A natureza e o propósito da missão da Igreja devem ser entendidos numa dimensão tríplice
Logo no início da sua carta aos cristãos efésios, Paulo declara: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nEle, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante Ele; e em amor nos predestinou para Ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, … para louvor da glória de Sua graça, que Ele nos concedeu gratuitamente no Amado, no qual temos a redenção, pelo Seu sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza de Sua graça, que Deus derramou abundantemente sobre nós em toda a sabedoria e prudência, desvendando-nos o mistério da Sua vontade, … a fim de sermos para louvor da Sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nEle também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, até ao resgate da Sua propriedade, em louvor da Sua glória.” (Efés. 1:3-14).
Através de Isaías, o Senhor diz: “Trazei Meus filhos de longe, e Minhas filhas das extremidades da Terra; a todo aquele que é chamado pelo Meu nome, e que criei para Minha glória, e que formei e fiz” (Isa. 43:7).
A mulher samaritana Jesus disse: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim O adorem. Deus é Espírito, e é necessário que O adorem em espírito e em verdade” (João 4:23 e 24).
Missão Vertical
O que esses textos e muitos outros nos ensinam é que a Igreja tem uma missão que, do ponto de vista de Deus, é entendida por Seu empenho e expectativa em favor da nossa salvação. O Senhor da Igreja deseja que tudo o que Ele realizou por nós e ainda está realizando em nós produza a reação natural de nos envolvermos num relacionamento de comunhão, pela fé, com Ele. Isso é algo tão certo que investimos grande parte do nosso tempo ajudando as pessoas a desenvolverem essa comunhão com o Senhor. Por isso, necessitamos refletir em como essa dimensão missionária era experimentada na igreja do Novo Testamento.
“Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo.” (Atos 2:44-47).
Ao observarmos a igreja do Novo Testamento, especialmente nesse texto, podemos encontrá-la vivenciando a dimensão missionária da comunhão com Deus em três maneiras. A primeira é a adoração. Os crentes celebravam a presença do Cristo ressuscitado entre eles. Por isso, seu louvor era vivo e contagiante. A segunda maneira é a oração. Porque Cristo estava presente e agindo entre eles, tinham consciência da bênção e do poder da oração. Aprenderam que não poderiam negligenciar esse aspecto espiritual e afetivo da fé, pois era através dele que prodígios e sinais aconteciam. O privilégio da oração tinha o significado de que a porta da sala do trono estava aberta para eles (Heb. 4:16). Finalmente, temos a Palavra. Se todo o conhecimento de Deus não se tornasse objetivo, respaldado nas Escrituras, ele se perderia nos subjetivismos e nas heresias.
Assim, fomos enviados a conduzir o rebanho de Deus a uma busca intensa do Senhor, para ser o louvor da Sua glória através da adoração, oração e ensino da Palavra. Essa é a missão da Igreja em sua dimensão para o alto.
Missão horizontal
Também encontramos vários textos bíblicos que nos ajudam a compreender nosso papel como enviados de Cristo no mundo, o que configura um aspecto horizontal da missão:
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que Eu vos tenho ordenado; e eis que estou convosco todos os dias, até a consumação do século.’ (Mat. 28:19 e 20).
“Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis Minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da Terra.” (Atos 1:8).
Segundo esses versos e a experiência relatada no livro de Atos, a missão da Igreja no mundo pode ser definida, primeiramente, como uma ação simultânea em toda a Terra. Essa foi uma realidade aprendida mediante a ação do Espírito Santo. Em Atos 2, a missão tem início no âmbito da convivência pessoal, ampliando-se, no capítulo 3, para toda Jerusalém. A sensação é de que a Igreja expandia sua visão de conquistar Jerusalém para Cristo. No capítulo 8, Samaria é alcançada através do trabalho de Felipe. A princípio, a igreja não se sentia responsável pela salvação de samaritanos, e até não entendia por que deveria buscá-los. Portanto, não foi sem resistência que aqueles crentes resolveram evangelizá-los.
Em Atos 10, o cenário estende-se aos confins da Terra. É interessante notar certa oposição à inclusão desse novo item na agenda missionária da igreja, em Atos 11. Somente pelo Espírito, podemos ampliar nossa visão missionária, partindo da nossa Jerusalém, avançando para Samaria e alcançando os confins da Terra. A grande tentação é de nos acomodarmos aos nossos limites, embora a missão seja local e universal.
A missão da igreja não se constitui apenas no fato de os cristãos serem a boca de Jesus, mas também Suas mãos. É refletir Seu coração diante dos homens. E servir por amor. “Era desígnio do Salvador que, depois de subir ao Céu, para ali interceder em favor dos homens, Seus seguidores prosseguissem com a obra por Ele iniciada.”1
A misericórdia encarnada era parte do novo estilo de vida do povo de Deus. Amor não era figura retórica de uma fé incapaz de produzir transformação; era o reflexo de uma graça incomensurável que movia o povo do Senhor a expressar de maneira prática o evangelho, socorrendo aflitos, alimentando órfãos dos viúvas. A Igreja entendia que era sua missão fazer diferença na vida de outras pessoas, mesmo que isso significasse desapego ao que é material e doação pessoal. Afinal, os primeiros cristãos viviam o que nós pregamos hoje: as pessoas valem mais do que as coisas.
A Igreja tem perdido sua relevância na comunidade, pois deixou de ser sal e luz. Ser sal e luz é fazer diferença na sociedade. Como pastores, fomos enviados a equipar os santos para que desenvolvam um ministério voltado para fora, para a sociedade, para o mundo. Não podemos permitir que assuntos de importância menor nos façam esquecer que o Senhor Jesus em amor prático, traduzido em ações relevantes para a comunidade.
“Muitas igrejas encontram-se enfermas porque têm uma falsa imagem de si mesmas. Elas ainda não chegaram a entender, nem quem são (sua identidade), nem para o que foram chamadas (sua vocação). … Hoje em dia, prevalecem pelo menos duas imagens com relação à Igreja. A primeira delas é a de clube religioso. … Eles se consideram pessoas religiosas que adoram fazer coisas juntas. Pagam suas mensalidades e, com isso, sentem-se no direito de gozar certos privilégios. O importante para eles é status, além das vantagens de serem membros do clube. Eles evidentemente esqueceram… a significativa declaração atribuída a William Temple, de que a Igreja é a única sociedade do mundo que existe para o benefício de seus não membros. … Nossa responsabilidade primordial, no entanto, é nossa adoração a Deus e nossa missão no mundo.”2
É oportuno refletirmos sobre estas questões: Como temos revelado o amor cristão pelas pessoas? Que ações práticas temos desenvolvido, que sejam relevantes na sociedade em que estamos inseridos?
Em relação à igreja local
Outro aspecto da missão tem que ver com a própria igreja local. Deus espera que cada igreja entenda que tem uma missão a ser executada dentro dos seus próprios limites. Tal verdade também está evidente em vários textos das Escrituras. Jesus, por exemplo, deixou isso claro em Sua oração sacerdotal: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em Mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, também sejam eles em Nós; para que o mundo creia que Tu Me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que Me tens dado, para que sejam um, com Nós o somos; Eu neles e Tu em Mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que Tu Me enviaste e os amaste, como também amaste a Mim.” (João 17:20-23).
Paulo revelou entender a mesma realidade, ao mencionar os dons espirituais como sendo destinados à capacitação missionária dos membros da igreja, “para a edificação do corpo de Cristo” (Efés. 4:11-16). Devemos ajudar os crentes em seu crescimento espiritual, a fim de que possam executar efetivamente sua missão no mundo. Se não nos empenharmos na edificação espiritual da igreja, corremos o risco de vê-la vivendo um cristianismo nominal, irrelevante.
O conceito de sacerdócio universal nos expõe a realidade de que a igreja é um corpo de ministros. Então, precisamos trabalhar na implantação de processos que ajudem a capacitar esses ministros, a fim de que cumpram os propósitos para os quais foram chamados pelo Senhor.
Outra meta a ser alcançada é o crescimento na comunhão espiritual do povo de Deus, ou seja, a construção do que a Bíblia chama de “unidade do Espírito” (Efés. 4:1-3). Se somos o corpo simbólico de Cristo aqui na Terra, precisamos vivenciar a dinâmica da unidade dos membros que o compõem. Isso significa que devemos sentir e agir como um só corpo.
Se não trabalharmos para construir essa unidade espiritual, dia a dia, a ação missionária da congregação será comprometida. Há um inimigo interessado em fragmentar a unidade cristã, e que, desde os dias apostólicos tem feito investidas para destruí-la. Inicialmente, houve problemas entre gregos e judeus, as questões envolvendo os gentios e, mais à frente, a ação permanente dos judaizantes. A construção da unidade eclesiástica, no Espírito, é um propósito permanente que permitirá à igreja fazer a diferença em sua comunidade.
“A igreja primitiva confiava num testemunho duplo, como um meio de alcançar um mundo cínico e descrente e imprimir sobre ele o kerygma (proclamação) e a koinonia (comunhão). Foi a combinação desses dois elementos que tornou seu testemunho tão poderoso e eficiente. Os pagãos poderiam desprezar facilmente a proclamação como simplesmente mais uma ‘doutrina’ entre muitas; mas eles viram que é muito mais difícil rejeitar a evidência da koinonia. Foi isto que causou a observação muito citada de um escritor pagão: ‘Como se amam mutuamente esses cristãos!’.”3
Como líderes do rebanho, nosso papel é ajudar o povo de Deus a construir uma relação de interdependência, na qual todos ministram e todos são ministrados por Deus, através dos irmãos; ao mesmo tempo em que estabelecemos uma relação de inclusão: a Igreja precisa ser de todos. Certamente, estratégias voltadas para grupos homogêneos nos ajudam a transpor barreiras que poderiam impedir alguém de receber Jesus como Salvador pessoal; mas a Igreja sempre será maior do que uma estratégia. Na verdade, ela pode implementar simultaneamente várias estratégias focalizadas em grupos específicos, mas precisa trabalhar pela unidade que promoverá a inclusão de todos os crentes.
Entendemos o poder das estratégias para alcançar grupos específicos, tais como cegos, surdos, profissionais liberais, adolescentes, jovens, etc. Por isso, incentivamos o surgimento de vários ministérios voltados para eles; mas nunca nos vimos como a Igreja destes ou daqueles. Ao lutar por essa comunhão, desejamos que a Igreja seja de todos, uma Igreja que prega todo o evangelho a todas as pessoas.
Sem essa maturidade, nunca entenderemos o que é a unidade do Espírito no vínculo da fé. Então, a comunhão será simplesmente a confraria dos semelhantes, o mesmo que um clube social é capaz de oferecer. Na unidade do Espírito, entretanto, nossa comunhão passa a ser o testemunho do poder de Deus, que derruba muros e constrói pontes em uma comunidade fraterna.
A unidade do Espírito é refletida no sacerdócio de todos os crentes, que devem ser capacitados e mobilizados com base nos dons espirituais recebidos, para o desenvolvimento do seu ministério (Efés. 4:11 e 12). Como líderes, devemos ajudar os crentes na descoberta dos seus dons e engajá-los no serviço missionário. As palavras de Moltmann são valiosas para a compreensão das razões que tornam tão importante essa tarefa:
“Todos os membros da comunidade messiânica receberam o Espírito e, Conseqüentemente, são ‘ministros’. Não existe separação alguma entre os que detêm os ministérios e o povo. Não existe também a menor separação entre o Espírito ‘ministerial’ e o Espírito ‘livre’. Tampouco existe uma diferença essencial entre os diferentes carismáticos e suas funções. A viúva, que faz o trabalho de misericórdia, atua tão carismaticamente como o bispo. Porém, existem diferenças funcionais, pois unidade não quer dizer de modo algum uniformidade. As energias do Espírito da nova criação são tão pluriformes como a criação mesma. De outro modo, não seria possível sua vivificação carismática. Por isso, na comunidade reina a liberdade, a diversidade e a fraternidade. É justamente a igualdade de direitos de todos os membros diante de Deus que cria a variada riqueza de seu beneplácito.”4
Se todos são ministros, então nosso papel é, de modo intencional, programado e permanente, mobilizá-los através da capacitação e conscientização para o desempenho da missão, em sua dimensão tríplice: Em relação a Deus, ao mundo e à própria comunidade eclesiástica.
Referências:
1 Ellen G. White, Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 338.
2 John Sttot, Ouça o Espírito, Ouça o Mundo, págs. 268-269.
3 Ray C. Stedman, A Igreja, o Corpo Vivo de Cristo, pág. 107.
4 J. Moltmann, La Iglesia, Fuerza del Espiritu, págs. 350 e 351.
Érico Tadeu Xavier, Pastor na Associação Catarinense