Proclamação de fé sem o correspondente chamado à santidade é algo absolutamente estranho ao adventismo

Nos últimos tempos, alguns têm visto o ministério como sendo mais uma tarefa de proclamar salvação, do que um chamado à vida de santidade. Essa tendência está em harmonia com a interpretação de salvação que é atribuída a Martinho Lutero, cujo ensinamento era o de que obtemos a salvação através da justificação pela fé. Tendo isso como sua principal crença, Lutero deduziu que santificação, santidade e obediência aos mandamentos de Deus não são partes integrantes da salvação, mas o resultado dela. Deus produz boas obras, argumentava o grande reformador, para mostrar aos descrentes a salvação espiritual já experimentada pelo indivíduo justificado.1

Uma consequência prática dessa interpretação da salvação como justificação pela fé resulta em ritualismo. Um exemplo de ritualismo é a suposição de que Deus garante e assegura a salvação no momento do batismo. Rituais conferem salvação e o poder de Deus aos participantes deles.

Esse cenário reduz a tarefa do ministério apenas à proclamação, com esta sendo uma declaração pública sobre um assunto de assombrosa importância. Consequentemente, o ministério é proclamar o evangelho (pregação de boas-novas) e não necessita envolver o estudo da Bíblia ou posterior compreensão da verdade por parte do ouvinte. Em tal proclamação, os pastores convidam descrentes para que aceitem a salvação possibilitada por Deus na cruz. De acordo com esse modelo de ministério, através da obra do Espírito Santo, a proclamação produz instantânea e permanente salvação naqueles que a aceitam pela fé.

Essa falta de ênfase na compreensão bíblica da verdadeira salvação e a consequente virada para a salvação em um instante, apenas pelo assentimento a uma proclamação, tem permeado o evangelismo e o pastorado nas últimas duas décadas. Consequentemente, mesmo em eventos de proclamação, aonde as pessoas vão para ouvir o evangelho, pregadores tendem a adotar uma abordagem orientada para o cliente, a fim de atrair mais pessoas de todas as culturas. O problema é que não hesitam em usar rituais de gosto secular, novidades teatrais (estilo de música, por exemplo), de modo que consigam grande audiência para que a proclamação aconteça e a salvação instantânea seja administrada.

Pastores que pensam, agem e ministram em tal atmosfera podem ter a satisfação de ver centenas de pessoas levantando as mãos numa resposta emocional de aceitação à salvação. Entretanto, não acredito que tais respondentes compreendam ou experimentem o ingrediente básico do conceito adventista de salvação, ou seja, que ela é uma experiência de fé que leva à obediência. A eventual negligência ou minimização dessa característica adventista, por aqueles que pensam que a tarefa de ministrar e evangelizar reside apenas na proclamação, resulta em descartar o chamado à obediência. Contudo, proclamação de fé sem esse chamado é algo absolutamente estranho à essência do adventismo.

Santidade e salvação

A visão de que o evangelho provê salvação sem qualquer referência à santidade, ou santificação, não faz justiça nem ao princípio Sola Scriptura nem ao princípio Tota Scriptura. Como é possível que teólogos e pastores creiam em doutrinas baseadas em poucas passagens bíblicas, enquanto desconsideram os ensinamentos da Escritura como um todo? A declaração de Paulo estabelece enfaticamente: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14). O apóstolo exorta os cristãos a se comprometerem com a busca da santidade. Por quê? A razão é clara: “Porque escrito está: Sede santos, por que Eu [Deus] sou santo” (1Pe 1:16). A salvação, como experiência de renunciar à velha maneira de viver e aos antigos caminhos de pecado, resulta em uma vida de santificação. A essa experiência, Paulo se referiu, ao escrever aos efésios: “e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4:24).

Algumas pessoas podem argumentar que a justificação já faz tudo isso e nós recebemos a santificação juntamente com ela. Porém, o argumento do apóstolo em Hebreus 12:14 contradiz esse raciocínio em pelo menos duas maneiras. Primeira, a passagem não diz que a atitude de viver pacificamente com todas as pessoas e a experiência de santidade são alguma coisa concedida no momento da justificação, mas que resultam de uma ação conscienciosa dos crentes: “Segui…”, diz o apóstolo. Essas atitudes são resultado de atos históricos (atos de obediência). O contexto precedente apela aos seguidores de Cristo no sentido de que lutem contra o pecado, resistindo-o de todas as formas possíveis (Hb 12:2-4). Amparados pela graça de Cristo e justificados com base nela, os cristãos deveriam buscar e obter não apenas santificação legal, mas real, através do processo histórico de lutar contra o pecado.

Em segundo lugar, a experiência cristã de santidade resulta em boas obras praticadas pelos crentes, devidamente capacitados pelo Espírito Santo; mas essas não são obras determinadas por Deus em favor deles. A posição de alguns, no sentido de que Deus nos escolhe para ser santos, anulando nossa vontade com a Sua vontade onipotente (predestinação), e nos torna santos dominando nosso limitado poder com Sua onipotência (providência), contradiz o significado de Hebreus 12:14.

Consequentemente, de acordo com as Escrituras, a salvação requer e inclui duas experiências diferentes, embora complementares: justificação e santificação.

O que é santidade

Não é possível encontrar uma definição explícita dos termos santo e santidade. Entretanto, o papel que eles desempenham na teologia cristã é muito importante para deixá-los abertos às ambiguidades de definições semânticas e às distorções das tradições teológicas. Para explicar o significado deles, as Escrituras os ligam diretamente ao que é Deus. Deus é santo, tendo, evidentemente, a santidade como característica de Seu ser (Lv 19:2; SI 99:3, 5, 9; Is 6:3; Lc 1:49; 1Pe 1:15, 16; Ap 4:8). Embora a essência de Deus esteja além das definições humanas (Êx 20:3; 2Cr 6:18; Is 40:18), podemos aprender o que isso significa observando os atos de justiça de Deus. “Mas o Senhor dos Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça” (Is 5:16).

Então, a santidade divina se torna manifestada na justiça divina, e essa justiça de Deus, por sua vez, é Sua justiça tornada visível em Seus atos (1Sm 12:7; Dn 9:16; Ap 15:4). Além disso, Deus revela Sua justiça em dois principais atos históricos – a lei e a cruz (Rm 3:21) – bem como através de todos os atos de Sua providência no decorrer da História (Dt 32:4).

Quando Deus age, Ele revela Sua justiça e Sua santidade. Justiça significa que Deus sempre faz tudo certo. Ele agiu de acordo com Sua sabedoria e Seu caráter justo, não apenas quando estabeleceu a ordem da criação, mas também quando revelou Sua justiça e Seu amor através da lei, da cruz e de Seu ministério celestial.

As ações divinas revelam simultaneamente a santidade e a justiça de Deus (Is 5:16). Quando o profeta Isaías afirmou que os pensamentos e caminhos do Santo de Israel não são nossos pensamentos e caminhos (Is 55:8, 9), ele estava expressando uma verdade fundamental e inalterável: santidade é a diferença entre a natureza de Deus e a nossa, entre Seus pensamentos e os nossos, entre Suas ações e as nossas. Tiago 1:13 provê uma extensão lógica: sendo santo, Deus não pode pecar. Assim, santidade é oposição ao pecado.

Salvação e estilo de vida

Porque Deus é santo (Lv 19:2; 1Pe 1:15,16) e deseja partilhar Sua vida conosco, Ele criou seres humanos para que fossem santos. Isso significa ter um estilo de vida santo (Ef 1:4). Porém, ao decidir ser independente de Deus, o ser humano se tornou pecador e perdeu sua santidade (Gn 3). O plano de salvação estabelecido por Deus tem o objetivo de devolver a santidade à vida humana. A experiência de santidade em fé e obediência restaura nos seres humanos a imagem de Deus e produz neles a alegria da salvação.

Claramente estabelecida nas Escrituras, a experiência da salvação inclui um estilo de vida santo. Por exemplo, Zacarias, o pai de João Batista, compreendeu que os crentes esperavam a salvação de Deus com este objetivo: “de conceder-nos que, livres da mão de inimigos, O adorássemos sem temor, em santidade e justiça perante Ele, todos os nossos dias” (Lc 1:74, 75).

Um estilo de vida santo expressa na experiência humana a justiça e o amor que apropriadamente pertencem à santidade de Deus. Adotando um estilo de vida santo, os cristãos fogem da corrupção existente no mundo e se tornam “co-participantes da natureza divina” (1Pe 1:1-4). Porém, nos tornamos co-participantes da natureza divina não pela transformação e incorporação de nossos corpos criados a essa natureza, algo como a divinização da criatura, mas por adotar a santidade de Deus em nosso viver diário.

Necessitamos compreender claramente que as boas obras, o estilo de vida cristão, não produzem salvação. Temos acesso à salvação unicamente por causa do sacrifício de Cristo e Seu contínuo ministério intercessor no santuário celestial (Hb 5:8-10). Como Paulo já disse, aqueles que têm fé em Cristo são os únicos que experimentam a salvação (Rm 3:22). Porém, a fé conduz à obediência, e, juntas, fé e obediência são dois componentes inseparáveis do mesmo ato da livre confiança do ser humano em Deus (Rm 1:5; 16:26). A livre decisão humana para responder ao chamado de Deus para a salvação através de Cristo em fé e obediência não é a causa, mas a condição necessária para a ocorrência da salvação.

Cristo nos salva para a santidade que, por sua vez, deve ser a verdadeira experiência da salvação. A santidade se torna real quando decidimos exercer fé implícita em Deus e obedecer à Sua vontade, crer e aceitar Suas promessas, Seu poder, Sua providência, Seu chamado e intercessão. A mesma fé e obediência pelas quais aceitamos e recebemos Seu perdão (justificação pela fé) envolvem, simultânea e necessariamente, um intencional e jubiloso estilo de vida obediente (santificação). De acordo com o ensinamento bíblico, não podemos ter uma coisa sem a outra.

Não podemos obter o perdão de Deus, sem que haja simultaneamente a disposição de ser obedientes e ser transformados progressivamente conforme Sua imagem. Desde que os cristãos receberão a coroa da vida por causa de sua fidelidade (obediência) até a morte (Ap 2:10), os pastores devem apresentar completamente esses ensinos, para ajudar os crentes a conservar por toda a vida sua resposta de fé-obediência ao chamado de Cristo.

Paulo deu exemplo disso, ao apelar aos cristãos romanos: “Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça, para a santificação” (Rm 6:19). O mesmo apelo foi estendido aos cristãos de Corinto: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2Co 7:1). Aos efésios, o apóstolo explicou em detalhes o modo como o estilo de vida santo substitui o antigo e mundano estilo de vida: “… quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef 4:22-25).

Entendendo a santidade como um componente necessário da experiência e realidade da salvação, podemos compreender porque “sem a qual [santidade] ninguém verá o Senhor” (Hb 12:14).

Implicações ministeriais

O ensino bíblico de que um estilo de vida santo (santidade ou santificação) é necessário para a experiência de salvação corre contra a visão que atualmente é mantida por alguns religiosos. Em consequência disso, devemos ter cuidado. Pastores comprometidos com o testemunho completo das Escrituras Sagradas não podem seguir o modelo sacramental de ministério, segundo o qual Deus usa a proclamação como veículo visível (sacramento) para a operação de Seu divino poder salvífico, por meio do Espírito Santo.

Em vez disso, Cristo ensinou que o Espírito Santo opera através da compreensão das palavras da revelação registradas para nós na Escritura. De fato, Cristo enviou o Espírito Santo para dar continuidade a Seu ministério de ensino. Disse Ele aos discípulos: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, Ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir” (Jo 16:13). O poder de Deus opera através das palavras de Cristo e dos atos de revelação registrados nas Escrituras. O próprio Cristo tornou claro que “o Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que Eu vos tenho dito são espírito e são vida” (Jo 6:63).

Em harmonia com o ensino de Jesus, Paulo não cria que a fé resulta de uma decisão unilateral, onipotente da vontade de Deus, mas da livre resposta humana à Palavra de Cristo: “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10:17). Se fé e obediência são livre resposta humana ao chamado de Deus, compreender Sua revelação nas Escrituras se torna necessário para a experiência de salvação.

O Espírito Santo usa o ministério pastoral como instrumento escolhido para revelar ao mundo os ensinos e os atos de Cristo. Em consequência, o objetivo do ministério pastoral deve ser facilitar a compreensão da Escritura e da vontade de Deus, a fim de que fé e obediência sejam despertadas no mundo e sejam conservadas vivas na igreja.

Um modelo de ministério pastoral centralizado nas Escrituras descobrirá que metodologias evangelísticas orientadas ao cliente são contraproducentes. Em vez disso, justamente porque “no mais alto sentido, a obra da educação e da redenção são uma”,os pastores descobrirão que o método da educação cristã é o melhor caminho para se chegar ao objetivo. Necessitamos ter em mente que “a mais elevada espécie de educação é aquela que dê tal conhecimento e disciplina que leve ao melhor desenvolvimento do caráter, e habilite a alma para aquela vida que se mede pela vida de Deus. A eternidade não deve ficar fora de nossos cálculos. A mais elevada educação é aquela que ensine às nossas crianças e jovens a ciência do cristianismo, que lhes dê um conhecimento experimental dos caminhos de Deus, e lhes comunique as lições que Cristo deu a Seus discípulos sobre o caráter paternal de Deus”.3

A educação como metodologia pastoral redentiva não adaptará os ensinos das Escrituras ao sabor e preferências da cultura secular contemporânea. Em vez disso, tentará torná-los claros e compreensíveis às mentalidades simples e eruditas de todas as culturas.

Deus comissionou os pastores a trabalhar pela salvação de pecadores. Considerando os canais de Deus, Seu poder salvador através da Escritura e o ministério de ensino do Espírito Santo (Jo 6:63; cf Rm 1:16; Jo 16:13,14), os pastores devem se tornar familiares com todos os ensinos da Bíblia e a harmonia existente entre eles. Desse modo poderão ver o amor, justiça e santidade de Cristo. Enquanto o Espírito Santo atrai os seres humanos aos ensinos das Escrituras Sagradas para que aceitem e imitem o amor, justiça e santidade de Deus, Cristo os transformará conforme Sua imagem.

Através de progressivo e contínuo crescimento em profunda compreensão dos caminhos de Deus, revelados nas Escrituras, os pastores se tornarão capazes para usar a educação cristã como o melhor método a fim de facilitar e disseminar o conhecimento bíblico, bem como sua experiência pessoal de conversão, entre os pecadores no mundo e os santos na igreja.

O modelo bíblico de ministério pastoral, centralizado no estudo da Bíblia substituirá o tradicional modelo sacramental de pastorado, centralizado apenas em proclamação e rituais. Esse tipo de ministério produzirá um despertamento de piedade e missão que unirá a igreja mundial a fim de apressar a vinda de Cristo.

Referências:

  • 1 Luther’s Works: Career oft he Reformer, eds. Jaroslav Jan Pelikan, Hilton C. Oswald e Helmut T. Lehmann (Saint Louis: Concordia Publishing House, 1999), IV, 34, p. 161.
  • 2 Ellen G. White, Educação, p. 30
  • 3 ______________, Orientação da Criança, p. 296.