A importância do autocuidado pastoral
Petr Cincala e René Drumm
Após sair de uma consulta médica de rotina, o pastor João1 recebeu um casal com problemas em sua casa. Enquanto ele estava na sessão de aconselhamento, o médico ligou para a esposa dele e disse: “Traga o João ao hospital o mais rápido possível. Tentei ligar para ele, mas não houve resposta.”
João descreveu o que ocorreu na sequência. “Minha esposa saiu do trabalho e voltou para casa. O casal ainda estava lá, conversando, e eu estava tentando ajudá-los. Fisicamente, não me sentia bem. Em algum momento, minha esposa disse: ‘Desculpe, ele tem que ir para o hospital o mais rápido possível.’ Eu questionei a atitude dela, mas ela respondeu: ‘Não, não, não! Você precisa ir ao hospital’, e encerrou a reunião. Fiquei cinco dias internado. Eu estava muito doente.”
Você pode estar passando por dificuldades, talvez a ponto de precisar de hospitalização, ou pode estar em sofrimento emocional significativo, mas sente que deve continuar. Você faz “seu dever” em vez de cuidar de suas necessidades básicas. Mesmo quando aconselhado por seu cônjuge ou um amigo próximo a fazer uma pausa, você continua trabalhando, muitas vezes em excesso. O que a Bíblia diz sobre isso?
Aqui estão alguns versos: “O sogro de Moisés, porém, lhe disse: Não é bom o que você está fazendo. Com certeza todos ficarão cansados, tanto você como este povo que está com você. Isto é pesado demais para você; você não pode fazer isso sozinho” (Êx 18:17, 18). “E Ele lhes disse: Venham repousar um pouco, à parte, num lugar deserto. Isto porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem muitos os que iam e vinham” (Mc 6:31).
Autocuidado na Bíblia
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento apresentam advertências sobre autocuidado. Estar esgotado não é bom. Ignorar o tempo para o lazer não é bom. Por outro lado, amar a si mesmo e dedicar tempo para se cuidar não é apenas bom, mas também está ligado a obedecer ao chamado de Deus.
De fato, em nosso estudo sobre estresse pastoral na Divisão Norte-Americana,2 descobrimos que dedicar tempo ao cuidado pessoal era fundamental para o bem-estar dos pastores. E também descobrimos que os pastores enfrentavam muitas barreiras para fazer isso.3 Essas barreiras podem ser internas, como expectativas pessoais, ou externas, vindas de membros ou administradores da igreja.
“Nosso trabalho nunca termina”, disse um pastor. “Isso cria uma situação em que, às vezes, temos dificuldade em nos convencer de que fizemos um ótimo trabalho ou fizemos o suficiente.”
As expectativas dos membros da igreja também criam barreiras para os pastores cuidarem de si mesmos. Os membros podem esperar que as necessidades da família pastoral sejam secundárias às deles. Além disso, pode não haver horas suficientes na semana para lidar com todas as responsabilidades do trabalho e ainda encontrar tempo suficiente para passar com a família. Essa falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal provoca mais estresse e se torna um ciclo vicioso de culpa por não atender às necessidades congregacionais ou familiares.
Um participante do estudo compartilhou sua experiência de negligenciar o cuidado de si mesmo por causa das expectativas dos membros da igreja. “Há uma expectativa que os membros têm do pastor, e acho que, às vezes, a liderança a sustenta, de que o ministro deve executar os programas. Como resultado disso, eles dizem: ‘É para isso que pagamos seu salário; é por isso que devolvemos o dízimo. É seu trabalho fazer evangelismo. É seu trabalho fazer visitas. É seu trabalho dirigir as comissões disso e daquilo, porque é para isso que pagamos a você.’ Espero que a nova geração de pastores preste atenção a esse ponto. Alguns de nós, veteranos, não fizemos isso e acabamos perdendo nossa família. Acabamos tendo filhos amargos em relação à igreja e esposas que desconhecem o esposo que têm ao lado. ‘Essa não é a pessoa com quem me casei. Essa pessoa nunca está em casa e, quando está, encontra-se muito cansada, não interage, porque se tornou tudo para todos.’”4
Outro tipo de barreira ao autocuidado é a pressão da administração quanto às expectativas de trabalho. Um participante do estudo afirmou: “Como um jovem pastor, você aprende logo que é recompensado por fazer, não por ser. Assim, no minuto em que você acorda, a pressão para fazer algumas tarefas mensuráveis que levam o Campo a reconhecer seu trabalho é tremenda. É preciso muita autodisciplina para dizer: ‘Esqueça isso. Vou andar com Deus e passar a manhã com Ele ou várias horas com Ele’, porque a pressão é intensa. Você tem que sair para visitar os membros, dar estudos bíblicos e levantar recursos financeiros. A lista de afazeres é muito grande.”5
Importância do autocuidado
Lembre-se de que queimar a vela nas duas pontas tem um alto preço. As consequências podem incluir esgotamento, depressão, falta de motivação, irritabilidade e problemas conjugais. Um estudo revelou que, nos Estados Unidos, o burnout resulta em aproximadamente 120.000 mortes anualmente.6 Por outro lado, pesquisas indicam que o autocuidado está associado à redução de doenças cardíacas, derrames e câncer.7 Mais importante ainda, cuidar de nós mesmos ajuda a nos manter em sintonia com Deus e Seu propósito para nossa vida.8 Assim, não é exagero dizer que o autocuidado pode salvar nossa vida aqui e para a eternidade.
No livro Mending Ministers, o pastor Felipe compartilha a história de como sua personalidade e seu senso inato de pastoreio o levaram a cuidar dos outros: “Ajudar as pessoas a navegar pelos desafios da vida, incentivá-las a fazer mudanças e facilitar a jornada delas com Jesus têm sido algo profundamente gratificante. Infelizmente, por muitos anos fiz isso à custa do meu próprio bem-estar. […] Eu paguei o preço. Ao longo do tempo, tornei-me sedentário, resultando em ganho de peso significativo. […] Minha saúde estava debilitada, e eu estava a um passo de ter um ataque cardíaco.”9
A recuperação não foi fácil. Depois de algumas tentativas e diferentes abordagens, Felipe conseguiu retomar o equilíbrio. Finalmente, ele chegou à seguinte conclusão: “Se vou levar a sério o cuidado dos outros, devo levar a sério primeiro cuidar de mim mesmo.”10 Isso inclui as dimensões espiritual e física. Em outras palavras, “o cuidado pessoal integral é essencial para os líderes pastorais, se eles quiserem ser cuidadores eficazes dos outros.”11
Plano de autocuidado
Além dos dias de folga e das férias anuais, a seguinte lista de atividades diárias pode melhorar sua qualidade de vida e seu desempenho no trabalho.
• Aprenda a dizer não. Para aqueles que cresceram pensando que só devem dizer sim, dizer não se torna difícil. Perceba que “não” é uma frase completa. “Não.” Você não precisa explicar ou se sentir culpado. Você tem todo o direito de tomar decisões sobre o que não fará.
• Suavize seu não. Tente usar um “mas” em sua resposta. Por exemplo: “Eu adoraria ajudar a planejar o acampamento da igreja no próximo fim de semana, mas me comprometi a não assumir novas responsabilidades este mês.”
• Tente: “Isso não se encaixa (ou não funciona) para mim agora.” Pode soar como: “Ouvi dizer que você preferiria marcar as reuniões da comissão da igreja para o domingo todo, mas isso não se encaixa em minha agenda no momento.” Ainda é um não, mas de forma mais suave.
• Durma o suficiente. Uma quantidade adequada de sono é fundamental para nosso bem-estar físico e mental. A maioria dos adultos precisa de 7 a 9 horas de sono de qualidade todas as noites. Além disso, para funcionar em níveis ideais, você precisa descansar e se recuperar do estresse físico e mental diário, e uma boa noite de sono fará exatamente isso. Algumas sugestões para ajudá-lo incluem: (1) dormir cedo regularmente; (2) deixar o quarto o mais escuro possível, principalmente eliminando a luz dos eletrônicos; (3) evitar substâncias que inibem o sono, como a cafeína; e (4) deixar de lado o estresse emocional e a preocupação. O apóstolo Pedro escreveu: “Lancem sobre Ele todas as suas ansiedades, porque Ele cuida de vocês” (1Pe 5:7). Isso nos preparará para um sono melhor e mais profundo.
• Faça exercícios físicos. Colocar o corpo em movimento aumentará a circulação sanguínea; intensificará sua energia, seu humor e sua cognição; reduzirá o estresse; e melhorará o desempenho mental. Basta dizer que o exercício regular e a produtividade consistente estão intimamente ligados. Portanto, mexa-se!
• Alimente-se de forma saudável. Sua comida é seu combustível; por isso, adotar uma dieta saudável e equilibrada é essencial para manter a saúde e a disposição. Assim como um carro funciona melhor com o tipo de combustível recomendado pelo fabricante, o corpo precisa do tipo certo de alimento para ter o melhor desempenho.
• Seja grato. Praticar gratidão com frequência o ajudará a desenvolver emoções positivas, resultando em um sono melhor e mais motivação durante o dia. Então, encontre duas ou três coisas pelas quais você é grato a cada dia, verbalize-as ou registre-as em um diário de gratidão e observe como isso afetará positivamente seu humor e bem-estar.
• Sorria. Quando se trata de aliviar o estresse, ria sem moderação. De fato, “o coração alegre é bom remédio” (Pv 17:22). Além disso, quando você começa a rir, sua carga mental fica mais leve. Isso também induz mudanças físicas em seu corpo, alivia a tensão e a dor e melhora o humor.
Conclusão
O autocuidado não é uma ciência exata. Ela reflete os valores e a filosofia de cada um e pode ser uma questão de vida ou morte. Considere encontrar um pastor para atuar como seu conselheiro e discipulador.
Você está pronto para sentir alegria no Senhor? Deus está chamando você para agir imediatamente. Comece a cuidar de si mesmo, pois, no fim das contas, é a melhor maneira de cumprir suas responsabilidades ministeriais.
“O cuidado pessoal integral é essencial para os líderes pastorais, se eles quiserem ser cuidadores eficazes dos outros.”
Referências
1 Usamos pseudônimos para nos referir aos participantes de nossa pesquisa.
2 René Drumm e Petr Činčala, “SDA Pastor Health Qualitative Study Report: What Can and Must Be Done to Save the Health of Adventist Pastors” (relatório não publicado, Divisão Norte-Americana, Associação Ministerial, 2021).
3 René Drumm, Petr Činčala e Ivan Williams, “It Takes a Lot of Discipline to Say, ‘I’m Going to Walk With God Today’: Recognizing and Addressing Barriers to Pastors’ Spiritual Wellbeing” (Adventist Human Subject Research Association Conference, Orlando, FL, maio de 2022).
4 David Sedlacek, Duane McBride, René Drumm, Alina M. Baltazar, Romulus Chelbegean, Gary Hopkins, Elaine Oliver e Wendy Thompson, “Seminary Training, Role Demands, Family Stressors, and Strategies for Alleviation of Stressors in Pastors’ Families” (relatório não publicado, Ministério da Família e Associação Ministerial da Divisão Norte-Americana em parceria com a Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, 2014).
5 Sedlacek e outros, “Seminary Training”.
6 Jennifer Moss, “Burnout Is About Your Workplace, Not Your People”. Disponível em <link.cpb.com.br/a5565d>, acesso em 26/10/2022.
7 Matthew Glowiak, “What Is Self-Care and Why Is It Important for You?”. Disponível em <link.cpb.com.br/d1c080>, acesso em 26/10/2022.
8 Glowiak.
9 Ivan Williams, Petr Činčala e René Drumm, Mending Ministers on Their Wellness Journey (Lincoln, NE: AdventSource, 2022), p. 107.
10 Williams, Činčala e Drumm, Mending Ministers on Their Wellness Journey, p. 108.
11 Williams, Činčala e Drumm, p. 108.
Petr CinCala, diretor do programa de doutorado em Missiologia da Universidade Andrews, Estados Unidos
René Drumm, pesquisadora e cientista social residente nos Estados Unidos