Devemos mudar radicalmente e organizar nossas igrejas em torno da necessidade de todos estarem envolvidos no ministério.
Por Márcio Nastrini
No contexto adventista, é muito difícil falar acerca do ministério de todos os crentes e do papel do pastor sem mencionar o nome de Russell Burrill. Autor dos livros Como Reavivar a Igreja do Século 21 (CPB, 2005) e Discípulos Modernos (CPB, 2006), ele é conhecido por sua convicção a respeito da necessidade de se restaurar os paradigmas ministeriais do cristianismo apostólico e do adventismo pioneiro.
Burrill é bacharel em Teologia pelo Atlantic Union College, Massachusetts, fez seu mestrado na Andrews University, Michigan, e obteve o Doutorado em Ministério pelo Fuller Theological Seminary, Califórnia. Na década de 1960, começou seu ministério como pastor em Connecticut. Depois, trabalhou como evangelista em várias regiões dos Estados Unidos. Após retornar ao pastoreio de igrejas, nos Estados de Washington e Kansas, Burrill foi convidado para dirigir o Instituto de Evangelismo da Divisão Norte-Americana, cargo que ocupou por 22 anos até sua aposentadoria, em 2007.
Enquanto esteve à frente do Instituto de Evangelismo, Burrill também atuou como professor na área de Ministério Cristão, na Andrews University, e como secretário ministerial e diretor de Missão Global da Divisão Norte-Americana. Uma de suas grandes contribuições para o programa de plantio de igrejas foi o projeto Seeds que, até hoje, é realizado em várias partes do mundo. Recentemente, o Estado de São Paulo sediou dois encontros do projeto.
Ele é casado com Cynthia Hartman Burrill, que tem uma ligação especial com a América do Sul. Ela nasceu na Bolívia e cresceu no Peru. Seu avô, George Hartman, foi tesoureiro da então União Sul-Americana (atual Divisão Sul-Americana da Igreja Adventista). O pai, John Hartman, nasceu na Argentina e cresceu no Brasil. Ele trabalhou como tesoureiro na Bolívia e no Peru e, em 1962, assumiu a mesma função na Divisão Sul-Americana. O casal Burrill tem dois filhos e seis netos.
Ao todo, Russell Burrill escreveu 13 livros, traduzidos para diversas línguas, que tratam de temas como evangelismo, crescimento e plantio de igreja e reavivamento. Como conferencista, esteve em mais de 40 países, compartilhando ideias que ajudam a igreja a expandir sua missão de alcançar pessoas.
O que motivou o senhor a escrever tanto sobre evangelismo e crescimento de igreja?
Eu compartilhava muitos conceitos e pesquisas em minhas aulas no seminário; entretanto, os estudantes deixariam a faculdade e tentariam implementá-los em um ambiente de igreja desfavorável, resistente a novas ideias. Os membros achavam que os novos pastores eram muito jovens, por isso, não desejavam ouvi-los. Meus alunos começaram a me pedir, então, para que eu publicasse minhas pesquisas a fim de que pudessem usá-las em suas futuras igrejas. Assim, preparei Revolution in the Church (2001). A resposta ao livro foi além das expectativas e me incentivou a continuar escrevendo.
Qual é a melhor maneira de ajudar as igrejas a serem mais vibrantes e envolvidas na pregação do evangelho?
Realizar treinamentos missionários não é suficiente. A maioria dos membros não participa. Creio que o melhor caminho é criar uma consciência de missão. Todos devem saber por que a igreja está aqui e entender sua missão claramente. Isso tornará possível a implementação de novas ideias. No entanto, a maioria dos pastores falha nesse processo por tratar o assunto como se fosse outro programa qualquer. Quando a maioria dos membros entende que a missão é a razão pela qual a igreja existe, então a execução é possível. Contudo, sem isso, nada ocorre, não importa quantos seminários você faça.
De que maneira os ministros podem levar os membros a descobrir seus dons?
Desde que escrevi Revolution in the Church, mudei meu entendimento sobre o processo de descoberta dos dons. No passado, incentivávamos as igrejas a realizar seminários a respeito do assunto. Às vezes, isso demandava cerca de 10 semanas para ser concluído. Ao fim do treinamento, a congregação estava exausta e desgastada em virtude do processo, e pouca energia havia sido colocada efetivamente em levar pessoas ao ministério de acordo com seus dons.
Continuo acreditando piamente no potencial do uso dos dons espirituais, mas não creio que as pessoas devem entrar em determinado ministério por causa do dom que têm. Descobri que não se pode colocar os membros num ministério porque você acha que aquele ministério precisa daquele dom. A meu ver, todos os ministérios podem usar todos os dons.
O importante é descobrir por qual ministério as pessoas são apaixonadas. Elas escolhem um ministério com base em suas paixões e costumam servir onde se sentem mais confortáveis, de acordo com seu dom espiritual. Desse modo, elas estarão envolvidas em algo relacionado com sua inclinação, mas o lugar que ocuparão nas atividades estará baseado em seus dons.
Esse processo se concentra mais em envolvê-las no ministério do que em fazê-las descobrir os dons. Uma pessoa não leva 10 semanas para descobrir seu dom. Isso pode ser feito em uma ou duas horas. Assim, o tempo deve ser investido em ajudar as pessoas a se tornarem ativas em um ministério que esteja em seu coração e em atividades que estão em harmonia com a forma com que foram equipadas. Eu escrevi sobre isso em livros como Waking the Dead (2004) e How to Grow an Adventist Church (2009).
Como os pequenos grupos se relacionam com um ministério orientado por dons?
O ambiente do pequeno grupo é ideal para a descoberta de dons e o consequente envolvimento no ministério. É impossível reacender a chama do sacerdócio de todos os crentes sem a experiência com pequenos grupos. Essa era a virtude do adventismo em seus primeiros anos. Os pioneiros fizeram dos encontros sociais (pequenos grupos) um dos elementos essenciais da Igreja Adventista. Esse fato, pouco familiar para muitos, talvez tenha sido a maior razão para o rápido crescimento numérico da denominação em seus primórdios.
O importante é descobrir por qual ministério as pessoas são apaixonadas. Elas escolhem um ministério com base em suas paixões e costumam servir onde se sentem mais confortáveis, de acordo com seu dom espiritual.
Atualmente, temos uma infinidade de seminários que exploram a implementação de ministérios de acordo com os dons; todavia, obtemos pouco sucesso com isso. É mais eficaz inserir as pessoas em um pequeno grupo e, nesse ambiente, ajudá-las a descobrir por qual ministério são apaixonadas. Por fim, devemos auxiliá-las para que se encaixem onde estão melhor preparadas para servir.
Qual é o papel do pastor numa igreja estruturada em pequenos grupos, em que os ministérios têm como base os dons?
Biblicamente falando, treinar e equipar (aperfeiçoar) os membros são as principais descrições do trabalho do pastor e de outros líderes da igreja (Ef 4:11-12). De fato, o texto de Efésios é o único do Novo Testamento a tratar sobre a função pastoral e, curiosamente, afirma que o trabalho é “preparar” (NVI) os membros para o serviço. Assim, se um ministro não está fazendo isso, não está realizando biblicamente seu papel.
Ellen G. White expande esse conceito ao longo de seus escritos, chegando a sugerir que pastores que estão fazendo o trabalho em vez de treinar e equipar os membros devem ser demitidos (Obreiros Evangélicos, p. 102).
Em outro lugar, ela afirma que membros de igreja que precisam ser cuidados pelo pastor, em vez de ter sua própria vida espiritual, “precisam se converter, sendo novamente batizados. Necessitam nascer de novo” (Evangelismo, p. 381).
Essas são apenas duas das centenas de declarações da autora sobre o assunto. É necessário que os membros “discipulem” os novos conversos a fim de que não venham depender somente do pastor. Ellen G. White enunciou os seguintes princípios quanto ao tema: (1) não dependência do pastor; (2) crescimento espiritual da igreja; (3) crescimento numérico; e (4) discipulado completo.
Não há nenhum texto na Bíblia que mencione que devemos contratar alguém para cuidar dos membros. Esse não é o trabalho do pastor. O Novo Testamento é claro sobre como os fiéis devem ser pastoreados. Aproximadamente 75 versos afirmam que o cuidado dos membros é tarefa de todos os crentes. Se queremos ter uma igreja viva, então precisamos da participação da congregação no cuidado mútuo de seus membros.
Como transformar a realidade de uma “igreja de consumidores” que depende do pastor em uma igreja ativa?
Tudo começa com o desenvolvimento de uma forte compreensão da missão da igreja. Um estudo sobre o sacerdócio de todos os crentes indica que os sacerdotes do Antigo Testamento tinham duas funções básicas: (1) interceder em nome do povo diante de Deus, e (2) desempenhar funções religiosas que as pessoas não poderiam fazer (ministério no santuário).
Implementamos bem o primeiro ponto, de tal maneira que o povo não precisa procurar o pastor para interceder por ele. No entanto, ainda não obtivemos muito sucesso em aplicar o segundo. Em vez de treinar os membros para ministrar, mantemos o ministério como obra do pastor e restringimos as demais responsabilidades às poucas pessoas que são eleitas para cargos na igreja.
Isso significa que devemos mudar radicalmente e organizar nossas igrejas em torno da necessidade de todos estarem Envolvidos no ministério. Não se trata de uma opção ou uma escolha, é um requisito para ser membro da igreja. Atualmente, algumas de nossas congregações têm implementado isso.
Mudanças não são fáceis, mas devem ser feitas se quisermos concluir a obra de Deus. Ellen G. White afirmou que “a obra de Deus na Terra nunca poderá ser terminada a não ser que os homens e as mulheres que constituem a igreja concorram ao trabalho e unam seus esforços aos dos ministros e oficiais da igreja” (Obreiros Evangélicos, p. 352).
A partir dessa declaração, é possível notar que o principal fator que impede a conclusão da obra é a negligência em relação ao ministério de todos os crentes. Assim, embora seja um desafio, a restauração completa desse conceito deve ser realizada.
Outro problema que ronda as igrejas é a apostasia entre novos membros. O que fazer para evitar essa situação?
Quando uma pessoa se une à igreja, quer como recém-convertida ou por meio de transferência, a comunidade tem cerca de 3 a 6 meses para envolvê-la em um grupo, tarefa ou projeto. Se isso não ocorrer, essa pessoa tende a se afastar da igreja. Assim, qualquer congregação que leva a sério a conservação dos novos membros vai se estruturar para ter certeza de que, como parte do processo de discipulado, os recém-convertidos e os recém-transferidos se envolvam em algum ministério. Infelizmente perdemos muitas pessoas quando elas se transferem. A igreja tende a achar que essas pessoas já são adventistas maduros; por isso, acabam lhes oferecendo pouca ou nenhuma ajuda. Desse modo, elas acabam saindo pela porta dos fundos.
Quando uma série evangelística é planejada, deve contemplar também estratégias para acompanhamento e conservação de seus conversos. Se tal plano não existe, a iniciativa não deveria ser autorizada, pois, provavelmente, trará danos irreversíveis aos novos convertidos
Além disso, quando existe uma forte ênfase no número de batismos, temos a tendência de gastar mais tempo em procurar levar pessoas à decisão do que em ajudá-las a se ajustarem na igreja. Tão importante quanto ganhar pessoas para Cristo é mantê-las no discipulado. De fato, batizar pessoas sem ter um plano de assimilação à igreja é uma prática espiritual deficiente. Quando uma série evangelística é planejada, deve contemplar também estratégias para acompanhamento e conservação de seus conversos. Se tal plano não existe, a iniciativa não deveria ser autorizada, pois, provavelmente, trará danos irreversíveis aos novos convertidos.
De acordo com sua experiência, qual é o principal desafio da igreja em relação a essa mudança necessária de paradigma?
Uma das coisas que tem sido difícil para eu aceitar é o fato de que mudanças levam tempo. No entanto, sinto-me encorajado pelos sinais de transformação que vejo em todo lugar. A dura realidade é que a igreja se tornou ineficaz em grande parte do mundo desenvolvido. Normalmente culpamos o secularismo crescente. Todavia, não estou convencido de que esse seja o único problema.
Por exemplo, quando, no mundo desenvolvido, o pastor assume o papel de treinador e capacitador e as pessoas estão envolvidas no ministério, a igreja alcança uma taxa de crescimento anual de 8 a 10%. Apesar de ser um mundo secular, a igreja cresce grandemente. O problema não é o secularismo, o problema é a igreja depender do pastor para fazer tudo.
Sinto-me encorajado ao ver Associações inteiras e muitas congregações locais que começaram a se mover nessa direção. Isso me anima a continuar. Ainda sou otimista. Creio que essa mudança não pode ser opcional; ela deve ocorrer para o avanço da missão. Estou feliz por poder falar aos pastores da América do Sul sobre esse tema. Vou orar para que a América do Sul viva, de fato, essa experiência.