Pode o pastor ter amigos? Por certo, os pastores se defrontam com obstáculos reais ao fazer amizades, obstáculos que vão desde simples problemas estratégicos até perigos que ameaçam a profissão da pessoa. Por exemplo, a distância geográfica que separa velhos amigos uns dos outros pode desanimá-los de ter encontros. E mesmo que a distância não constitua problema, as atividades muitas vezes privam o pastor de suas intenções de tomar tempo para atividades ocasionais.

Depois, há em muitos pastores o temor de que estreitos laços de amizade com os próprios membros de sua igreja, venham despertar ciúmes e dividam a igreja. E, saber muito a respeito da vida particular de alguém, poderia pôr em perigo a imagem e posição do pastor como líder. Muitas vezes os pastores estão também envolvidos com confidências. Isto, certamente, pode restringir a liberdade da amizade. E os pastores dizem que as relações com alguns tipos de pessoas são difíceis de ser mantidas, porque os grupos têm crenças, valores e necessidades diferentes.1 Sobretudo, o problema das constantes transferências lança sua aura de transitoriedade sobre as relações que permite desenvolver.

Com esses obstáculos em vista, podemos nós, os pastores, fazer amigos? Em certo grau, a resposta depende de quanto necessitamos de amigos. Muitas vezes cedemos com muita facilidade àquilo que de maneira diversificada achamos ser nosso destino ou chamado para a solidão sacrifical da liderança, e nos retraímos para nosso único Amigo infalível — o Senhor Jesus Cristo.

Espera-se que Jesus seja nosso melhor amigo. Se não, deveríamos corresponder a Suas propostas a nós. Ele promete ser conosco sempre “até o fim dos séculos’’ (S. Mat. 28:20, RSV). Convidou-nos para Seu trono, a fim de “receber misericórdia e achar graça para sermos ajudados em tempo de necessidade’’ (Heb. 4:16, RSV). Encontramos aqui uma aplicação bem prática da doutrina do santuário! Pode-se dizer a nosso respeito o que foi dito de Abraão: “Ele foi chamado o amigo de Deus’’ (Tiago 2:23, RSV).

Deus, porém, criou a humanidade para ter relações na esfera humana, também. Se o pastor deve ter amigos, cumpre-lhe avaliar a amizade. Cabe-lhe estar convencido de que ela é parte do plano de Deus para sua vida. Pessoalmente, creio que ela o seja. O perfeito relacionamento dos membros da Divindade, serve como exemplo das relações humanas.2 Ser feito à imagem de Deus significa procurarmos pertencer a, estar em união com os outros, para agir em conjunto. A amizade é uma forma de prover essas necessidades — necessidades das quais os pastores não estão livres.

Além disso, Deus achou por bem usar pessoas para auxiliarem outras pessoas. O sacerdócio de todos os crentes não significa que cada membro de igreja sirva apenas a si próprio. Antes, sugere que somos todos ministros uns dos outros, interdependentes do corpo organizado.

Notemos o exemplo de Elias. Deus o serviu diretamente, enviando os corvos para alimentá-lo, mas o serviu também por meio de uma mulher de Sarepta (I Reis 17). Quando ele temeu a Jezabel e pensou que fosse a única pessoa que ainda permanecia fiel, Deus o ajudou diretamente, enviando um anjo para alimentá-lo no deserto, e lhe falando com voz mansa. Mas Deus lhe disse também que ainda havia 7.000 fiéis em Israel. O isolamento havia destruído as perspectivas de Elias, e ele se havia desanimado. Deus o ajudou, depois disso, dando-lhe um companheiro permanente — Eliseu, que “o servia’’ (I Reis 19:21).

Várias vezes Paulo expressou apreciação por seus companheiros (e. g., Filip. 2:25; Filem. 10 e 13; II Cor. 7:6; Col. 4:14). Jesus também parece ter mantido relacionamento especial com Seus discípulos. Ele manteve ligações especialmente com Pedro, Tiago e João, e pode mesmo ter tido algo semelhante a um melhor amigo no discípulo amado (S. Mat. 17:1; 26:37; S. João 13:23; 19:26; 20:2).3

A AMIZADE NOS BENEFICIA

A amizade provê certo número de benefícios de importância vital para os pastores, bem como para as demais pessoas. De acordo com um exemplo,4 pastores valorizavam as amizades porque recebiam delas afirmação pessoal e incentivo. Elas fortaleciam o ser interior e capacitavam os pastores a serem mais eficientes nos desafios de seu trabalho. Viam as amizades como provedoras de ligação com outras pessoas, num contexto de confiança, combatendo assim o isolamento e a solidão. Valorizavam os amigos pelo estímulo intelectual e profissional, pela revelação pessoal e pela mutualidade de troca. As pessoas amigas tornam-se acessíveis umas às outras, e se ajudam mutuamente com deveres práticos. E as amizades ajudam as pessoas a terem uma visão mais realística de si mesmas e de suas limitações pessoais.

Certa vez um pastor me disse: “Mas eu estou a todo momento em volta das pessoas. Não preciso das pessoas; preciso de paz.’’ Isso pode ser verdade. Os indivíduos possuem necessidades diversas. Algumas são pessoas do povo, que prosperam nos muitos relacionamentos chegados. Outros preferem menos contatos e encontram energias nos períodos de solidão. Essas diferenças fazem parte da variedade da Criação de Deus. Mas alguém pode estar constantemente cercado por pessoas e ainda estar com necessidade de amigos. Isto é

um sintoma de extinção. Como ajudadores das pessoas, os pastores podem estar dando a si mesmos de maneira tão constante, que negligenciam o relacionamento onde partilhar e receber são mais salientes.

Em termos de família — um modelo que tanto Paulo como João usaram (e. g., I Tess. 2:11; I S. João 2:12-14) — todo pastor necessita de três tipos de relacionamento: os pais, irmão ou irmã, e filho.5 De um pai, a pessoa geralmente recebe mais do que dá. Os irmãos e irmãs equivalem-se em relativa igualdade. E à criança, a pessoa normalmente dá mais do que recebe. O pastor tem muitos relacionamentos nos quais ele pratica mais o dar. Esses relacionamentos são desejáveis; contribuem para sua satisfação. Mas ele necessita também do relacionamento no qual pode receber ajuda, como a de um “pai” pastoral. E precisa de muitos “irmãos” e “irmãs” pastorais com quem possa partilhar interesses mútuos e que ministrem um ao outro.

Se o pastor realmente valoriza as amizades e deseja amigos, precisa estabelecer prioridades que permitam reservar o tempo para promover estes relacionamentos. Não cederá tão facilmente, ao defrontar-se com obstáculos às amizades pastorais, mas neutralizará de maneira criativa algumas das forças bloqueadoras. Talvez mais importante ainda, ele esteja desejando revelar-se aos outros e partilhar um relacionamento mútuo.

Não obstante, devemos levar a sério os obstáculos, pois estes podem ser muito reais. Por essa razão, gostaria de sugerir outro princípio. Caso o pastor deva ter amizades que satisfaçam, cumpre-lhe admitir que cada uma delas será específica. As amizades com determinada categoria de pessoas contribuirão para satisfazer suas necessidades em certos aspectos, mas não em outros. Por exemplo, a amizade com um membro de igreja talvez não possa proporcionar os mesmos benefícios que a amizade com um colega de pastorado. Na verdade, o pastor pode achar que suas amizades lhe estão trazendo dificuldades, caso trate cada amigo como um amigo para todos os fins.6

PODE-SE TER AMIGO NA PRÓPRIA IGREJA?

Pode o pastor ter amigos em sua própria igreja? Já me disseram que jamais devo ter amizades íntimas entre os membros de minha igreja, porque isso traria problema. Pode ser um problema. A seriedade do problema depende da disposição mental da igreja e do grau em que o pastor se coloca num pedestal acima e à parte dos membros. O grau de conflito que existe na igreja e a maneira como o pastor e sua família orientam as amizades, também determinam se as amizades se tornam problema, e em que intensidade.

Tenho sido pastor de igrejas nas quais predomina uma atmosfera de reciprocidade; onde os membros aceitam a humanidade do pastor, mas ainda respeitam seu trabalho e liderança. Numa atmosfera assim pode o pastor revelar-se um pouco mais livremente e ser o beneficiário do ministério, bem como o outorgante do ministério. Pode ser que se façam recomendações contrárias, muitas vezes, quanto a essa questão, porque nem toda igreja tem esse tipo de atmosfera.

O pedestal do pastor — a projeção de qualidades irrealísticas e status exagerado sobre o pastor — traz consigo alguns problemas inerentes. Força o pastor a ser perfeito, ainda que ele saiba que tem fraquezas humanas. Essa discrepância leva muitas vezes seus ouvintes a um disfarce, a serem irrealistas e a negarem suas limitações. Pode nutrir nele sentimentos de inexatidão, de imagem pessoal pobre, de hipocrisia, ou o temor de revelar-se. O pedestal também exerce pressão sobre a esposa do pastor e sua família. Esta é uma das principais coisas responsáveis pelo distanciamento das pessoas.

Ao corrigirmos esse problema, não devíamos procurar a exposição grosseira do pastor, mas a aceitação realística um do outro, a fim de que possa ocorrer a ministração recíproca entre o pastor e os leigos. Muitas vezes os pastores saltam do pedestal, apenas para se acharem em um poço de crocodilos.7 Emory Griffin ilustrou uma maneira melhor de incentivar essa compreensão realística entre os membros e o pastor: “Imagine duas tartarugas — face a face — com a cabeça quase oculta. Uma das tartarugas estica o pescoço um pouco mais. Se a outra corresponder à espécie, então a primeira se aventura a sair um pouco mais. Numa série de pequenos movimentos a primeira tartaruga termina com a cabeça do lado de fora, mas somente se sua parceira lhe seguir a orientação. A qualquer momento, ela está pronta para diminuir o ritmo, parar por completo, ou mesmo retrair-se.”8

Em outras palavras, devemos acompanhar o posicionamento da igreja. Vagarosa e gentilmente, incentivamos algumas idéias novas. Obteremos maior sucesso se a exposição pessoal não for um ato isolado. Se a congregação corresponder a nossa aventura inicial, podemos movimentar um pouco mais a cabeça — provando, experimentando, sentindo.

O pastor e sua família são levados naturalmente a amizades mais chegadas com certas famílias da igreja, simplesmente por causa de interesses comuns, experiências semelhantes na educação de filhos, ou seja o que for. Estes sentimentos não precisam ser reprimidos, até onde o pastor e sua família observem certos princípios de discrição. Eles devem manter claras distinções entre amizade e pastorado. Os problemas aparecem quando estes limites são descuidada e negligentemente observados. Na habilidade do seu ofício, deve o pastor servir igualmente a todos os membros de sua igreja. Ele não deve favorecer a ninguém, seja na visitação, em obséquios na comissão da igreja, ou em qualquer outra função da igreja. Nem deve apoiar-se nas amizades para conseguir que as coisas sejam feitas na congregação. Ele precisará usar de franqueza e honestidade com todos os membros. Contudo, fora do contexto institucional da igreja — durante o tempo que pertence ao pastor — podem ser feitas algumas amizades. Conquanto ele não deva ocultar esse relacionamento, em geral este deve ter pouca aparência. O pastor deve procurar evitar ser mal compreendido, sendo discreto na maneira como orienta essas amizades.

Os anciãos de igreja compõem uma fonte de amizades que normalmente foge à crítica. No meu modo de entender, o Novo Testamento indica que somos colegas de ministério, em geral comissionados a fazer a mesma espécie de trabalho. Gosto de dizer à igreja que os anciãos são meus colegas de ministério. Se isso for verdade, será real uma estreita associação. Supõe-se que devamos trabalhar juntos. Manter amizade com os anciãos pode trazer grande bênção e uma bênção “certa”. A diferença de idade não cria barreiras, necessariamente. Como pastor jovem, gosto de fortalecer a amizade com vários de meus anciãos. Em particular, um deles se tornou um conselheiro para mim.

A despeito do sucesso na formação de amizades entre os membros da igreja, ainda existirão limitações. Pois devido à natureza confidencial de certas coisas, estas não podem ser reveladas. Uma vez que eles não são ministros de tempo integral, poderia ser difícil transmitir-lhes certos assuntos. A revelação pessoal deve ter limites apropriados. Essas relações não podem ser revelações de serviço completo. Contudo, podem ser muito agradáveis e ajudar definitivamente a satisfazer as necessidades do pastor. Mas o pastor necessita de outras amizades além das que tem com sua congregação.

COLEGAS DE MINISTÉRIO COMO AMIGOS

Uma das agradáveis espécies de amizade é a que se tem com um pastor “irmão”. Pode ser um amigo do tempo do seminário ou um colega de um distrito próximo. Que prazer é sorrir juntos, discutir planos, interesses e experiências que ambos entendem! Embora a distância possa às vezes limitar esses contatos, é válido o esforço no sentido de manter-se em contato, fazer uma visita ocasional, escrever, telefonar. Em certa época do meu ministério, tive o privilégio de reunir-me com vários pastores para estudar, discutir e nos recrearmos, mesmo que para isso tivesse de andar cerca de 160 quilômetros para chegar ali. Podemos diminuir os obstáculos para a conservação de uma amizade, se realmente a valorizarmos. Contudo, limitações inevitáveis mostram que mesmo esses relacionamentos não satisfazem plenamente nossas necessidades. Necessitamos de alguns amigos íntimos.

A ESPOSA COMO AMIGA

Uma das maiores fontes de amizade, que de ordinário o pastor também despreza ou não usa, é sua esposa. Como em qualquer relacionamento matrimonial, o pastor deve ser um amigo de sua companheira, bem como ser um cooperador. E o elemento da amizade tornará forte o casamento. Mas embora o pastor e sua esposa vivam juntos e cumpram seus deveres um para com o outro, ele pode estar tão ocupado que negligencie reservar tempo para comunicar-se, para trocar idéias, fazer planos, desmarcar horário, recrear-se juntos. Tanto a afirmação recíproca como a revelação pessoal, tornam-se facilmente negligenciadas. Muitas esposas de pastores são frustradas por causa dessa negligência. A amizade com nossa esposa pode ser a que mais se aproxima da perfeição.

Deve-se, contudo, ter cuidado, para que o pastor não espere tanto dessa amizade. Alguns, querendo proteger-se dos obstáculos a outras amizades, voltam-se para suas esposas, com o fim de preencher todas as suas necessidades. Certo homem me disse: “Minha esposa é a única pessoa com quem realmente posso conversar.” Isto coloca sobre a esposa um enorme fardo; pois talvez ela não tenha tanta prática profissional para servir de pastor do marido, mas ele a tornou sua única pessoa de apoio. Na verdade, isto não é bom para ela. Nem mesmo a esposa pode oferecer uma amizade de serviço integral, no sentido de satisfazer cada necessidade. (E assim como os homens necessitam de amizades além da que têm com suas esposas, devem lembrar também que as mulheres necessitam de amizades que não a do marido apenas — senhoras amigas que possam satisfazer-lhes necessidades que os homens não o podem fazer.)

Pode o pastor ter amigos? Sim, se ele avaliar as amizades, se envidar algum esforço para diminuir os obstáculos que possam existir, e se estiver disposto a ir além do familiar. Participar dos resultados de amizade proveniente de várias fontes, capacita a saúde social. Reduz a pressão de fazer com que qualquer simples amizade preencha todas as necessidades da pessoa.

A amizade vale o esforço. ‘‘Oh! o conforto, o indizível conforto de sentir-se seguro com uma pessoa; não tendo que pesar os pensamentos nem medir as palavras, mas expô-los todos, precisamente como são, palha e grão juntos, sabendo que uma mão leal as tomará e joeirará, guardando aquilo que vale a pena guardar, e depois, com o sopro da bondade, soprará o restante para longe!”9

Clarence Macartney elaborou seu mais bem conhecido sermão: “Vem Antes do Inverno”,10 sobre os laços de amizade que existiam entre Paulo e Timóteo, descrevendo sua amizade como sendo consolidada pelo “malho da adversidade… numa indissolúvel amálgama.” Nesse sermão, apela a seus ouvintes para que não negligenciem aquelas “vozes da amizade e da afeição” que surgem em seu caminho. Ao ouvirmos hoje essas vozes, é um privilégio podermos atendê-las.

BENJAMIM D. SCHOUN, professor-assistente na Universidade Andrews. Foi pastor de igreja durante 14 anos

Referências:

1. Ver resultado de estudos de Benjamim D. Schoun, Helping Pastors Cope (Barrien Springs, Mich.: Andrews University Press, 1981), pág. 100.

2. Larry Graham. “Ministers and Friendship: An Examination of the Friendship by a Selected Group of Protestant Parish Clergymen in the Light of a Working Understanding and Theological Analysis of the Nature of Friendship”, vol. 2. (Ph. D. diss., Princeton Theological Seminary, 1978), págs. 116 e 177.

3. Schoun, págs. 79, 84-86.

4. Graham, pág. 332.

5. A idéia para este conceito vem de Richard Frazier, “The Role of ‘Need’ in Pastoral Care”, Journal of Pastoral Care 27

(Março de 1973): 37.

6. Um termo aplicado a esposas de ministros em Ann Himmelberger Wald, “Prescription for Healthy Friendships”, Partnership, jan./fev. 1984, págs. 34-37.

7. Ver Irene Lovett, “Pastor on a Pedestal”, em Thomas E. Kadel, ed., Grouth in Ministry, (Philadelphia: Fortness Press,

1980), págs. 90 e 91.

8. Emory Griffin, “Self-disclosure: Hou Far Should a Leader Go?” Leadership 1 (Spring 1980): 130.

9. Palavras de Mary Ann Evans (George Eliot) como citadas em Alan Loy McGinnis, The Friendship Factor (Minneapolis: Augsburg Pub. House. 1979), pág. 36

10. Publicado em Clyde E. Fant Jr., e William M. Pinson, Jr., eds., Twenty Centuries of Great Preaching, 13 vols. (Waco, Texas: Word Books, 1971), vol. 9, págs. 133-141.