Os Adventistas do Sétimo Dia não viam necessidade de desenvolver uma doutrina sobre o uso do vinho, até que verificou-se entre seus membros jovens um crescente uso de bebidas alcoólicas, especialmente o vinho. Para esses jovens, a posição tradicional de abstinência total está longe de ser uma proibição. Mas então o que diz a Bíblia?
Uma leitura superficial do texto bíblico pode sugerir que beber vinho moderadamente não é condenável. Contudo, essa não é a maneira aceitável de determinar as verdades ou padrões espirituais. Nossos jovens necessitam de declarações bíblicas que influenciem suas vidas. Se somos o povo da Palavra, então necessitamos revelar o mandamento bíblico, não somente nas doutrinas, mas também no estilo de vida que levamos. Com isso em mente, precisamos verificar o uso do vinho na Bíblia e a atitude dos escritores bíblicos inspirados. Este artigo examinará apenas aqueles textos que abordam o aspecto moral envolvido no uso do vinho.
Vinho no Velho Testamento
O Velho Testamento usa primariamente duas palavras para vinho: yayin (mais de 140 vezes) e tirosh (38 vezes). Quando tirosh é usada, nenhum aspecto moral está envolvido. Na realidade, tirosh pode ser melhor compreendida como “vinho novo”. A versão King James traduziu-a dessa maneira 37 vezes.
Por essa razão, este estudo se limitará aos principais textos que usam yayin. Essa palavra está presente em todo o Velho Testamento. Os estudiosos aceitam que yayin é o suco de uva fermentado, citado nas Escrituras.1 Embora sejam feitas tentativas para demonstrar que ela pode se referir tanto ao vinho fermentado quanto ao suco de uva fresco, isso não é prova definitiva de tal fato.2
Alguns apontam para Isaías 16:10, como prova do seu uso para designar o suco de uva não fermentado. O texto diz: “Já não se pisarão as uvas nos lagares”. O vinho obtido do esmagamento das uvas é fresco e não fermentado. Além disso, o texto em questão refere-se ao suco de uva não fermentado. Entretanto, tal interpretação apresenta alguns problemas.
Primeiro, a referência encontra-se em meio a uma profecia de linguagem totalmente simbólica, a respeito de Moabe. Forçar uma interpretação literal de yayin, é violar uma das regras da hermenêutica bíblica. Segundo, mesmo que o texto seja interpretado literalmente, não significa que a referência seja a uvas frescas. Ambos, o suco de uva fermentado e não fermentado, podem ser obtidos da uva espremida. Em terceiro lugar, porque a evidência aponta para yayin como suco de uva fermentado.
Que razão levaria os escritores bíblicos a usarem yayin para o suco de uva não fermentado, quando poderiam usar asis (suco de uva não fermentado) e mishrah (bebida feita de uvas maceradas)? Em Números 6:3 aparece uma lista de subprodutos da uva proibidos aos nazireus e as palavras ali usadas são: yayin e mishrah.
Se yayin indica suco de uva fermentado e não fermentado, essa é uma questão de nossos dias. Os escritores bíblicos aparentemente não tinham interesse em explicar o significado de termos como yayin. Quando o usavam, entendiam que seus leitores sabiam que eles estavam referindo-se ao suco de uva fermentado. Caso necessitassem indicar que o suco de uva usado em conexão com os serviços de culto, ou celebrações religiosas era o não fermentado, eles teriam feito apenas isso.
Pentateuco
A primeira menção bíblica ao vinho é encontrada após o dilúvio (Gên. 9:21 e 24). Entretanto, em Mateus 24:37 e 38 Jesus diz que os antediluvianos conheciam o vinho.3 “Assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca.”
Embora não haja condições de mostrar que o “beber” de Mat. 24:38 esteja associado com vinho ou outra bebida intoxicantes parece curioso admitir que Deus condenou o simples ato de comer, beber, ou casar. Jesus ali refere-Se à atitude do povo que a despeito da urgência do tempo e do iminente juízo de Deus, continua a viver descuidadamente.
Em Gênesis 9, encontramos que Noé, após embebedar-se, despiu-se e foi visto por seu filho Cão. Sem e Jafé providenciaram cobrir a nudez de seu pai, tomando o cuidado de não observá-la. Esse incidente mudou o curso da vida de Cão. Além disso mostra que para Noé, Sem e Jafé, era considerado um pecado o fato de um filho contemplar a nudez de seus pais.
As leis sobre os pecados sexuais em Levíticos “Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe” (Lev. 18:7), são um reflexo posterior dessa compreensão, desde os dias de Noé. A ira divina atingiu os cananitas por participarem desses pecados. “Com nenhuma destas coisas vos contamineis, porque com todas estas coisas se contaminaram as nações que Eu lanço fora de diante de vós. E a Terra se contaminou. E Eu visitei nela a sua iniquidade, e ela vomitou os seus moradores” (Lev. 18:24 e 25).
O relato não diz que Noé acordou de seu sono, mas sim “do seu vinho”. A linguagem é significativa: intencional ou não, o pecado de Cão não haveria acontecido se Noé não tivesse bebido. O abuso do vinho fez a diferença nessa história. Uma longa história, porém, começou ali. Os descendentes de Cão, os cananeus, foram condenados (Lev. 18:25 e 28) por causa de sua própria imoralidade e da imoralidade de seus antepassados. Assim, os israelitas possuíam uma base histórica para a expulsão dos cananeus. “Com todas essas coisas se contaminaram as nações que Eu lanço fora de diante de vós”(Lev. 18:24). Os Israelitas sabiam que as ações de Noé e Cão mudaram o curso de sua história.
Os fatos narrados em Gênesis 19 também contribuíram para mudar a história de Israel. Após a destruição de Sodoma e Gomorra, Ló e suas filhas estavam abrigados em uma caverna. Ali, suas filhas chegaram à conclusão de que só havia um meio de perpetuar a linhagem de seu pai: a relação incestuosa. Elas sabiam que Ló jamais consentiria com tal coisa, e a saída foi dar-lhe bebida. Porque Ló consentiu em beber, ao ponto de embebedar-se por duas noites consecutivas, não sabemos, mas temos aqui um intencional uso do vinho, para maus propósitos. Vinho (ou bebida forte), foi um ingrediente necessário para a consecução do mal.
Ambas as filhas deram à luz, filhos que tornaram-se os progenitores dos Moabitas e Amonitas, terríveis inimigos de Israel. Tristezas, decepções e mágoas foram o resultado das ações das filhas de Ló. O texto não menciona qualquer condenação contra os personagens dessa história. Contudo, as moças sabiam que o incesto era considerado um pecado, inclusive por Ló. Uma posterior referência a isso é encontrada nas leis dadas a Israel (Lev. 18). As filhas de Ló sabiam que a bebida diminui a capacidade da pessoa de evitar fazer aquilo que normalmente não faria, e que em dose excessiva a bebida anula a percepção dos acontecimentos presentes. Embora não tratem primariamente do vinho, implicitamente, as duas histórias condenam a bebida forte, por seus resultados maléficos.
Esta condenação é clara em Deuteronômio 21:18 a 21, onde fala da punição dos filhos obstinados e rebeldes. Um filho nessa situação deveria ser levado aos anciãos da cidade por seus pais, que deveriam dizer: “este nosso filho é rebelde e contumaz, não dá ouvidos à nossa voz: é dissoluto e beberrão. Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que morra” (Deut. 21:20 e 21). Ao passo que obstinação e rebeldia descreve atitudes, dissolução (glutonaria) e bebedice referem-se a um tipo de comportamento que é fruto dessas atitudes. Ambos, a atitude e o comportamento são considerados como graves pecados.
Para os escritores do Pentateuco, a bebida deve ser evitada não somente pelas consequências que pode trazer, mas também, porque é pecado.
Seção histórica
A esterilidade de Ana levou-a ao templo para orar. “Ana só no coração falava. Seus lábios se moviam, porém, não se lhe ouvia nenhuma palavra. Por isso Eli a teve por embriagada. E lhe disse: Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti esse vinho” (I Sam. 1:13 e 14). Eli ficou aborrecido por achar que Ana estava embriagada, e repreendeu-a. Esse fato torna claro que embriagar-se em Israel era uma ofensa, e algo que o sacerdote considerava um pecado. Ana, por sua vez, também entendia assim e replicou: “Não tenhas, pois, a tua serva por filha de Belial” (imprudente, sem valor, desobediente). Nas Escrituras, “Belial” está associado com idolatria (Deut. 13:13), homossexualismo (Juízes 19:22, 10:13 e Gên. 19:5), sacrilégio (I Sam. 2:12 a 17), embriaguez (I Sam. 25:17 e 36) e com a morte eterna (II Sam. 23:6). Ao protestar, dizendo que não era “filha de Belial”, Ana afirmava que os pecados associados com o culto a Belial, entre os quais estava a embriaguez, não diziam respeito a ela. Ela compreendia que Deus aborrecia a embriaguez.
O segundo livro de Samuel, capítulo 11 contém outra mensagem sobre a embriaguez. Numa tentativa desesperada para ocultar seu pecado, Davi chamou Urias da frente de batalha, planejando para que ele fosse para casa ficar com sua esposa. Urias não foi. Frustrado, Davi o embebedou, esperando que Urias desejasse a esposa pela quebra de seus princípios. Isso também não funcionou. Davi então providenciou para que Urias fosse morto em batalha.
A história não se refere aos malefícios do vinho, mas de quão longe o pecado e o engano podem levar uma pessoa. Entretanto, existe uma mensagem quanto à embriaguez semelhante à que encontramos no caso das filhas de Ló. É mais difícil resistir ao comportamento pecaminoso, no estado de embriaguez, do que no de sobriedade. Tentar vencer a tentação enquanto se está embriagado é um grande problema.
A história de Absalão ao planejar matar seu irmão Amnom (II Sam. 13), culpado de incesto com Tamar, também tem que ver com vinho. Entre os convidados de Absalão para uma festa, estava também Amnon. Absalão ordenou a seus servos para que matassem Amnon quando sua mente estivesse anuviada pelo vinho. E assim aconteceu. Não está claro no texto se Amnon foi pego de surpresa, ou se ele estava tão embriagado que não teve condições de defender-se. Qualquer que seja o caso, porém, o vinho foi elemento necessário para a prática do mal, como o foi também nos casos de Ló e Davi.
Se a hermenêutica mostra que as histórias bíblicas e as profecias possuem uma aplicação local e imediata, ao ler ou ouvir aquelas histórias, os israelitas não podiam fugir à mensagem de que a embriaguez é um comportamento condenado por Deus.
Há quatro referências, que podem ser consideradas em Provérbios:
1. Provérbios 20:1. “O vinho é escarnecedor, e a bebida forte lvoroçadora. Todo aquele que por eles é vencido, não é sábio.” O texto não diz que o vinho nos torna escarnecedores. Mas sabemos que quando uma pessoa é escarnecedora, ele ou ela passam a ser desprezados pelos demais. Não é valorizada, nem respeitada. É lamentável observar os olhos de um escarnecedor. Ele trata os demais impunemente como se não fossem humanos. O vinho desfigura a imagem de Deus no homem e destrói o caráter do homem. Além disso, o vinho dá origem a disputas acirradas e disposição violenta. O texto sugere condenação da embriaguez, apesar de não ficar claro se ele faz referência ao simples beber vinho, ou ao uso abusivo.
2. Provérbios 21:17. “Quem ama os prazeres empobrecerá, quem ama o vinho e o azeite jamais enriquecerá”. Esse texto é um claro exemplo do paralelismo hebraico, no qual a segunda linha repete o pensamento da primeira. A ideia expressa diz respeito ao estilo de vida que dá primazia aos prazeres de uma vida suntuosa. Quando o amor aos prazeres interfere nas responsabilidades da vida o resultado é a pobreza. Vinho e azeite simbolizam as coisas que recebem suprema avaliação, e, Consequentemente, são colocadas acima das demais. O mesmo pensamento é expresso mais claramente em provérbios 23:21: “O beberrão e o comilão caem em pobreza”.
3. Provérbios 23:29 a 34. Refere-se tanto ao que estimula a embriaguez, quanto ao alcoólatra. Aflição, tristeza, lutas, queixas, doenças e olhos vermelhos são o seu lucro. Vêem coisas estranhas, falam obscenidades e geralmente agem como imbecis porque “se demoram em beber vinho” e “andam buscando bebida misturada”. Esse comportamento traz vitupério ao nome de Deus; portanto, não é apropriado para um cristão. A passagem condena a embriaguez, e o verso 31 mostra quão repugnante é: “Não olhes para o vinho quando se mostra vermelho”.
4. Provérbios 31:4 e 5. Aí são admoestados os reis e príncipes para não tomarem vinho ou outra bebida intoxicante, pois precisam de mente clara e são juízo para liderar o povo de Deus. O texto chama a atenção para o fato de que a bebida diminui a capacidade de agir de acordo com a lei. A “lei” aqui é chaqaq, que significa “decreto”. Embora a ideia de decreto não esteja claro, o contexto sugere a proteção do pobre, pela lei em Israel. Os reis e príncipes (dispenseiros da justiça) dados ao vinho, “pervertem o direito dos aflitos”. A palavra hebraica traduzida por “aflito” é ben oni. A cognata ana significa pobre, desamparado, necessitado. O texto, pois, traz uma advertência: A bebida alcoólica prejudica a percepção da justiça, em juízo que envolve o pobre.
Os primeiros textos de Provérbios apresentam advertências que condenam o vinho, e não exatamente o ébrio. Temos assim uma evidente progressão na atitude de Israel, no que diz respeito ao uso do vinho. Essa progressão aparece também na seção profética do Velho Testamento. O que causou essa progressão? Teriam os israelitas chegado à conclusão de que era extremamente difícil, senão impossível, controlar o uso do vinho, e, por essa razão, seria melhor evitar seu uso totalmente? Ou será que o próprio Deus, ao perceber a situação, inspirou o autor de Provérbios para escrever tais orientações?
Os profetas
Faremos uma incursão nos livros proféticos em ordem cronológica. Iniciaremos por Amós, um livro de juízo. O capítulo primeiro fala do julgamento de Damasco, Gaza, Tiro, Edom e Amom. O segundo capítulo inicia com o julgamento de Moabe, e então se dedica ao julgamento de Israel. Cada seção descreve os juízos e os pecados específicos que os causaram.
Antes de emitir os juízos sobre Israel, Deus relembra Sua bondade para com Seu povo. “Eu destruí diante deles o amorreu… Também vos fiz subir do Egito e quarenta anos vos conduzi no deserto, para que possuísseis a terra do amorreu. Dentre vossos filhos suscitei profetas, e dentre vossos jovens, nazireus… Mas vós aos nazireus destes a beber vinho e aos profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis.”
Deus guiou e protegeu Israel no passado. Agora, Ele mesmo condena os israelitas por suas ações (dar vinho aos nazireus) e palavras (pedir aos profetas que não profetizassem), com as quais eles frustraram Suas tentativas de conduzi-los. Deus instituiu o nazireado. A razão não é especificada, mas dois anteriores, e um subsequente nazireu — Samuel, Sansão e João Batista — foram chamados por Deus para liderar Seu povo nalgum momento de sua história. Todo nazireu era “santo ao Senhor” todos os dias de sua separação, sob solene voto de dedicação integral (Ver Núm. 6). Uma das características do voto, era a abstenção completa dos produtos resultantes da videira, inclusive o vinho. Não é dito o por que da proibição, mas é suficiente dizer que Deus tinha um propósito; e que ambos, Deus e o nazireu consideravam o voto como sagrado. Os israelitas dos dias de Amós sabiam disso, e sabiam também que os nazireus eram pessoas especialmente dedicadas a Jeová. Ao oferecer-lhes vinho, Israel escarnecia não somente de Deus, mas também dos próprios nazireus e seus votos. Era como se Israel estivessse dizendo a Deus, que não se importava com Ele, nem com o Seu povo, e que se Deus continuasse a abençoar os profetas e nazireus, eles O desonrariam e lhes mostrariam seu desprezo.
Beber vinho aqui não aparece como uma ação maléfica, mas, a própria bebida é um mal que estava sendo imposto aos nazireus, com o propósito de levá-los a violar o voto feito com Deus. De qualquer modo, forçar os nazireus a beber era apenas uma entre várias maneiras pelas quais Israel demonstrava seu descontentamento para com Deus e Seu povo. Eles também fizeram isso, trocando a justiça por prata, pervertendo os caminhos dos pobres, adulterando e ordenando aos profetas para que não profetizassem (Amós 2:6, 7 e 12). Temos causa e efeito relacionados aqui? Primeiro vimos que o vinho está relacionado com glutonaria, literalmente (Deut. 22) e figurativamente (Isa. 22). Com perversão sexual (Gên. 9 e 19; Isa. 28) e menosprezo à Palavra de Deus e seus convites para o arrependimento. A bebida conduz a esses pecados, ou é sintoma de um problema de atitude mais profundo? (Ver Habacuque 2)
Vamos agora aos dias de Isaías. A falta de sensibilidade de Israel para com a Obra de Deus, em grande parte foi acompanhada pelo obscurecimento causado pelo vinho. O resultado foi o desastre: “Portanto o Meu povo será levado cativo, por falta de entendimento… Então o povo se abate e o homem se avilta” (Isa. 5:13 e 15).
Segundo Isaías, capítulo 22, a situação tornou-se cada vez pior. Vemos um povo que não retornou para Deus, nem ouviu Seu chamado para o arrependimento. “O Senhor dos exércitos vos convida naquele dia para chorar, para prantear, rapar a cabeça e cingir o cilício. Porém, é só gozo e alegria o que se vê. Matam-se bois, degolam-se ovelhas, come-se carne, bebe-se vinho, e se diz: comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (Isa. 22:12 e 13).
Todos os meios usados por Deus para livrar Israel do exército de Senaqueribe, esgotaram-se sem que o povo sequer reconhecesse sua real situação. Inclinaram-se, entretanto, a comer e a beber. O texto não trata primordialmente de beber vinho, mas do desprezo de Israel para com Deus, Sua palavra e a seriedade do tempo. Beber vinho e o comer carne simbolizam o desdém do povo ao chamado de Deus para o arrependimento.
A mais incisiva exortação a respeito do vinho e bebidas intoxicantes encontra-se em Isaías 28:7: “Mas também estes cambaleiam por causa do vinho, e não podem ter-se em pé por causa da bebida forte. O sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da bebida forte, são vencidos pelo vinho, não podem ter-se em pé por causa da bebida forte. Erram na visão, tropeçam no juízo”.
Não somente o povo de Israel, mas também seus líderes espirituais foram influenciados pela bebida alcoólica. Deus comunicou Sua verdade, Sua vontade, Sua graça, e perdão ao Seu povo, a despeito dos sacerdotes e profetas. Nem os profetas (“eles erram nas visões”), nem os sacerdotes (“eles tropeçam no julgamento”) eram capazes de realizar seu trabalho, por causa da bebida. A implicação é clara: O vinho e bebida forte obscurecem a mente, ao ponto de impossibilitar o ouvir a voz de Deus. (Ver Lev. 10:9 e 10).
Isaías 28 é uma aguilhoada contra aqueles que abusam do vinho. Mas não é tudo: O vinho ali é mencionado em conexão com “bebida intoxicante” (shekar = cerveja) e a bebida forte é condenada, não importa a quantidade. William Shea diz que yayin pode não ser condenado totalmente no Velho Testamento, mas shekar, sim.4 Uma das razões porque shekar como cerveja é totalmente condenada, e yayin não, está no fato de um ser o produto direto de uma mistura alcoólica intencional, enquanto que o outro não. Feita a partir do grão, shekar só pode ser fabricada a partir de uma decisão para fazer a cerveja. Mas o suco da uva naturalmente fermenta, independente da vontade humana.
Vinho no Novo Testamento
A palavra grega para vinho é oinos. Se significa suco de uva fermentado ou não, essa é uma questão de nossos dias. Dicionários e comentários sobre o Novo Testamento admitem que oinos significa suco de uva fermentado.5 Na maioria dos casos, o contexto exige essa interpretação. Outra palavra grega é gleukos, que significa vinho novo, vinho doce, ou suco de uva. Aparece uma única vez no Novo Testamento (Atos 2:13) quando os apóstolos foram acusados de estar embriagados. Devemos concordar com Lucas, que gleukos foi a bebida que causou a embriaguez.
Todos os textos do Novo Testamento, que usam oinos ou falam da embriaguez com sentido pejorativo, exceto um, o fazem na forma de ensinamentos. Três são de Jesus, e os demais, de Paulo.
Evangelhos
Em Mateus 24, Jesus fala da necessidade de preparo para a Sua Segunda Vinda (Ver Mat. 24:44). O “servo fiel e prudente” será achado de prontidão, pelo seu senhor. Este servo é chamado de “Bem-aventurado”. O “servo mau” é relapso para com as coisas de seu senhor e “passou a espancar os seus companheiros, e a comer e beber com ébrios”. Aquele servo será excluído, e sua parte será com os hipócritas.
O assunto dos tipos de pessoas que serão encontradas quando o Senhor retornar, é repetido cinco vezes no contexto imediato de Mat. 24. (24:40 e 41; 45-51; 25:1-13; 14-30; 32-46). Um grupo estará pronto quando o Senhor retornar. Outro grupo não.
O servo despreparado é violento para com os seus, e companheiro de ébrios. Violência, glutonaria e embriaguez não são a causa, mas um sinal de seu despreparo. Embora condene o comportamento irresponsável do mau servo, Jesus mostra que seu grande pecado é a hipocrisia (Mat. 24:51). Semelhante ensino é encontrado na parábola das dez virgens (Mat. 25:1-13), dos talentos (Mat. 25:14-30), e das “ovelhas e bodes” (Mat. 25:31-46). Consequentemente, os ébrios mencionados em Mat. 24:49-51, descrevem um povo que professa ser parte do povo de Deus, mas vive de modo contrário à Sua vontade.
O que é interessante é que Jesus tenha escolhido os ébrios para ilustrar Sua mensagem — como também o fizeram os profetas do Velho Testamento. É claro, portanto, que nesse texto, Jesus claramente condenou a embriaguez.
O próximo texto é talvez o mais difícil dentre os encontrados nos Evangelhos sobre essa questão. Ao fazer a defesa de João Batista, Jesus disse: “…veio João Batista sem comer pão nem bebendo vinho, e dizem: tem demônio. Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores” (Lucas 7:33-35).
Não existem evidências de que Jesus tomasse suco de uva fermentado. A única referência feita por Ele, partiu de Seus inimigos. Fazer a exegese de um documento antigo tendo como base uma acusação feita pelos inimigos de alguém, é no mínimo ingênuo.
Outro aspecto a ser levado em consideração, é que a declaração de Jesus deve ser entendida em seu contexto. Jesus argumentou que João não buscou para o seu ministério a aprovação dos líderes religiosos de Jerusalém, os quais, consequentemente, desprezaram a ele e sua mensagem. A pregação de João no deserto, a sua dura mensagem (Mat. 3:7-12), seus hábitos alimentares e sua maneira de vestir fizeram com que concluíssem que João estava possesso. Jesus sempre declarou uma certa afinidade com João (Mat. 21:23-27), e isso contribuiu para que se tornasse também, uma pessoa suspeita para esses mesmos líderes. Ele também recusou para o Seu ministério a aprovação deles. Associou-Se com pescadores, prostitutas, coletores de impostos e outros pecadores. Aqui temos culpa por associação: Jesus, “um amigo de coletores de impostos e pecadores” (Lucas 7:34), deve compartilhar de seus estilos de vida, glutonaria e bebedeiras.
A resposta de Jesus não deve ser usada como desculpa para o uso de bebida alcoólica.
Os escritos de Paulo
O apóstolo Paulo menciona vinho e/ou ébrios, dez vezes em suas epístolas. Sete passagens condenam a bebida não somente por ser intoxicante (Rom. 13:13; Gál. 5:21; Efés. 5:18), mas também em função do seu impacto negativo sobre o relacionamento com Deus (Rom. 14:21; I Cor. 5:11; 6:10; 11:21). As outras três passagens necessitam ser estudadas mais acuradamente.
Paulo aconselhou a Timóteo, para que os diáconos não fossem dados a muito vinho (I Tim. 3:8). Escreveu a Tito aconselhando as mulheres idosas para que não fossem “escravizadas” a muito vinho (Tito 2:3). Por si mesmos, esses textos sugerem que beber vinho é aceitável, dentro de certos limites. Quando comparados com o conselho de Paulo a Timóteo para que usasse um pouco de vinho para suas frequentes enfermidades (I Tim. 5:23), fica a impressão de que beber vinho é aceitável, desde que não se torne um vício. É preciso lembrar que nas sete outras passagens onde Paulo fala acerca de oinos, a embriaguez é condenada, e não o beber vinho em si. A consistência indica que não podemos fazer com que oinos seja fermentado em uma passagem e não fermentado em outra, em função de noções preconcebidas. Oinos é oinos.
Como, então, entender os conselhos de Paulo a Timóteo e Tito? Outras passagens ajudarão. Em I Coríntios 6:19 e 20, Paulo diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (Ver I Cor. 3:16 e 17). Existe alguma coisa no beber vinho, que glorifique a Deus? A força desse texto está no fato de colocar responsabilidades sobre os tomadores de vinho.
Consideremos a metáfora do templo. Não se admitia num templo nada que fosse comum ou sujo. Apenas o que era limpo e santificado podia ser usado pelo sacerdote na oferta de sacrifícios. Se aplicarmos esse raciocínio aos textos de Coríntios, a conclusão é única: Deus espera que tenhamos cuidado com o nosso corpo. A bebida pode danificá-lo.
Tomar vinho moderadamente pode prejudicar nosso corpo? Existem numerosos dados científicos que confirmam isso. A mais importante consideração para os cristãos, é que o uso de bebidas alcoólicas, ainda que moderadamente, prejudica nossa capacidade de pensar claramente. Já que é através da mente que podemos saber a vontade de Deus para nossa vida, cabe-nos então evitar o uso de qualquer coisa que possa impedir essa linha de comunicação.
Essa conclusão, contudo, entra aparentemente em conflito com Paulo, pois ele aconselha Timóteo a tomar pouco vinho. Paulo aprova assim a destruição do templo de Deus? Como resolver este dilema?
Para obter a resposta, devemos voltar ao tempo de Paulo. No primeiro século, quando então a medicina científica não existia, os idosos admitiam que o vinho possuía poderes curativos, que até mesmo os remédios não possuíam. Tal uso do vinho era aceitável para Paulo. Alguns dirão que esta conclusão é simplista. Outros dirão que ela carece de evidências. Contudo, como um estudante da Bíblia, e alguém que crê que ela não se contradiz, ela é a única solução satisfatória.
Conclusão
Além das considerações bíblicas, podemos concluir:
1. Beber vinho não é um assunto debatido amplamente na Bíblia. Embora apareça no Velho Testamento, poucas passagens dizem alguma coisa sobre seu uso. Na maioria das vezes o vinho aparece como parte do cenário do Velho Testamento, sempre mencionado com azeite e pão. O vinho é quase sempre usado num sentido simbólico.
2. Um dos temas mais importantes das Escrituras tem que ver com as repetidas tentativas de Deus para resgatar Seu povo do pecado, da rebelião e livrá-lo da morte. É à luz dos episódios ali apresentados que o vinho aparece, e raramente a embriaguez, não somente como inútil, mas também como um impecilho aos esforços de Deus. Os que afirmam que a Bíblia não condena o uso do vinho, apegam-se em vão a algum ensinamento, história ou texto que exaltam as virtudes do vinho. Admitimos que existem passagens que falam literalmente e simbolicamente do povo de Deus, usando vinho ao comemorar as vitórias contra seus inimigos (Ecle. 9:7; Isa. 55:1; Joel 2:19 e 24; Amós 9:14; Zac. 9:17 e 10:7) e em festas religiosas (Gên. 14:18; Deut. 12:17, 14:23 e 26; I Crôn. 12:40; Prov. 3:10; Isa. 55:1 e 65:8; Jer. 31:12).
Pode ser que em tais celebrações o uso do vinho tivesse algum significado cultural (e religioso?) simbólico, entre os israelitas, que nós desconhecemos. Mas usar tais textos como prova de que a Bíblia não condena o uso do vinho é arbitrário. Precisamos apenas rever nas Escrituras o registro de tristezas e desgraças que se abateram sobre indivíduos e famílias, e que foram estimuladas pelo uso do vinho. Além disso, a Bíblia menciona o vinho, tanto simbólica como literalmente, mais no contexto do juízo, do que no contexto de festas. Discutir em termos de números e quantidades é simplismo. Entretanto, aqueles que se referem aos textos que relacionam o vinho com festividades, podem também tomar conhecimento daqueles que colocam o vinho no contexto do juízo.
3. Este artigo não é uma arma para ser usada contra qualquer pessoa na igreja, que esteja lutando com o uso de bebidas alcoólicas. Esta não é a minha intenção. Talvez alguns estranhem o fato desta matéria condenar o uso de bebidas alcoólicas. Eu não posso fazer o texto dizer o que eu quero.
Entretanto, eu espero que este artigo diga não somente o que eu penso, mas também o que Deus pensa. Se cremos que Deus é o criador de todas as coisas, inclusive de nosso corpo, cremos também que Ele sabe o que é melhor para nosso corpo e nossa mente. Deus já sabia disso. Vivemos numa época em que necessitamos pensar claramente, especialmente no que diz respeito à nossa vida espiritual. Porque faríamos aquilo que impediria tal coisa?
Finalmente, façamos uma aplicação mais prática. Nossa missão na Terra deve ser orar e glorificar a Deus, e permitir que Ele nos torne ministros da reconciliação. O ministério terá exercido uma influência, tanto sobre os que entrarão no Reino de Deus como sobre os que ficarão do lado de fora. O melhor caminho para um ministro é o da abstenção de bebidas alcoólicas e outras drogas, dando atenção ao conselho do apóstolo Pedro: “Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância. Pelo contrário, segundo é santo Aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós, em todo vosso procedimento” (I Pedro 1:13-15).
1. William A. Holiday, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, pág. 134; Don F. Neufeld, SDABC, volume 8; Siegfried H. Horn, SDAD, pág. 1149; William Wilson, Old Testament Word Studies, pág. 483.
2. Samuele Bacchiocchi, Wine in the Bible, págs. 66-69.
3. Heinrich Seeseman, Theological Dictionary of the New Testament, vol. 5, págs. H 162-166.
4. William Shea, Álcool e a Bíblia. Pesquisa não publicada.
5. Horn, pág. 1149; Seeseman, págs. 66-69; Joseph Henry Thayer, Greek-English Lexicon of the New Testament, pág. 442.