pode ser punitivo. Corretivo, sim. O Livro aos Hebreus, capítulo 12, fala muito em correção. Esse é um termo muito comum na Bíblia. Ao contrário, em nenhum lugar encontramos a disciplina com a conotação punitiva. A teologia bíblica da disciplina é de restauração.
MINISTÉRIO: Que desafios o senhor vê como os mais significativos para o ministério adventista, hoje?
PASTOR JOEL: O ministério está recebendo o impacto de um secularismo muito forte. Evidentemente, esta não é uma atividade de origem puramente humana, e eu creio que Deus vai proteger um grupo fiel que continuará liderando a Igreja, enquanto houver necessidade, e preservá-la no caminho certo. Esse grupo permanecerá firme à sua vocação, mantendo a visão divina e profética do ministério, jamais encarando-o co-mo simplesmente um emprego.
MINISTÉRIO: Numa época em que com o digitar de uma tecla entra-se em contato com o mundo, ainda é indispensável a visitação pastoral?
PASTOR JOEL: Sim. Porque tem a ver com a natureza humana. Jesus estabeleceu esse método de visitação, relacionamento pessoal, com base nas carências da natureza humana. E ela é mais carente, hoje, do que nos dias de Cristo; quer dizer, não mudou. Então, esse trabalho pessoal, a mensagem sendo levada com o coração e não meramente através do aparato eletrônico e dos caminhos da informática, é importante porque vai acompanhada do insubstituível calor da experiência pessoal. Você pode usar o telefone, a TV, a internet, mas quando você vai e conversa com alguém que perdeu um ente querido, nada substitui um abraço, um aperto de mão. Essa pessoa sente algo que não é verbalizado.
MINISTÉRIO: Fala-se muito no que se-ria uma sobrecarga de trabalho que o ministério representa. O senhor concorda com isso?
PASTOR JOEL: A atividade pastoral depende muito da atitude mental do indivíduo. Você sabe, que, numa igreja, um pastor pode trabalhar equilibradamente e ter bons resultados; e outro pode esfalfar-se, sem muito sucesso. Depende muito da criatividade do pastor. Mas, sendo o pastor um homem que atende a uma comunidade deiversificada, normalmente ele tende a ser uma pessoa atribulada, isto é, com mui-tas ocupações: aconselhamento em vários ramos, orientação, estudos bíblicos, pregação eficaz, administração da igreja, etc. Mas o indivíduo idealista e criativo pode se dar bem. A administração do tempo é uma arte que o pastor deve aprender. Ele não pode ser um escravo daquilo que é urgente, porque nem sempre isso é prioridade. Não pode ser escravo, porque aí perderá o controle das coisas, experimentando desequilíbrio no desempenho de sua função como líder espiritual.
O maior elemento na avaliação de um pastor não é aquilo que um administrador humano pensa dele; mas como o Pai Celestial o vê.
É a Ele que, finalmente, devemos prestar contas.
MINISTÉRIO: Na função onde o senhor se encontra, certamente já ouviu muitos questionamentos sobre os métodos de avaliação pastoral. Que tem a dizer sobre isso?
PASTOR
JOEL: Essa é uma questão delicada e subjetiva. Mas eu creio que o maior elemento na avaliação de um pastor não é aquilo que um administrador humano pensa dele; mas como o Pai Celestial o vê. É a Ele que, finalmente, devemos prestar contas. A metodologia de avaliação surgida nos últimos anos, onde o aspecto numérico é bastante destacado, tem criado certos problemas para a Igreja. Primeiro, porque acaba havendo uma pressa em manipular um indivíduo para que ele se torne membro da igreja e o relatório seja satisfeito. Depois, creio que isso tem gerado membros pouco preparados, líderes não muito bem fundamentados; porque, com o crescimento da igreja, logo estamos lançando mão de um indivíduo para que ele se tome líder em pouco tempo depois de batizado. Então o pastor não deveria ser avaliado apenas numericamente. Mas, também creio que os números vão aparecer natural-mente, se o pastor é espiritual, organizado e capaz de treinar seus leigos para o trabalho, mobilizar a igreja. Aliás, tudo isso também representa fator importante para redução de apostasia. É uma questão de causa e efeito.
MINISTÉRIO: É possível pastores e líderes manterem um relacionamento sem arestas?
PASTOR JOEL: O maior fator de desunião entre pastores chama-se política; ambição por hierarquia. Aliás, hierarquia deveria ser uma palavra estranha entre nós. Funções, ótimo. E, no ministério, não existe função mais importante que a outra. Eu creio que, lamentavelmente, Satanás foi bem-sucedido em plantar em nossa estrutura administrativa a idéia de que há uma hierarquia nas funções. O administrador é mais importante, o departamental é menos importante, e vai reduzindo até chegar ao distrital. Aí, o pastor de uma igreja central é mais importante, e a descida continua até chegar ao que muitos chamam de pastor de fim de linha. Isso gera um procedimento natural de política, porque aquele que se acha numa posição tida como inferior vai querer “subir” e será tentado a tratalhar, manipular nesse sentido. Mas a hierarquia, no sentido de classificação de funções, não é bíblica e contraria os princípios básicos do próprio evangelho. Eliminando-se essa idéia, certamente a convivência será melhor.
MINISTÉRIO: Como o senhor avalia a qualidade da nossa pregação?
PASTOR JOEL: Eu ainda creio na centralidade do púlpito, creio no método da pregação, e acho que nada substitui uma pregação bem feita, com autoridade bíblica, apresentada por um indivíduo espiritualmente bem preparado. Isso toca o coração dos ouvintes e os motiva a uma vida mais condizente com os reclamos evangélicos. Mas, na realidade, depois de ouvir muitas pregações e estar agora relacionado com um percentual elevado de pastores em todo o mundo, por alguma razão, há pastores que não estão sendo bem-sucedidos na comunicação da mensagem. Levam ao púlpito um material muito pobre, não bíblico, destituído de poder e sem vivência espiritual. O público sente isso. Por outro lado, há uma pressão que vem de pessoas que acham que nosso método é monótono e que devemos tornar o púlpito uma espécie de palco para dramas e shows. O certo é o seguinte: quando um pregador bem preparado, espiritualmente forte, se levanta para falar, velhos e jovens saem satisfeitos da igreja. Isso, para mim, é um argumento em favor daquela pregação que o povo espera e de que necessita.
Hierarquia, no sentido de classificação de funções, não é bíblica e contraria os princípios básicos do próprio evangelho.
MINISTÉRIO: Como deveria ser o seu pastor?
PASTOR JOEL: O pastor precisa ter credibilidade em todos os aspectos. Até há alguns anos, o pastor era o homem de confiança número um numa sociedade. Qual-quer pessoa que tinha um problema, procurava o pastor, porque confiava em sua palavra de orientação. Ele era um homem de oração. Hoje, estamos perdendo isso. Parece que o médico da família tem mais credibilidade do que o pastor. Não é que ele não mereça ter credibilidade; afinal é um profissional que também cuida do bem-estar de uma pessoa, o bem-estar físico. Mas ele parece que está mais disposto a conversar e a ouvir. A igreja quer sentir que o pastor tem tempo para ouvir, dar conselhos e orientações. Não deveriamos ser profissionais de aconselhamento, que marcam a hora do diálogo e, terminado esse diálogo, a pessoa pode ir embora. Precisamos demonstrar sincero e genuíno interesse pelo bem-estar conjunto de nosso rebanho.
MINISTÉRIO: Gostaria de aproveitar esta oportunidade para um conselho especial?
PASTOR JOEL: Sigamos o exemplo de Jesus. Ele foi o Pastor ideal. Segui-Lo em termos de habilidade pastoral deve ser nosso objetivo como ministros. Se o fizermos, a congregação vai ficar profundamente agradecida.