O que é a missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia? Deve a missão ser de âmbito mundial? Em caso afirmativo, por quê?

Martinho Lutero tinha pouco interesse pela missão mundial. Cria ele que a comissão universal do evangelho havia sido confiada exclusivamente aos apóstolos; os pastores de hoje devem preocupar-se apenas com suas próprias igrejas. Basicamente, o mundo já havia sido evangelizado — com exceção de alguns lugares longínquos, aos quais Deus levaria as boas novas no devido tempo e com seus próprios meios. A igreja da Alemanha não precisava preocupar-se em enviar missionários às terras distantes. Na verdade, os cristãos levados prisioneiros pelos turcos, deveriam ser os missionários.

Melanchton, companheiro de Lutero, seguia a mesma linha de pensamento. Aceitava, contudo, que as autoridades civis se interessassem pela propagação da mensagem cristã.1

Como Lutero, os primeiros adventistas também possuíam uma visão limitada da responsabilidade da igreja para com as pessoas de fora da área em que ela estava operando. Quando, em 1859, um leitor da Review and Herald perguntou se a mensagem do terceiro anjo devia ser pregada fora da América do Norte, Uriah Smith respondeu que não seria necessário. Uma vez que a população dos Estados Unidos era composta de imigrantes de muitas partes do mundo, Apocalipse 10:11 já se havia cumprido plenamente.2 A visão de Smith nos parece acanhada, mas ele já estava muito mais aberto à idéia de missão do que seus predecessores, que haviam defendido a teoria da “porta fechada”, que considerava inútil pregar a alguém que não tivesse passado pela experiência de 1844.3

Fica-se imaginando se as igrejas adventistas da atualidade, que habitualmente omitem o Informativo Mundial de seus programas da Escola Sabatina não estão, de maneira inconsciente, tendo a mesma compreensão de Lutero e dos pioneiros. Seja como for, elas estão perdendo uma das partes mais excitantes de ser uma igreja mundial.

Por que a missão?

O anúncio de uma estratégia global para alcançar os não alcançados, desperta perguntas que exigem urgentemente respostas. As perguntas mais importantes, são: O que é a missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia? Deve a missão ser mundial? Em caso afirmativo, por quê?

As pessoas entendem a missão da igreja de muitas maneiras. Para alguns, a missão da igreja é “salvar almas”. Para outros, missão significa alimentar bebês famintos. Ou a missão pode ser interpretada como o dever de proporcionar uma vida melhor aos infelizes. Qual é, então, a missão da Igreja Adventista do Sétimo Dia?

A comissão evangélica, apresentada em todos os evangelhos e no livro de Atos, abrange muitas atividades. A mais importante é ir, fazer discípulos, batizar, pregar e testemunhar. João, que parece apresentar sempre as coisas um pouco diferentes da maneira como o fazem os outros escritores evangélicos, relata outra dimensão da ordem de Jesus: “Assim como o Pai Me enviou, Eu também vos envio” (João 20:21). Missão é fazer o que Jesus fez e como Jesus fez.

Jesus saiu curando, ensinando e pregando. Mas visitava também os lares das pessoas, comia em sua mesa, dormia em seus barcos. Missão deve abranger proclamação, serviço e amizade. Missão deve preencher as necessidades dos seres humanos: missão integral para todas as pessoas. Essa espécie de missão não só leva consigo a promessa de uma futura recompensa; toma as pessoas mais felizes, mais saudáveis e mais santas do que estas foram antes de ouvir e aceitar as boas novas.

Dentro desta sistemática, cada membro de igreja pode e deve ser um missionário. Ellen White define isto claramente: “Todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como missionário.”4 Ela escreveu também: “Todo filho e filha de Deus é chamado a ser missionário; somos chamados ao serviço de Deus e de nossos semelhantes. … [Os cristãos] podem-se empenhar nas carreiras comuns da vida, ou ir, como ensinadores do evangelho, para terras pagãs… todos serão, entretanto, semelhantemente chamados a ser missionários de Deus, ministros da misericórdia ao mundo.”5

Como vista nestas citações, a missão pode ocorrer em qualquer lugar do globo. Não é preciso atravessar o mar ou mesmo viajar de trem para ser missionário. A única travessia exigida é a passagem da linha que separa a crença da descrença. A validade desta missão para a igreja e seus membros não pode ser contestada, pois, como disse o teólogo suíço Emil Brunner, “a igreja existe para a missão como a chama para arder”. A missão é a igreja; a igreja é a missão.

Por que a missão mundial?

O assunto da estratégia global é a missão mundial, a missão estrangeira, a missão em outras terras, em outras línguas, outras culturas. Deve a igreja de Smalltown, U.S.A., ou Big-city, Austrália, envolver-se no que acontece na África, Ásia ou na América Latina? Devem os membros da igreja ouvir histórias de campos missionários distantes e dar ofertas para pessoas que nunca viram ou das quais nunca ouviram, salvo por meio dessas histórias? Em resumo, por que deve uma igreja que está cumprindo sua missão em casa de maneira cuidadosa e cristã preocupar-se com uma missão de estratégia global?

Vêm-me à mente três razões por que a Igreja Adventista do Sétimo Dia deveria ter uma visão de missão mundial. Elas exigem estudo.

1. Cristo o espera

O modelo de missão do Antigo Testamento concentrava-se em um povo cujo bem-estar deveria atrair a atenção de todo aquele que o observasse. Israel deveria ter sido próspero e santo, abençoado e feliz. Seus vizinhos deveriam perguntar: “Pois, que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor nosso Deus, todas as vezes que O invocais?” (Deut. 4:7). Israel devia ser a cabeça e não a cauda. (Deut. 28:13).

Ellen White escreveu: “Era propósito de Deus, porém, que pela revelação de Seu caráter por meio de Israel, os homens fossem atraídos a Ele.”6 Israel não devia apenas atrair seus vizinhos imediatos para Deus, mas deveria ser “como luz para os gentios” de maneira que a salvação de Deus chegasse “até à extremidade da Terra” (Isa. 49:6). Em outras palavras, Deus Se propunha a efetuar uma missão mundial por meio de Israel.

O Novo Testamento não abandona a idéia da bênção que o povo pertencente a Deus traz, ou da atração que seu estilo de vida exerceria nos observadores. Mas no Novo Testamento a missão já não é, às mais das vezes, centrípeta. Agora há uma ordem para Ir. A missão torna-se centrífuga.

Cristo disse claramente a Seus discípulos que “em Seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando de Jerusalém” (Luc. 24:47). Os apóstolos foram enviados à “Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (Atos 1:8). Seus seguidores deveriam levar as boas novas de esperança, alegria, paz e amor aonde que que houvesse pessoas. E Mateus 24:14 torna claro que essa instrução incluía mais do que o mundo mediterrâneo conhecido: “E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim.” Jesus disse que a missão global deveria ser um sinal da proximidade de Seu retorno à Terra.

O Apocalipse reitera a universalidade da missão de Cristo e Sua igreja. O evangelho eterno é pregado “aos que se assentam sobre a Terra, e a cada nação, e tribo, e língua e povo” (Apoc. 14:6). Os vinte e quatro anciãos louvam o Cordeiro por ter comprado com o Seu sangue pessoas “de toda tribo, língua, povo e nação” (Apoc. 5:9). E Apocalipse diz que, quando todas as coisas passarem, uma grande multidão esta-rá em pé sobre o mar de vidro, louvando o Cordeiro. Descreve essa multidão como vinda “de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Apoc. 7:9). A mensa-gem de salvação terá alcançado os confins da Terra.

Os seguidores de Cristo — aqueles que receberam a incumbência que Ele lhes deixou — não podem limitar a missão ao seu próprio ambiente. Seu comissionamento deve alcançar os confins da Terra. Eles não devem deixar de preencher as expectativas do Mestre.

2. A igreja necessita dela

Quando falamos de missão global, a igreja consta de duas partes: a igreja daqui e a de além, a igreja que envia e a que recebe. Ambas necessitam da missão.

A igreja aqui da pátria — seja qual for a parte do globo em que esteja — não pode permitir-se isolar a si mesma do restante da igreja. Lembro-me da história de um velho homem excêntrico e rico que tinha tanta prata que mandou fazer uma placa do lado de fora de suas janelas. Depois disso, tudo quanto via era ele mesmo. Já não via a luz do sol, as flores ou as crianças brincando embaixo das árvores. Ao invés disso, sentava-se e olhava para si mesmo enquanto envelhecia.

Dar, cuidar, partilhar — são estes os meios ordenados por Deus de amar e servir. Quando a igreja da pátria olha para além de suas próprias necessidades, torna-se mais forte. Às vezes imaginamos que damos porque amamos. O fato é que apenas quando damos aprendemos realmente a amar.

A igreja “daqui” não pode sofrer a perda do amor e do apoio que vem de fora. Numa pequena igreja da América do Sul, ouvi um membro idoso ler com dificuldade o Informativo Mundial a respeito de certo projeto nos Estados Unidos. Quando ela terminou, pôs de lado o trimensário e olhou nos olhos dos vinte ou mais membros. Depois apelou: “Demos generosamente. Eles podem viver nos Estados Unidos, mas necessitam de nós e necessitam de nossas ofertas. Eles são nossos irmãos.”

Algumas pessoas têm sugerido que a igreja na América do Norte está sustentando mais ou menos sozinha o programa das missões estrangeiras da igreja. Mas uma olhada mais atenta no Relatório Estatístico e no “Momentos do Concilio Anual” para 1988, contesta esta noção. O orçamento da Associação Geral para 1989 destinava em torno de 80 milhões de dólares ao trabalho da igreja nas Divisões fora da América do Norte.7 Dessa soma, cerca de 33 milhões (41 por cento) vieram daquelas Divisões, ficando 47 milhões (59 por cento) para o sustento da Divisão da América do Norte. O último algarismo representa apenas 14,5 por cento do total aproximado de 323 milhões em contribuições que a igreja recebeu e usou nas Divisões fora da América do Norte. O restante desse total veio das pessoas que se acham naquelas Divisões.

Alguns têm pensado também que aquilo que a Divisão da América do Norte dá ao resto do mundo é tirado do muito que ela recebe em contribuições. De novo, porém, esta é uma conceituação grandemente falsa. Em 1988 a Divisão Norte-Americana recebeu aproximadamente 619 milhões e 500 mil dólares. Os 47 milhões que foram dela para as outras Divisões mundiais somam menos de 8 por cento do total das contribuições que ela recebeu.

É verdade, contudo, que a igreja que não é daqui — seja qual for a parte do globo onde esteja o “aqui” — necessita do cuidado e atenção da igreja da América do Norte. O Relatório Estatístico para 1988 mostra que 87 por cento dos adventistas vivem fora da Divisão Norte-Americana. Ao mesmo tempo, esses 87 por cento dos membros foram capazes de fornecer apenas 30 por cento do total dos dízimos e ofertas dados em 1988. A missão mundial da igreja necessita das ofertas dos demais ir-mãos afluentes. Em grande parte a igreja dos dois terços do mundo é pobre.

Mas afora isso, a igreja do exterior necessita do coração que acompanha o tesouro. Como você se lembra, Jesus não diz que se deve pôr o tesouro onde o coração está. Ao contrário, o coração acompanhará naturalmente o tesouro onde este tiver sido colocado (Mat. 6:21).

Muitos dos grupos de pessoas, visados pela Estratégia Global, estão quase tão distantes de uma igreja “local” existente quanto o estão da América do Norte ou da Alemanha. As estatísticas para 1987, mostram que na Divisão Norte-Americana, em média cada pastor ordenado ou licenciado devia alcançar uma população não adventista de 91.026 pessoas. Os números paralelos, relacionados com a Divisão da Ásia Meridional mostram cada pastor como sendo responsável por alcançar 2.110.149 pessoas — uma virtual impossiblidade! No território da União Nordeste da Divisão da Ásia Meridional, 333 grupos de pessoas, que constam de mais de um milhão cada, estão ainda por ser penetrados. Em todo o mundo, há outros 1.050 grupos de pessoas em áreas nas quais não há nenhuma organização da Divisão. A igreja local simplesmente não existe ali.

A igreja da pátria deve ajudar a levar a mensagem aonde não existe nenhuma igreja.

3. A ocasião o requer

Os missiologistas dizem que há em andamento importantes mudanças que afetarão a pregação do evangelho, ao nos aproximarmos do terceiro milênio. Embora os estudos tenham sido feitos por outras igrejas, muito do que elas dizem se aplica também aos adventistas do sétimo dia.8

Os missionários, tanto profissionais como voluntários, estão sendo enviados por períodos mais curtos do que antes. Alguns vão por um período estabelecido — em geral não mais de seis anos. Outros vão até concluir um plano; seu tempo de serviço pode ter a brevidade de apenas duas semanas. Sua contribuição à igreja onde eles servem pode não ser tão grande como a de um missionário de longo período de tempo, mas a igreja do país para a qual eles retornam — abrasada de entusiasmo e repleta de histórias — beneficia-se grandemente de suas experiências missionárias. Os estudantes missionários, os Voluntários Adventistas, os fundadores Maranata — são todos parte desse organismo em desenvolvimento de missionários de curto período.

A tendência da década é de porcentagens ainda maiores de missionários virem de outros países, do que as tradicionais “remessas”. Numa conferência de 1989, sobre a educação dos filhos de missionários protestantes, uma das maiores preocupações foi como proporcionar escolaridade adequada aos filhos das centenas de missionários coreanos da África e América Latina. Hoje em dia, os missionários adventistas vindos das Filipinas podem ser encontrados em hospitais, escolas e escritórios administrativos da África; pastores coreanos servem na América do Sul; e sul-americanos ensinam no seminário da Divisão do Extremo Oriente, nas Filipinas. Na verdade, muitos estrangeiros servem a igreja na América do Norte. Naturalmente, quando a maior proporção da igreja está fora da América do Norte, por que não deveria isto ser assim?

Outros agentes não tradicionais da missão constam de pessoas leigas que escolhem servir fora de seus países de origem. Alguns podem ser profissionais, empregados por firmas internacionais; outros, são professores; alguns, tão-somente vivem o evangelho nas fazendas ou postos missionários de sua propriedade. Estes podem não estar servindo debaixo do guarda-chuva da igreja, mas estão contribuindo para o seu crescimento.

A segunda mudança é vista no apoio às estruturas da missão. O poder financeiro do mundo está passando das mãos dos “cristãos” na região do Atlântico Norte, para o Japão, Cingapura, Hong Kong e os Estados árabes possuidores de petróleo. Ao mesmo tempo, o centro da população cristã está mudando do hemisfério norte para o hemisfério sul, onde já vivem 70 por cento dos cristãos. Contudo, a administração da igreja continua no mundo ocidental. Os missioologistas preconizam a diminuição de fundos do Atlântico Norte para a missão, e o aumento da pobreza entre os cristãos do hemisfério sul. Eles não estão bem certos daquilo que estas mudanças podem significar para o evangelismo, mas temem que as mudanças possam provocar conflitos dentro da igreja.

Em vista dessas aguardadas mudanças no poder, pessoal e finanças, os missiologistas estão sugerindo a necessidade de “globalização”. Depois de oito anos de estudo, a Associação de Escolas Teológicas dos Estados Unidos, está insistindo em que todos os seminários dêem realce à globalização durante os anos 1990.9 Eles confiam em que este realce “liberte as igrejas e escolas teológicas da miopia institucional e do paroquialismo”.10

O interesse míope em favor de nós mesmos, pode dar lugar ao interesse pelo mundo como um todo. A preocupação em manter a igreja nacional deve ser aumentada, para sustentar a missão global. O lugar especial convencionado para os pastores deve ceder lugar ao ministério partilhar por todos os crentes — e para que isto aconteça, a igreja deve providenciar o equipamento para os leigos. O diálogo entre o evangelho e as culturas deve intensificar-se, com a igreja encontrando e desenvolvendo os melhores meios de alcançar as pessoas para Cristo. A igreja deve vir a considerar o mundo como uma vila global.

Em face dessas mudanças, a estratégia global é um apelo para que a Igreja Adventista do Sétimo Dia universal deixe de olhar introspectivamente. Constitui ele um apelo para partilhar e cuidar. Ele corresponde mais ou menos ao apelo do General Beckwith, feito aos valdenses em 1848, quando seu zelo missionário começou a diminuir. Disse ele: Voi sarete missionari o non sarete nulla. “Vós sereis missionários ou não sereis coisa alguma.”

Nancy Waymeister, professora no Instituto Internacional Adventista de Estudos Avançados, nas Filipinas

Referências:

1. Gustav Warneck, Outline of History of Protestant Missions fron the Reformation to the Present Time (Edinburgh: Oliphant, Anderson and Ferrier, 1906), págs. 8-20.

2. Resposta a A. H. Lewis, 3 de fevereiro de 1859,

pág. 87.

3. Gerard Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission (Grand Rapids: Eerdmans, 1977), págs. 105-115.

4. O Desejado de Todas as Nações, pág. 174.

5. A Ciência do Bom Viver, pág. 395.

6. Parábolas de Jesus, pág. 290.

7. O relatório destina 71.343.300 dólares para a missão estrangeira, e estou admitindo um adicional de 8.656.700 dólares para os gastos da Associação Geral para administrar a obra além-mar (do total de 14.000,00 de dólares destinados às despesas administrativas da AG).

8. Sobre as tendências da missão para os anos 1990, ver Robert J. Schreiter, “A Missão no Terceiro Milênio”, Missiology 18 (janeiro de 1990): 4-12.

9. Ver ATS Bulletin 38 (1988): 22 e 23; 101-120.

10. Norman E. Thomas, “A Globalização e o Ensino da Missão”, Missiology 18 (janeiro de 1990): 14.