O enorme e espinhoso cacto dominava o centro do caminho de acesso à nossa garagem. Azaléias e outros florescentes arbustos menores também partilhavam o espaço, mas o cacto chamava a atenção. Vizinhos reuniam-se em torno dele para admirá-lo. Transeuntes não se contentavam e voltavam para dar uma segunda olhada. Visitantes admiravam seu tamanho e simetria. Minhas irmãs e eu igualmente o admirávamos. Longos e ferozes espinhos parecendo agulhas o cobriam; e, entre esses, cresciam milhares de outros em menor tamanho. Todos eles ameaçadores.
Esse maravilhoso cacto, juntamente com dezenas de violetas africanas decorando a janela de nossa cozinha, era um testemunho do amor que minha mãe possuía pelas plantas. Então, aconteceu. Um dia, quando recebemos a visita de uma prima, estávamos envolvidas numa louca brincadeira de corrida bem perto do cacto – mais perto do que deveriamos estar. Foi então que minha irmã Eulita perdeu o equilíbrio e caiu justamente em cima dele.
Seus gritos de dor chamaram a atenção da minha mãe, que veio em disparada ver o que estava acontecendo. Um braço e um joelho de Eulita estavam completamente cobertos por dezenas daquelas agulhas maiores. Uma infinidade de espinhos menores espalhavam-se por todo o corpo. Deixando o restante do grupo do lado de fora, minha mãe tomou Eulita nos braços, levou-a para a cozinha e foi buscar uma pinça. Minha outra irmã, Deanna, e eu observávamos tudo em silencioso temor, enquanto Eulita gemia e gritava quando minha mãe começou a tediosa tarefa de gentil e metodicamente remover cada um da-queles espinhos.
Deanna e eu olhávamos por uma pequena abertura através da porta da cozinha. Queríamos ver nossa mãe. Seus lábios estavam apertados, uma expressão que ela conservava sempre em momentos de profunda contemplação e consagração, e tão logo ela acabou o trabalho vimos sua testa profundamente franzida. Minha ansiedade aumentou e interpretei a expressão de seu semblante como uma decisão de nos castigar. Talvez estivesse pensando que éramos culpadas pelo que ocorreu.
Finalmente, nada aconteceu conosco. Os espinhos do cacto foram suficientes para cobrir uma grande lâmina de papel. Depois de aplicar um antisséptico no braço e no joelho de minha irmã, mamãe levantou-se abrupta e quietamente. Deanna e eu esperávamos a reprimenda e nos consolamos com a idéia de que, se isso acontecesse, era melhor que a sorte de Eulita. Permanecendo atentas aos seus ferimentos, não percebemos onde mamãe tinha ido. A próxima coisa de que me lembro foi a visão dela, a passos largos, empurrando um carrinho de mão onde estavam um machado e uma pá. Foi direto ao local onde o cacto estava plantado e começou a cortá-lo.
Em questão de minutos ele estava cortado, caído e colocado em pedaços no carrinho de mão. Minha mãe voltou então a um canto no jardim, cavou um grande buraco e ali jogou o antes glorioso cacto. Cobriu o buraco com terra, voltou à garagem, guardou as ferramentas, dirigiu-se a nós e falou: “Este cacto nunca mais causará ferimentos a qualquer pessoa.”
Em algum lugar, num velho álbum de fotografias da nossa família, provavelmente exista uma foto daquela planta. Voltando à minha vivacidade infantil, eu simples-mente fiquei contente por não ter sido punida. O cacto foi arrancado e, no dia seguinte, Eulita estava de pé e poderiamos continuar brincando e brigando uma com a outra, por alguns anos mais. A vida continuou.
De tudo o que aconteceu então, aprendi algumas lições da minha mãe, as quais, somente agora na vida adulta, posso realmente compreender. Aprendi, da sua boa vontade para sacrificar algo que lhe tinha produzido satisfação pessoal e admiração, que o amor às pessoas é mais importante que as coisas. Não importa quão valiosa seja uma coisa para nós, quanto prazer nos produza, embora seja uma boa coisa, se contribui para o sofrimento de outras pessoas, talvez devamos mesmo nos livrar dela. Minha mãe não iria permitir que qualquer coisa – por mais especial que fosse para ela – causasse qualquer dano a alguém que estivesse sob seus cuidados. Talvez ela não tivesse percebido antes que aquela bela planta pudesse ser um instrumento de tal prejuízo. Mas no momento em que viu o dano, ela não titubeou: cortou-o e o enterrou. E nunca mais fez qualquer referência a ele, nem ao fato em si.
Refletindo sobre esse incidente da minha infância, pensei que possivelmente também existam algumas coisas que são realmente prazerosas e gratificantes para nós, mas que podem causar algum dano a outras pessoas que convivem conosco. Em si mesmas, tais coisas podem nos dar prazer imediato, alegria e satisfação. A médio ou longo prazo, no entanto, talvez necessitem ser enterradas, sem hesitação.
Não importa quão valiosa seja uma coisa para nós. Se contribui para o sofrimento de outras pessoas, devemos nos livrar dela.
Na liderança de um distrito ou de uma igreja, às vezes, incorremos no erro de investir tempo e energia em intermináveis reuniões, e no atendimento das eternamente insatisfeitas necessidades de uma congregação. Esquecemo-nos de que nossas famílias podem se sentir feridas e negligenciadas. Enquanto cuidamos de muitas coisas, nossa família fica à mercê de si mesma. Ela nos vê diligentes em ministrar a outros, sem nunca dispormos de tempo para atendê-la. Não poucas vezes ficamos sobrecarregados e estressados em nosso trabalho, em detrimento da própria família. Necessitamos nos arrepender disso e devolver-lhe o tempo que tiramos dela.
Há ocasiões em que investimos dinheiro em alguma coisa que representa satisfação pessoal temporária. Mas isso pode significar deixar de fazer alguma coisa que verdadeiramente seja importante para toda a família. Se somos egoístas na maneira como usamos nossos recursos, talvez seja necessário cortar tudo aquilo que seja um atrativo no sentido de nos fazer cair nessa tentação.
Comunicação é uma valiosa habilidade pastoral. A palavra é um dos principais meios à nossa disposição para disseminar o evangelho. No entanto, esse mesmo instrumento, a língua, com o qual expressamos solenes mensagens do alto, pode se tornar cruel e abrasivo com nossos familiares quando estamos cansados, famintos, irritados e estressados. Algumas vezes, as palavras ferem. Semelhantemente às agulhas de um cacto, elas penetram profundamente e não podem ser facilmente removidas. Devemos cortar esse tipo de palavra do nosso vocabulário.
Convém que façamos periodicamente um inventário das coisas ou atitudes acariciadas em nossa vida que talvez estejam magoando outras pessoas. Possa o Senhor conceder a cada um de nós sabedoria para identificá-las e coragem para eliminá-las, sepultando-as antes que alguém seja ferido.