Derek J. Morris
“Muito antes que eu tivesse lido qualquer livro sobre homilética, já estava sendo programado como pregador”
Em junho do ano passado, o Pastor Barry C. Black, contra-almirante da Marinha norte-americana, doutor em filosofia, psicólogo e adventista do sétimo dia, foi eleito o 62a capelão do Senado dos Estados Unidos. Ele é o primeiro adventista e o primeiro afro-americano a ser escolhido para essa função. Antes de assumi-la, o Pastor Black serviu à Marinha do seu país durante 27 anos, onde chegou a ser chefe dos capelães e foi agraciado com vários prêmios e medalhas em reconhecimento ao seu trabalho.
Barry Black nasceu em Baltimore, e estudou no Colégio Oakwood, Universidade Andrews, Universidade Central da Carolina do Norte, Seminário Batista Oriental, Universidade Salve Regina e Universidade Internacional dos Estados Unidos. Casado com Brenda Pearsall, é pai de três filhos: Barry II, Brendan e Bradford.
Nesta entrevista concedida a Derek Morris, pastor adventista na Califórnia, o Pastor Black se revela um apaixonado pela pregação e aponta caminhos pelos quais um pastor pode chegar a ser um pregador poderoso.
Ministério: Ao refletir sobre sua vida passada, quais influências o senhor julga que Deus usou na construção de sua experiência espiritual?
Pastor Barry Black: A primeira dessas influências é minha origem humilde, simples. Acredito que o fato de eu ter crescido em uma cidade do interior, no ambiente tóxico de alojamentos públicos, onde vivíamos beneficiados pelas instituições assistenciais, criou em mim uma habilidade para me relacionar com pessoas de classes inferiores, no contexto socioeconômico. Parece que Deus me abençoou com habilidade para aproximar-me de pessoas que podem não ter um nível médio de educação formal, nem bens materiais. Elas parecem identificar-se comigo e são encorajadas pela minha história. Muitas mães me dizem que o conhecimento de meus antecedentes e minhas raízes lhes é um grande incentivo para que sejam mais determinadas em lutar por seus filhos, investindo na educação cristã e encaminhando-os ao estudo da Bíblia. Uma segunda influência que Deus usou para formar minha espiritualidade foi minha mãe. Ela era uma santa. Amava a Deus e Sua Palavra. Possuía uma espiritualidade vibrante, robusta, e se esforçava por me transmitir isso. Dizia-me que eu era especial. Informou-me que eu fora separado para Deus. Dizia isso com tal poder e sinceridade, que eu nunca duvidei do meu chamado. Em terceiro lugar, as escolas cristãs, desde o nível fundamental até o seminário, exerceram um impacto tremendo na formação da minha espiritualidade. Não acredito haver nada mais importante para crianças e jovens do que serem eles expostos aos princípios bíblicos, diariamente, em quase todos os cursos. Fui mentorado por professores dedicados que também pareciam sentir que a mão de Deus estava me guiando. Eu estava no mundo, mas não era do mundo. As escolas cristãs me providenciaram um casulo que me fez criar asas e voar.
Ministério: E o que dizer da influência exercida pela pregação?
Pastor Black: Eu fui abençoado por viver minha infância e crescer em uma igreja muito grande, a Igreja Adventista Beréia, em Baltimore. Beréia era uma congregação com aproximadamente mil membros. E normalmente os pregadores mais dotados eram enviados para lá, possibilitando-me assim uma incrível oportunidade de ficar exposto a alguns dos melhores pregadores que Deus já produziu. Eu acho que boa parte do que alguém é como pregador lhe é ensinada, mas há também outra parte que ele adquire por si mesmo. Quando você é exposto desde cedo à pregação poderosa, inspirada, poética, há um acento que você capta e que permanece consigo através da vida, e marca seu ministério. Não é
5 algo que você consegue em salas de aula. Não é algo que você aprende nos livros. Muito freqüentemente, mesmo agora, ainda ouço ecos dos meus antigos pastores, quando estou pregando. Sorrio e penso: “Isso é do Pastor Leon Cox; ele falaria exatamente assim.” Ou, “o Pastor J. C. Smith com certeza usaria esta frase”. É um estupendo legado, um dom maravilhoso. Essa rica herança resultou numa espécie de reservatório em minha mente, de onde tiro material exegético e ilustrações para minhas mensagens. Durante minha infância, toda vez que as portas daquela igreja se abriam, minha mãe e eu lá estávamos. Não perdíamos os cultos matutinos de oração, os de quarta-feira à noite, as reuniões de evangelismo, nas noites de domingo. Durante o sábado ficávamos lá o dia todo. Nem sempre eu achava isso agradável, mas, certamente, me proveu uma herança fantástica.
Ministério: O que é a pregação para o senhor?
Pastor Black: Desde cedo sempre fui interessado em ouvir gravações e assistir a videoteipes de sermões. Deveria ter uns sete ou oito anos de idade, quando ouvi um sermão de Peter Marshall, intitulado “Estavas lá?” Eu mal podia acreditar na beleza poética do que estava ouvindo. Peter descrevia uma ensolarada manhã nascendo sobre a cidade de Davi. Pregava com tanta beleza que eu podia sentir uma coisa musical em sua mensagem; e senti também algo sobre as possibilidades da pregação. Meus horizontes foram ampliados. Pregação não é simplesmente apresentar textos bíblicos para provar alguma doutrina. Pregar é mais do que apologizar, tentando convencer alguém da validade de uma posição teológica. A pregação precisa ter a habilidade de transportar o ouvinte, através da música da linguagem, aos tempos bíblicos e habilitá-lo a não apenas ver Moisés diante da sarça ardente, mas ele mesmo, o ouvinte, encontrar-se ali. Quem ouve um sermão precisa estar em terra santa. Lembro-me de um dos primeiros sermões que ouvi Gardner Taylor pregar, intitulado justamente “Terra santa”. Ali eu adquiri um senso de como dar uma mensagem, como usar as mãos, como fazer uma história fluir. Na verdade, Taylor não disse o nome de Moisés senão até cerca de dez minutos depois que começou a falar. Naqueles dias eu tinha uma memória fenomenal. Gravava quase tudo o que ouvia; era como um computador. Foi uma experiência maravilhosa capturar a beleza da linguagem e o poder da pregação.
Ministério: Parece que muitos excelentes pregadores o influenciaram. Além dos que foram mencionados deve haver mais alguns.
Pastor Black: Charles D. Brooks também exerceu um tremendo impacto em minha vida. Ele era muito jovem quando o ouvi pela primeira vez. Vi nele e em Charles Bradford pregadores muito criativos. Eles faziam a Palavra de Deus viver. Brooks poderia pregar sobre “a idade de Matusalém” ou “a virtude de ser um pássaro”, e você acabaria maravilhado com sua habilidade criativa. Bradford tinha uma grande capacidade para contar histórias. Quem o escutava, se sentia na poltrona vendo um filme. Aprendi com ele a importância do diálogo; não simplesmente falar ao povo, mas fazê-lo participar. Esses foram os meus mentores. Alguns formais, outros oficiais e outros extra-oficiais. Leon Cox, que já mencionei, foi meu pastor durante muitos anos, em minha adolescência, e demonstrava um interesse especial em mim e outros jovens da igreja. Calvin B. Rock, um proeminente pregador, também me influenciou bastante. Desse modo, antes que eu lesse qualquer livro sobre homilética ou estivesse exposto à literatura sobre pregação, já estava sendo programado para ela.
Ministério: Como o senhor consegue abastecesse espiritualmente, de modo que a pregação flua, derramando-se do seu interior?
Pastor Black: Eu costumo andar por toda a Bíblia, duas ou três vezes por ano. Faço isso lendo ou ouvindo as Escrituras. Por exemplo, tenho aproximadamente 45 minutos para me deslocar até o Capitólio, o que me dá chance de ouvir CDs da Bíblia. Nestes dias mesmo estou ouvindo a Versão Internacional da Bíblia. Você pode ouvir a Bíblia inteira em 70 horas. Enquanto me desloco para o Capitólio, ou quando viajo de avião, sempre tenho a Palavra em meu aparelho portátil de CD. Simplesmente o ligo e a mensagem me alcança. Se eu vivesse mais 50 anos seria pouco tempo para pregar tudo o que tenho recebido desse reservatório divino. É assim que estou constantemente nutrido pela Palavra. Tenho material suficiente para cinco ou seis sermões toda semana. É uma experiência maravilhosa. Fico ansioso por vivê-la todos os dias; mal posso esperar entrar no automóvel para poder desfrutá-la. Quando você fica assim exposto às Escrituras, recebe subsídios preciosos. Então, ao se levantar para pregar, a mensagem derrama-se naturalmente de dentro de você.
Ministério: O senhor costuma citar muitas passagens de memória, em seus sermões. Como conseguiu gravar tanta coisa na mente e no coração?
Pastor Black: Fui abençoado pela exposição à Palavra, desde quando era criança. Éramos pobres, como família. Não possuíamos televisão, de modo que ou estávamos em contato com alguma coisa da Bíblia ou estávamos na igreja. Minha mãe me dava permissão para desfrutar certos prazeres infantis, sob a condição de que eu, juntamente com meu irmão, aprendesse e memorizasse versos bíblicos. Eu amo a Bíblia. Ainda hoje ouço-a e memorizo-a. Ocasionalmente encontro uma passagem de beleza tal, que a escrevo várias vezes e então me ponho a repeti-la a fim de memorizar.
Ministério: O que o senhor considera mais importante que o pregador tenha em mente no preparo e apresentação da mensagem?
Pastor Black: Não posso pregar sem orar. Não posso estudar sem orar. Tive uma experiência dramática com o Senhor 15 ou 16 anos atrás, que levou minha vida espiritual a um outro nível. Levou-me para o lugar onde comecei a estar sempre desperto para a constante presença de Deus. Desde então, falo com Ele. E Ele é meu companheiro. Ele está aqui e fala comigo. Esta experiência exerceu um impacto transformador em minha vida pessoal e minha pregação. Quando eu acordo pela manhã, antes de fazer qualquer coisa, caio de joelhos no solo. A partir daí, não existe muitos segundos do dia em que eu não esteja desperto para a presença abençoada do meu companheiro celestial. Paulo nos aconselha a orar sem cessar (1 Tess. 5:17). Cada manhã, quando inicio minhas atividades no Senado norte-americano, com oração, eu oro enquanto estou orando. Quando estou pregando, oro enquanto prego. E, ao fazer isso, estou recebendo instruções divinas, direção divina, estou praticando a presença de Deus. Para mim, oração é isso. Não é alguma coisa que você faz; mas algo que lhe permeia o ser.
Ministério: O senhor mencionou que ora enquanto prega. Como sente que o Espírito Santo o instrui e guia durante a pregação?
Pastor Black: Eu quero estar sempre em íntimo contato com Deus antes de levantar-me para pregar. Descrevo essa experiência como “oração de aquecimento”, é parte da preparação do sermão. Você pode estudar, pesquisar, meditar, mas necessita orar para aquecer-se espiritualmente. Sem o Espírito de Deus, você não será capaz de fazer qualquer coisa. Peça ao Espírito que vá antes de você, para tomar viva a sua mensagem. Ao assumir o púlpito, esteja preparado para ser usado da maneira como o Espírito Santo deseje usá-lo. Você deve estar tão conectado e focalizado que quando levantar-se para falar, esteja realmente pronto. É muitíssimo importante que um pregador não tente usar o Espírito Santo. Necessitamos confiar que o Espírito de Deus tem Sua maneira de agir. Necessitamos compreender que Ele Se manifesta através de meios diferentes. Mas embora o Espírito sopre onde quer, temos de aprender como posicionar a vela. Temos de estar condicionados a receber Seu alento. Alguns pregadores desperdiçam grande quantidade de energia, tentando ser o vento em lugar de procurar aprender o que o Espírito quer fazer, e cooperar com Ele. O pregador não passa de uma flauta através da qual o Espírito de Deus toca Sua música e alcança a vida das pessoas.
Ministério: Em que extensão os pregadores deveriam ser transparentes a respeito de sua jornada espiritual, incluindo suas lutas e desafios?
Pastor Black: Eu poderia encorajar uma auto-exposição judiciosa. Pode ser muito saudável partilhar como Deus os tem habilitado a vencer lutas e desafios específicos. Uma das minhas passagens bíblicas favoritas é II Coríntios 1:3 e 4, onde Paulo diz: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É Ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus.” Percebo nessa passagem que há um lugar apropriado para uma judiciosa auto-exposição. Acho que o pregador deve ser muito cuidadoso no uso de ilustrações pessoais. Eu mesmo não gosto de ilustrações onde eu possa aparecer como herói. Por outro lado, acho que ilustrações auto-depreciativas são muito ajudadoras. Algumas vezes, falo sobre as lutas que eu tive com a profanidade, durante a juventude. Adquiri esse hábito e lutava contra ele. Quando partilho essa minha luta, as pessoas vêem que o pastor é um ser humano; e elas ouvem que a graça de Cristo pode nos libertar das cadeias que nos prendem. Esse tipo de revelação, o tipo que leva a glorificar a Cristo e o que Ele é capaz de fazer, é o que eu gosto de encorajar os pregadores a usar. Quero demover os pregadores, particularmente aqueles que tiveram uma experiência no chiqueiro, como o filho pródigo da parábola, de fazer propaganda do que lhes aconteceu na terra longínqua.
Ministério: Digamos que alguns pastores estejam sentindo esgotamento espiritual. Como o senhor os encorajaria?
Pastor Black: Primeiramente, eu diria que esses companheiros deveriam se expor à Palavra de Deus do modo mais criativo que lhes seja possível. É essa Palavra que nos leva para fora da névoa. Não vivemos apenas de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus. Foi a palavra do Senhor que ergueu Moisés vez após vez. Foi a palavra do Senhor que tirou Elias da fossa quando ele chegou a pedir a morte. É a Palavra que aclara nossas incompreensões. No meu modo de ver, a majestosa visão da Escritura que você adquire, por ouvir a Bíblia várias vezes no ano é um tônico sem igual. Isso produzirá frutos. Em segundo lugar, os pregadores deveriam desfrutar a companhia de outros pastores. Há muitas oportunidades de estarmos juntos, em concílios, partilhando experiências, orando juntos e nos alegrando juntos. Isso também pode ser um maravilhoso tônico. Finalmente, se você ainda não tem um amigo confiável, preferencialmente um outro pastor, com quem você possa ser transparente, alguém que ore com você e por você, recomendo que procure um. A Bíblia diz que um perseguirá mil, e dois perseguirão dez mil. Há uma sinergia e uma energia nesse tipo de relacionamento que nos ajudam naquelas experiências do vale, nos caminhos áridos pelos quais inevitavelmente passamos.
Ministério: Que conselho o senhor daria aos pregadores que desejam experimentar um ministério profundamente espiritual, de modo que possam pregar com poder?
Pastor Black: Eu costumava ficar frustrado com certos pregadores quando eu perguntava o que os fazia tão fortes. Parecia que eles não levavam muito a sério minha pergunta. Falavam a respeito da importância de tomar tempo com Deus, e isso me parecia tão vago, tão maçante. Mas, quanto mais eu vivo, mais compreendo que eles estavam falando a verdade. Necessitamos estabelecer tempo para nos expormos à Palavra de Deus. É aí que os sermões nascem. Mais que isso, enquanto nos colocamos ao alcance da Palavra de Deus, nascemos de novo, diariamente.
“O pregador é uma flauta através da qual o Espírito Santo toca Sua música e alcança os ouvintes”
“Quanto mais eu vivo, mais compreendo a necessidade de o pregador expor-se à Palavra de Deus”