Queiramos ou não, nós que estamos no limiar de um novo século vivemos num tempo de mudanças cataclísmicas. Para alguns. isso é excitante, revigorante, estimulante, desafiador e promissor; para outros, este é um tempo de desconfortáveis, ameaçadores e apavorantes pesadelos.
A Igreja não está imune às tensões. Por um lado, há o clamor de que “a Igreja deve mudar para enfrentar os desafios do novo milênio”. Por outro lado, há a posição cuidadosa de “mantermos a linha, sem mudanças”.
Os fatores que condicionam nossos sentimentos a respeito dessas mudanças são teológicos e sociais. Mas quaisquer que sejam os fatores e os sentimentos, devemos encarar as mudanças que, estejamos preparados ou não, estão vindo.
A geração anterior à Segunda Guerra Mundial estava comprometida com a criação de estabilidade. Viveu através da Grande Depressão, com pouca estabilidade e onde as mudanças indicavam sofrimento e miséria. Lutou para manter o estilo de vida conhecido. Lutando contra as circunstâncias, procurava tornar as coisas tão estáveis quanto possível, enquanto as idéias prevalecentes apontavam as mudanças como sendo más, sendo vistas com uma suspeita que beirava a paranoia.
Quando a guerra terminou, os soldados voltaram comprometidos em criar um ambiente imutável para suas famílias. De fato, algumas coisas necessitavam melhorar, mas a maioria das pessoas queria algo estável e imutável. Políticos foram eleitos prometendo tranquilidade e segurança econômica. As pessoas escolhiam uma marca de automóvel e lhe permaneciam leais durante toda a vida. Conseguiam um trabalho e planejavam jamais sair dele até a aposentadoria. Adotavam uma igreja e isso era definitivo.
Já os filhos dessa geração eram diferentes. Não tendo experimentado a miséria dos pais, achavam as mudanças estimulantes. Seu apetite por idéias novas e diferentes produtos, novas maneiras de relacionamento com situações e pessoas eram tão viscerais como o compromisso dos pais com o status quo. Lealdade a uma marca era coisa do passado. As pessoas compravam pela qualidade, pelo visual, e pelo que capturava seu interesse. As coisas não eram boas apenas porque alguns o afirmavam. Era preciso tentar, testar e buscar por si mesmas. Mudança era símbolo de valor.
Os pais, naturalmente, com freqüência sentiram-se traídos e perplexos. Tudo o que eles sacrificaram ou estabeleceram com o objetivo de criar segurança; tudo o que compraram como sendo para sempre era trocado; rejeitado por aqueles para quem eles criaram tal permanência.
Ponto de choque
Essa mesma tensão é claramente dramatizada na Igreja, onde duas distintas visões de mundo, duas gerações diferentes, estão se chocando. Uma visão diz que deve haver mudanças substanciais para a sobrevivência da Igreja, relacionada ao que pretendemos alcançar, e cumprimento da comissão evangélica. Já quase perdemos uma geração inteira, dizem alguns, e estamos em vias de perder mais uma. Não estamos causando impacto no mundo. A questão não é se devem ocorrer as mudanças, mas quais mudanças devem ser feitas, e já. Com efeito, alguns estão dizendo: “se algo não acontecer logo, estamos fora.”
Outros, conservadores, afirmam que Deus nos suscitou como um povo. Ele é o Criador da Igreja. Assim, se mudarmos a Igreja, estamos destruindo-a. Qualquer alteração significativa equivale a rejeitar quem a criou. Reestruturar a Igreja é jogar fora os sustentáculos que a tornaram forte. Estamos perdendo membros, eles dizem, porque a igreja mudou muito e continua mudando. Numa era de transformações massivas, o povo necessita de uma igreja estável. Em meio às suas próprias mudanças, a igreja não pode dar, e não dá, ao povo a estabilidade e segurança necessárias. A Igreja está abrindo mão de coisas que, se retidas e divulgadas, atrairão o povo.
Juntando-se ao mundo em sua flutuação, a Igreja termina por não saber mais o que crê, e as pessoas não sabem em quem confiar ou onde podem pisar seguramente. O que é necessário, dizem, não é mudança, mas compromisso sólido com o que sabemos ser verdade e o que tem sido feito.
Abordagem correta
O que pode ser feito para encontrar um denominador comum, que permita a Igreja ser flexível o bastante para ser contemporânea e não sacrificar o que é importante? De qualquer modo, deve haver um processo que nos torne mais unidos mutuamente, mais fortes como Igreja, e mais cumpridores da vontade do Pai. Consideremos alguns pontos que podem ajudar nossa visão de mudanças sem fazer perder o fundamento.
Algumas coisas podem ser mudadas, outras não podem. A História mostra que a única constância na vida são as mudanças e que as únicas coisas que não estão mudando constantemente são as mortas, e mesmo assim elas se decompõem. Ao mesmo tempo, a História também afirma que algumas coisas são imutáveis.
O que poderia, ou não, ser mudado? Israel perdeu seu lugar como povo escolhido de Deus porque não fez algumas mudanças necessárias. Ao contrário, cedo ainda na Igreja cristã, houve apostasias porque a Igreja mudou algumas coisas imutáveis. Assim, devemos determinar o que deve e o que não deve ser mudado.
Compreender a vida da Igreja em seus vários aspectos. A vida e o ministério da Igreja podem ser vistos como consistindo de quatro aspectos essenciais: valores e pilares, ensinamentos e crenças, costumes e tradições, métodos e meios. Alguns desses não podem e não devem ser mudados: outros podem ser mudados sem desestabilizar o que a igreja estabelece.
Os valores e pilares nos definem como Adventistas do Sétimo Dia. Neles está o nosso corpo de doutrinas, nossa definição de valores. Devemos expressá-los em diferentes formas e ocasiões: podemos enfatizar certas facetas mais que outras, de tempos em tempos, ou podemos compreendê-los mais profundamente. Nossos valores e pilares não podem ser mudados se a Igreja deseja sobreviver e florescer. Cada um deles, cremos, está fundamentado num específico “assim diz o Senhor”. Eles formam a base da vida e disciplina da Igreja, e o padrão para discipulado.
Nossos ensinamentos e crenças estão baseados nas Escrituras e a experiência da Igreja. À medida que os anos passam, continuamos abertos para clarear e revisar nossa compreensão das Escrituras. Nesse ponto, os adventistas possuem firmeza, ao mesmo tempo sabendo quão importante é submeter-se à luz progressiva, ou “verdade presente”. Em si mesmos, os fundamentos bíblicos são absolutamente seguros, mas apesar disso devemos submeter nossa interpretação da Bíblia à possibilidade de uma “nova luz”.
Embora nossos ensinamentos e crenças ajudem a moldar nossa identidade, em sua essência, eles contribuem mais para enriquecer-nos, fortalecer-nos e tornar-nos um povo espiritualmente confiável. Eles são absolutamente vitais para nossa vida enquanto nos enriquecem e enobrecem. Mas sempre haverá um espaço para mudança de opinião, toda vez que aprofundarmos nossa compreensão da vontade de Deus para a nossa vida individual.
Valor e tradição
Tradições e costumes se desenvolvem naturalmente na vida de uma pessoa ou um grupo. Num dado momento ou lugar começamos a fazer as coisas de certas maneiras, sempre por boas razões. Tornamo-nos confortáveis com elas, e elas se tornam costumeiras, tradicionais. Algumas vezes, esses costumes são ditados pelos tempos ou por nossa herança. Então, novamente, eles podem crescer por nossa conveniência ou pelo gosto pessoal. Eventualmente, ganham um ar de permanência, embora as razões para uma tradição particular possa estar perdida em meio a um passado distante.
Entretanto, quanto mais praticamos uma tradição, mais tendemos a pensar nela como uma crença ou mesmo um valor. Assim, a tradição torna-se importante e define mesmo nossa zona de conforto. Qualquer tentativa de mudar é igualada por alguns como atacar o corpo de valores.
Deveríamos, portanto, periodicamente perguntar-nos se nossas tradições ainda estão servindo a um propósito digno; se nos põem no caminho do progresso ou o intensifica. Há uma boa razão para continuar com este costume, ou estamos agarrados a ele por causa do gosto pessoal? Não é mau continuar com uma tradição que não obstrui nossa missão. Por outro lado, é trágico sustentar costumes e tradições que nos impedem de ser mais efetivos num ambiente fluido.
Devido à ligação emocional que muitos têm com os costumes e tradições, necessitamos ter sensibilidade quando desejamos mudá-los. Pela mesma razão, aqueles que se opõem a mudar uma tradição deveriam compreender que podem estar impedindo o Espírito Santo de guiar a Igreja na direção de um grande ministério.
Métodos e meios ajudam a cumprir nossa missão. Eles são a maneira pela qual fazemos o que fazemos. São o meio de conquistar o que queremos, o caminho para alcançar nossos alvos.
Eles podem e freqüentemente deveriam mudar, porque o ambiente muda, as condições, os tempos e os desafios mudam. Nossos métodos também deveriam mudar, se queremos ser competitivos na batalha contra as forças das trevas. A guerra de hoje não pode ser travada com os instrumentos e os métodos de ontem. A menos que nos adaptemos e nos ajustemos às condições de mudanças, a vitória será ilusória, e certa a derrota.
Algumas vezes, mudanças radicais na maneira como a Igreja cumpre sua missão tornam-se necessárias. Por exemplo, desde os tempos de Constantino, o culto tem sido centralizado em edifícios. Hoje, no entanto, muitas congregações descobriram que isso pode ser um peso em custos, tempo, energia, número de voluntários necessários, e habilidade para planejar crescimento. Por isso, eliminaram os edifícios suntuosos, focalizando o ministério e nutrição através de pequenos grupos. Para grandes celebrações de final de semana, alugam ginásios ou auditórios. O restante do trabalho é levado para onde o povo está, na vizinhança.
Muitas mudanças, entretanto, não precisam ser tão radicais; mas precisam ocorrer. Devemos estar perguntando constantemente a nós mesmos: O que vamos fazer? O que queremos fazer? Por que vamos fazer isto? Qual a melhor maneira de fazer isto? Se vamos seguir à risca, que processo ou método deveríamos desenvolver, de tal forma que nossos esforços resultem mais efetivos? Esse método particular ou processo habilita-nos a cumprir o que desejamos com o máximo de efetividade e eficiência? Se não, devemos mudá-lo?
Infelizmente, métodos e meios com freqüência tornam-se tradição, e eventualmente recebem quase o status de crença. É fácil começar um novo programa, mas quase impossível concluí-lo se ele girar em torno da duração de tempo. Mesmo que morra de morte natural, continuamos a escorá-lo e tentando lhe dar nova vida. A Igreja é a única organização do mundo onde, se alguma coisa não opera por mais tempo, é deixada de lado.
Tanto quanto o tempo, nossos métodos e o processo empregado para conduzir a grande comissão devem mudar, ou jamais a veremos cumprida, pelo menos em nossa geração.
Implementando um modelo
De que maneira poderiam ser implantadas mudanças nos aspectos considerados anteriormente? As seguintes idéias provêem uma base para aplicação em qualquer área da vida da Igreja:
Valores e pilares. Ellen White, falando em 1905, disse que conhecia apenas sete valores primordiais: salvação pela fé unicamente em Cristo; imutabilidade da lei de Deus; o sábado; o ensinamento bíblico sobre o estado dos mortos; segunda vinda literal de Cristo; juízo pré-advento, iniciado em 1844 no Céu; e a tríplice mensagem angélica de Apocalipse 14. Referiu-se a eles como sendo nossos pilares, e afirmou não conhecer nada mais que devesse ser assim chamado (Counsels to Writers and Editors, pág. 30).
Ensinamentos e crenças. Aqui poderiam estar incluídos pontos sobre os quais a Igreja tem dado ampla liberdade de discussão, como a compreensão da natureza humana de Cristo, a Trindade e o vegetarianismo.
Uriah Smith e James White, por exemplo, chegaram a acreditar que Jesus foi um Ser criado; todavia, um editava a Review and Herald, e o outro era esposo de Ellen White e presidente da Associação Geral. Hoje há mais luz sobre os referidos assuntos.
Ellen White desafiou-nos a tomar uma posição forte na educação do povo quanto à adoção do vegetarianismo. Mas seu exemplo e ensinamento nos dizem que não devemos fazer desse ponto uma prova de discipulado; pelo contrário, devemos dar tempo para crescimento na aceitação desse princípio. Dieta e adorno são temas importantíssimos na experiência cristã. No entanto, são áreas em que deveríamos atuar buscando persuadir e educar, em vez de legislar e julgar arbitrariamente.
Tradições e costumes. Isso inclui coisas como maneiras de programar o culto, de celebrar a Ceia, e de realizar o batismo (alguns pastores erguem o braço por trás do candidato, outros o fazem pela frente).
Algumas vezes tradições e costumes estão baseados em advertência de profetas e líderes ao tratarem com tempos e situações específicos. Outras vezes, eles apenas surgem ao longo da vida e tornam-se uma maneira confortável de fazer as coisas. São quase sempre baseados na preferência pessoal, e não numa definitiva declaração da Palavra de Deus.
Métodos e meios. Aqui, a campanha da Recolta de Donativos é um bom exemplo. Em muitos lugares isso é feito com um propósito específico, sério e justo. Mas há lugares onde o método tradicional de realizar esse trabalho precisa ser modificado por algumas razões. Outros itens vêm à mente, como idade das crianças em classes específicas da Escola Sabatina, forma de nomeações, entre outros.
Virtualmente, qualquer coisa associada com a Igreja pode ser colocada em uma das quatro categorias mencionadas. Com isso, temos uma base para decidir se determinada mudança é boa ou má. Podemos concordar no que constitui o essencial e é imutável, e o que pode e deve ser mudado para o bem do corpo de Cristo.
As mudanças estão ocorrendo, queiramos ou não, gostemos ou não. Vamos nos antecipar a elas; preparando-nos e usando-as em nossa vantagem.