ENTREVISTA – NOEL JOSÉ DIAS DA COSTA
“O pastor deve tratar toda ovelha ferida com o mesmo cuidado e o mesmo amor que caracterizaram as atitudes do supremo Pastor”
por Zinaldo A. Santos
Depois de concluir a Faculdade de Teologia, em 1984, no Instituto Adventista de Ensino, o paranaense Noel J. Dias da Costa, 49 anos, exerceu suas funções pastorais nas Associações Mineira Central e Paulista Oeste. Terminado o mestrado em Teologia, estudou Psicologia (1996-1999), no Centro Universitário Norte Paulista, em São José do Rio Preto, trabalhando, em seguida, como psicólogo e professor no Instituto Adventista Paranaense. Então, foi chamado para ser professor do curso teológico das Faculdades Adventistas da Bahia, onde também participou na implantação do curso de Psicologia. Atualmente, exerce o magistério no campus 1 do Centro Universitário Adventista de São Paulo e conclui o doutorado em Psicologia, pela Universidade de São Paulo, USP. De seu casamento com a professora Erenita, nasceram os filhos Tiago e Ana Cristina.
Nesta entrevista, o pastor Noel fala da importância de o pastor conhecer a natureza humana e também apresenta princípios que tornam mais eficaz o aconselhamento pastoral.
Ministério: Qual foi sua motivação para cursar Psicologia?
Noel: No início do meu pastora-do no norte de Minas Gerais, região muito carente de assistência à saúde mental, encontrei certa dificuldade em atender casos de pessoas que, supostamente, tinham problemas espirituais quando, na verdade, sofriam problemas de saúde mental. Então, percebi que deveria estudar mais sobre o assunto. Acabei apreciando muito esse tema e, estudando sobre aconselhamento pastoral, foi fortalecido meu desejo de avançar nessa área. Fiz o curso de Psicologia, com o propósito de utilizá-la como ferramenta no exercício do pastorado.
Ministério: Obviamente, o senhor entende que o pastor deve ter boas noções de Psicologia.
Noel: Ellen G. White diz que todos aqueles que lidam com pessoas devem conhecer mais sobre a mente humana. No livro Mente, Caráter e Personalidade, ela enfatiza bastante a importância de conhecermos as questões que dizem respeito às emoções do ser humano, à mente e seus distúrbios comportamentais e de saúde. Vejo isso como uma necessidade imensa, porque o pastor tem acesso a casos que precisam de atendimento profissional especializado. Muitos problemas enfrentados pelas pessoas têm aspectos que requerem ajuda psicológica. Durante o atendimento pastoral, ele pode fazer uma triagem e providenciar o encaminhamento. Quanto mais cedo isso for feito, mais satisfatórios serão os resultados. Além disso, a Psicologia melhora também aqueles que estão emocionalmente sadios. O pastor pode empregar seus princípios para ajudar os membros a descobrir e utilizar seus talentos, implantar métodos de trabalho, preservar relacionamentos, gerenciar conflitos, e outros aspectos do pastorado.
“O pastor deve se lembrar de que é representante de Deus na comunidade”
Ministério: Até que limite pastor e psicólogo podem caminhar juntos, sem prejuízo da ética, e a partir de onde eles devem se separar?
Noel: Eu diria que o limite está naqueles casos com dificuldade de solução, nos quais o pastor percebe que há questões alheias ao campo espiritual, como esquizofrenia e depressão grave, por exemplo. Para esses deve ser buscada ajuda especializada, embora isso não signifique que o pastor deva lavar as mãos. Ele deve acompanhar a ovelha, trabalhando em parceria com o psicólogo, tendo o cuidado de não interferir nem se sobrepor às orientações deste, a não ser que contrariem princípios bíblicos. Mas, o psicólogo cristão também estará empenhado em ajudar a pessoa no fortalecimento de seus referenciais espirituais.
Ministério: A existência de conflitos entre membros de igreja demonstra falta de conversão, ou é normal da natureza humana?
Noel: O grande problema no relacionamento humano é a natureza pecadora do homem. O pecado traz consigo um componente de desagregação. Quanto mais próximos estivermos de Cristo, mais próximos estaremos uns dos outros, o que não implica inexistência de dificuldades. Todos nós somos diferentes, temos interesses e modos diferentes de ver o mundo e a nós mesmos. Essas diferenças podem causar tensões desnecessárias e, algumas delas, quando não resolvidas, podem gerar maiores conflitos. Há também dificuldades sociais que podem estar relacionadas à própria educação recebida pelo indivíduo; ele pode ter aprendido um modelo agressivo ou menos habilidoso de solucionar conflitos. Paciência, tolerância, consideração e respeito pelo outro são virtudes espirituais, mas também podem ser habilidades desenvolvidas. Por isso, acho que a questão deve ser trabalhada nas duas direções: psicológica e espiritual.
Ministério: No processo de solução de conflitos, geralmente, ouvimos as partes, aconselhamos o perdão mútuo e ponto final. Isso é tudo?
Noel: Tanto no Antigo como no Novo Testamento, a reparação de danos é prioritária. O ofensor deve reconhecer o erro e ser conscientizado a respeito do dano que causou e da reparação que precisa ser feita. Precisa assumir a culpa e suas consequências, o que nem sempre é fácil, pois, não raro, o ofensor tende a não aceitá-las nem assumi-las. Aqui, o conselheiro deve trabalhar para ajudá-lo a se colocar no lugar do ofendido e ver, do ângulo deste, tudo o que o afeta. Enquanto não houver reconhecimento da culpa, humilhação do ofensor a ponto de se dispor a reparar o dano, será muito difícil a resolução de um conflito. Aliás, pode gerar novos conflitos.
Ministério: Todo perdão tem que ser imediato? Por exemplo, um cônjuge traído não precisa de tempo para processar a dor e a mágoa?
Noel: Perdoar é divino, é bíblico e terapêutico. Portanto, é indispensável. Algumas pessoas precisam de mais tempo para digerir o problema. Mas, em todo caso, a busca do perdão deve ser a meta. O evangelho é muito claro quanto à importância dele. As partes devem ser orientadas a dialogar, para que possam entender as razões mútuas. Porém, a solução é diferente para cada pessoa. Há pessoas muito sensíveis que devem ser encorajadas a se abrir para perdoar. Caso ou enquanto isso não seja possível, elas devem ser animadas a manter uma disposição pacífica, segundo a norma de Cristo, de amar os inimigos e orar pelos perseguidores. Pode não ser uma disposição fácil, mas o cristianismo a defende. Paulo disse que devemos procurar viver em paz com todos os homens.
Ministério: Geralmente, pessoas que foram disciplinadas pela igreja se queixam da exposição a que foram submetidas ou do que supõem ser injustiça no processo. Como o pastor deve lidar com isso?
Noel: Nesse caso, o pastor deve seguir rigorosamente todos os passos enumerados por Jesus, em Mateus 18, e reafirmados pelo Manual da Igreja. Pode também ser que o assunto tenha sido devidamente administrado e a pessoa envolvida se sinta constrangida pela exposição em si. Geralmente, a pessoa é muito apegada à sua imagem diante dos outros e, por isso, às vezes é impedida de ver claramente todo o quadro. Então, que a pessoa seja ajudada a entender o caráter restaurador, discipulador, da disciplina. O pastor deve tratar toda ovelha ferida com todo cuidado e amor característicos das atitudes do supremo Pastor.
Ministério: As vezes, mesmo numa situação de luto, alguns conselheiros bem intencionados parecem dar a impressão de que o cristão não deve ficar triste nem chorar. Não lhe parece algo psicologicamente contraditório?
Noel: Precisamos ter equilíbrio para perceber a situação. As pessoas precisam ser encorajadas a expressar suas emoções, mesmo as negativas. Isso não é antibíblico, pois muitos personagens da Bíblia choraram, inclusive de tristeza. Sendo reprimidas, as emoções podem gerar problemas de saúde, dificuldades de ajustamento. O prejuízo pode ser muito grande; o luto não vivenciado pode causar problemas à vida como um todo. A pessoa pode se demorar muito sofrendo, com baixa produtividade, isolamento, perda de apetite, justamente porque não houve o devido cuidado no trato do problema, na ocasião e no ambiente da perda. Mas, é claro que devemos realçar a bendita esperança da volta de Cristo e a certeza que ela produz no coração quanto a rever os queridos. Isso produz enorme conforto. Por isso, Paulo aconselhou: “consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (lTs 4:18).
Ministério: Que orientação o senhor daria quanto ao ministério e aconselhamento a solteiros, jovens e casais?
Noel: Há um grupo de solteiros amadurecidos, chamados singles, especialmente no segmento feminino, que, primeiramente, se preocupam em consolidar a carreira profissional e, somente depois, se voltam para a formação de uma família. Então, enfrentam certa dificuldade em se casar. Esse é um fenômeno mundial. Não muito raro, surgem cobranças, veladas ou não, da comunidade, da família e até deles mesmos. Como pastores, precisamos olhar com carinho esse grupo e criar situações de encontro, através da realização de congressos, excursões, confraternização social. Cobrança sutil ou aberta não resolve. É preciso agir. São ovelhas que têm uma necessidade a ser atendida. Com respeito aos jovens, o pastor, sendo jovem ou não, precisa ser empático em relação a eles, envolver-se com eles, estar presente em suas programações sociais, sábado à tarde, ou no clube de desbravadores, demonstrar sincero interesse por eles. Em relação aos casais, o pastor deve direcionar redobrados esforços à preservação da família. Nunca tivemos tantos divórcios, famílias em conflito como agora. Temos literatura farta e orientação especializada que podem ser utilizadas no trabalho de fortalecimento da família.
“Os princípios da Psicologia podem ajudar os crentes a crescer no corpo de Cristo e no envolvimento missionário”
Ministério: E quando é o pastor quem necessita de aconselhamento?
Noel: O pastor é um ser humano, tem sentimentos e é afetado quando lhe faltam compreensão, justiça e respeito. Primeiramente, ele deve se lembrar de que é representante de Deus na comunidade. Mas, em sua humanidade, ele precisa de apoio. Geralmente, no início do ministério, o pastor é acompanhado por outro mais experiente. Com o passar dos anos, começa a se sentir mais isolado e, por haver adquirido experiência, nem sempre se sente no direito de ter dificuldades. Mesmo assim, ele deve buscar um colega com quem possa dialogar, trocar ideias. Pode ser um colega distrital, amigo e que lhe seja empático, mas o secretário ministerial tem essa função precípua. Sendo líder, o pastor não deve esperar isenção de críticas, devendo lembrar que elas nem sempre são direcionadas à sua pessoa, mas à função que ele exerce. A serenidade e a dignidade resultantes de sua comunhão com Deus e da conscientização vocacional ajudarão a enfrentar a tempestade.
Ministério: Quais são os princípios gerais que o senhor estabelecería para tornar mais eficaz o aconselhamento pastoral?
Noel: Há quatro aspectos fundamentais. O primeiro deles é a espiritualidade do pastor, decorrente de sua vida em comunhão com Deus. Aqui, ele adquire o equilíbrio necessário para a correta compreensão dos princípios bíblicos e a aplicação deles nas várias áreas do aconselhamento. Em segundo lugar, está a empatia exemplificada por Jesus. Ao Se aproximar das pessoas, Ele procurava conhecer os desejos e necessidades delas, colocando-os no rumo certo das prioridades de vida. O terceiro princípio é ouvir, e ouvir muito. Somente depois de termos ampla compreensão de qualquer problema é que podemos pensar numa solução viável. Finalmente, o pastor deve compreender os múltiplos aspectos da situação vivida pelo consulente. Ou seja, aspectos situacionais, históricos, circunstanciais, se o caso for reincidente ou persistente. Caso o pastor perceba que há grande persistência, resultando em graves dificuldades comportamentais, ele pode sugerir tratamento especializado ou pode animar a pessoa a buscar soluções, sugerindo alternativas, estimulando o uso da criatividade para sair do problema. Há algo de que não devemos esquecer: O pastor está presente na vida de famílias, crianças, jovens, adultos e idosos, em todos os momentos. Como líder da igreja, ele treina e capacita pessoas para crescer no corpo de Cristo, à semelhança dEle e para o envolvimento em Sua missão. Apesar de todo o progresso científico e tecnológico de nossos dias, o coração do ser humano é o mesmo: carente, pecador, culpado, vazio e desesperado, necessitando da esperança, liberdade e transformação que nenhuma ciência pode dar. O pastor é o portador divino dessas bênçãos.