Como Ellen G. White compreendia a personalidade do Espírito Santo
Nenhum ensinamento cristão é mais fundamental que a doutrina de Deus. A compreensão bíblica adventista do sétimo dia acerca da Trindade nos ajuda a compreender a natureza revelada, os atributos e caráter de Deus. Nos últimos 15 anos, muito tem sido escrito sobre a história da compreensão adventista do sétimo dia a respeito da Divindade e, particularmente, sobre a posição de Jesus na Divindade.
Menos tem sido escrito sobre a história de Ellen G. White e a compreensão adventista do Espírito Santo na Divindade.
Diante dos antecedentes da teologia e experiência dos pioneiros adventistas do sétimo dia, este artigo explorará a compreensão de Ellen G. White sobre o Espírito Santo. Primeiramente será apresentado um resumo da visão adventista sobre a personalidade do Espírito Santo até o início do século 20. Cuidadoso estudo da Bíblia e claras afirmações de Ellen G. White influenciaram grandemente a compreensão adventista. Considerando os questionamentos atuais, também será dada alguma atenção ao estabelecimento da veracidade das mais claras afirmações de Ellen White sobre a natureza do Espírito Santo na Divindade.
Visão adventista até o início do século 20
A compreensão sabatista e adventista do sétimo dia sobre o Espírito Santo, até os anos 1890, foi largamente focalizada mais sobre a “realidade viva” ou tangível do Espírito Santo como uma manifestação divina do que Sua natureza ou personalidade.1 Durante o período até os anos 1890, muitos adventistas não aceitavam que o Espírito Santo tivesse personalidade distinta. Para eles, a Divindade incluía o Pai (onipresente e onisciente), o pré-encarnado primogênito Filho divino, e o Espírito Santo como manifestação da presença ou poder do Pai ou do Filho. Os adventistas enfatizavam as personalidades distintas e separadas do Pai e do Filho. Para muitos pioneiros adventistas, uma personalidade requeria um formato material, que impedia a onipresença. Por definição, o Espírito Santo como influência ou poder do Pai ou do Filho, era permitido por Deus ser onipresente.2
Em 1877, J. H. Waggoner escreveu sobre o Espírito Santo como um “Isto” em vez de “Ele”. Depois, referindo-se a “uma questão que tem sido muito controvertida”, ou seja, “a personalidade do Espírito Santo”, ele descreveu o “Espírito de Deus” como “esse tremendo e misterioso poder que procede do trono do Universo”.3 Em 1878, Uriah Smith respondeu à pergunta: “O que é o Espírito Santo?”, escrevendo o seguinte: “Em uma palavra, isso pode talvez ser descrito como uma misteriosa influência emanando do Pai e do Filho, Seu representante e agente de Seu poder.”4
“O Espírito Santo é o Consolador em nome de Cristo. Ele personifica Cristo, todavia é uma personalidade distinta”
Esses dois homens se mantiveram respeitosos quanto à misteriosa natureza do Espírito Santo. Em 1878, D. N. Canright, em um artigo de duas páginas, mais argumentativo e apologético, explicitamente rejeitou a personalidade do Espírito Santo: “O Espírito Santo não é uma pessoa, não é um indivíduo, mas uma influência ou poder procedente da Divindade.”5
Em 1889, M. C. Wilcox, um dos editores de Signs of the Times, escreveu: “O poder de Deus, separado de Sua presença pessoal, é manifestado através de Seu Espírito.”6 Descrevendo a ideia de como Deus pode ser onipresente, Wilcox escreveu em 1898: “Deus é uma Pessoa; como pode Sua vida estar presente em todo lugar?”, então comparou o Espírito a uma “aura” que se estende além de uma pessoa.7 Alguns outros adventistas do sétimo dia com visão própria e diferente especulavam que talvez o Espírito Santo fosse um anjo ou da mesma espécie que a dos anjos.8
Os anos 1890 testemunharam o início de uma mudança para a aceitação da personalidade do Espírito Santo. Um exemplo dessa mudança pode ser visto na compreensão de R. A. Underwood: “O Espírito Santo é o representante pessoal de Cristo no campo de batalha; Ele está encarregado de enfrentar Satanás e derrotar esse inimigo pessoal de Deus e de Seu governo. Parece estranho para mim, agora, que eu já tenha acreditado que o Espirito Santo fosse apenas uma influência, em vista do trabalho que Ele faz.”9
A mudança de pensamento sobre a personalidade do Espírito Santo foi bem encaminhada quando, em 1907, A. T. Jones escreveu: “O Espírito Santo não é uma influência; nem uma impressão, nem paz, nem alegria, nem qualquer coisa… O Espírito Santo é uma Pessoa, eternamente uma Pessoa divina.”10
Ellen G. White e o Espírito Santo até os anos 1890
Os escritos de Ellen G. White são particularmente ricos em relação ao Espírito Santo. Quase tão frequentemente como se referiu a Jesus, ela se referiu a Ele, tanto em seus escritos já publicados como naqueles que ainda não o foram.
Ellen G. White adotou três importantes orientações relacionadas ao Espírito Santo e a Divindade, desde os primeiros escritos e durante toda a sua vida. Em primeiro lugar, ela enfatizou a personalidade de Deus o Pai e Jesus. Durante os anos 1845 e 1846, houve um ramo dos adventistas mileritas que argumentava que Jesus tinha vindo espiritualmente em 22 de outubro de 1844. Esse grupo também espiritualizava a ressurreição, o Céu, a Nova Jerusalém, a Nova Terra e também o Pai e Jesus. Em 1846, Ellen G. White escreveu em afirmação da personalidade do Pai e Jesus: “Vi um trono, e nele estavam sentados o Pai e Seu Filho Jesus Cristo. Olhei fixamente o semblante de Jesus e admirei Sua adorável pessoa… Perguntei a Jesus se Seu Pai tinha forma semelhante à dEle; Ele disse que sim, mas eu não podia contemplá-Lo.”11
Outros cofundadores da Igreja Adventista do Sétimo Dia, como Tiago White e José Bates, também se opuseram diretamente à visão espiritualizada e, através da imprensa, apoiaram a personalidade do Pai e Jesus.12
Em segundo lugar, à semelhança dos adventistas em geral, Ellen G. White compreendia o Espírito Santo num sentido prático e demonstrável. A obra do Espírito Santo estava bem presente e ativa em sua experiência cristã e seu ministério. Ela recebeu centenas de visões e sonhos proféticos e frequentemente experimentou extraordinárias bênçãos através da operação do Espírito Santo. Durante os primeiros poucos anos de seu ministério profético, Ellen G. White foi confrontada por alguns que criam que suas visões eram resultado de mesmerismo – hoje conhecido como hipnotismo – e diziam que não havia Espírito Santo. Isso lhe causou “terrível angústia, quase ao ponto do desespero”.
Ela escreveu: “Muitos queriam fazer-me crer que não havia Espírito Santo e que tudo quanto os homens santos de Deus haviam experimentado não era senão mesmerismo ou enganos de Satanás.”13
Finalmente, sua compreensão sobre o Espírito Santo foi extraída da Bíblia e centralizada na Bíblia. À semelhança de outros pioneiros adventistas, antes de tudo ela era estudante das Escrituras, e era particularmente cuidadosa a fim de não se desviar para além da Bíblia em suas descrições do Espírito Santo.
Em 1891, Ellen G. White escreveu em resposta a um homem que acreditava que o Espírito Santo fosse realmente o anjo Gabriel e que os 144 mil serão judeus que reconhecem Jesus como Messias. Depois de dar importantes princípios de interpretação bíblica, ela abordou o assunto: “Suas ideias sobre os dois assuntos mencionados não se harmonizam com a luz que me foi dada por Deus. A natureza do Espírito Santo é um mistério não claramente revelado, e você jamais será capaz de explicá-lo a outros, porque o Senhor não o revelou a você.” Citando João 14:16, ela continuou: “Isso se refere à onipresença do Espírito de Cristo, chamado Consolador.” Então confessou os limites de sua própria compreensão: “Há muitos mistérios que não procuro compreender nem explicar; eles são muito elevados para mim e para você. Sobre alguns desses pontos, o silêncio é ouro.”14
Na ausência de especial discernimento sobre a natureza e a personalidade do Espírito Santo, ela permaneceu firme com a Escritura e, diferente dos outros escritores adventistas anteriormente citados, deixou indefinida a personalidade do Espírito Santo.15 Isso logo mudaria.
A partir do início de 1890
Dois anos depois, em 1893, ela escreveu: “Geralmente, muito pouco tem sido feito da obra de influência do Espírito Santo sobre a igreja… O Espírito Santo é o Consolador em nome de Cristo. Ele personifica Cristo, todavia é uma personalidade distinta.”16
Em 1896, ela citou as palavras de Jesus em João 16:7, 8, e escreveu sua mais clara afirmação sobre o Espírito Santo como Pessoa da Divindade: “O poder do mal se estivera fortalecendo por séculos, e alarmante era a submissão dos homens a esse cativeiro satânico. Ao pecado só se poderia resistir e vencer por meio da poderosa operação da terceira Pessoa da Trindade, a qual viria, não com energia modificada, mas na plenitude do divino poder.”17 Não há indicação de alguma visão especial que ela tenha recebido e que a tenha levado a escrever mais explicitamente sobre o Espírito Santo. Contudo, como mensageira do Senhor, ela se tornou muito específica sobre esse tema durante os anos 1890. Durante o restante de sua vida, ela continuou a apoiar a personalidade e plena deidade do Espírito Santo.18
Por exemplo, Ellen G. White frequentemente se referiu a João 14-16 e ao Consolador levando a presença de Jesus ao crente. Ela continuou esse tema enquanto continuou apresentando o Espírito Santo como a terceira Pessoa da Divindade. Escreveu ela: “Embora nosso Senhor tenha ascendido da Terra ao Céu, o Espírito Santo foi designado como Seu representante entre os homens.” Citando João 14:15-18, continuou: “Impedido pela humanidade, Cristo não podia estar pessoalmente em todo lugar; portanto, era para total benefício deles que deveria deixá-los, ir para o Pai e enviar o Espírito Santo para Seu sucessor na Terra.”
Ellen G. White se sentia completamente à vontade com a tensão que existe entre o Espírito Santo ser uma Pessoa e também representante de Jesus. Uma característica da Trindade bíblica é o fato de cada Pessoa Se representar ou apontar mutuamente (Mt 3:17; 17:5; Mc 1:11; 9:7; Lc 3:22; 9:35).
“Ao pecado só se poderia vencer por meio da poderosa operação da terceira Pessoa da Trindade”
“Isto” e “Ele”
Em 1936, H. C. Lacey alegou que sua série de estudos bíblicos matinais apresentados, em 1895, na reunião campal de Armidale, e a apresentação deles, em 1896, em um congresso em Cooranbong, Austrália, influenciou Ellen G. White a aceitar a personalidade do Espírito Santo. Lacey especulou que ela não havia usado o termo “Pessoa” nem se referido ao Espírito Santo com o pronome pessoal “Ele” antes da apresentação dos estudos dele.20
Um exame das afirmações de Ellen G. White mostra que ela usou a palavra “Pessoa” para se referir ao Espírito Santo já em 1893. Mas ela usou variavelmente os pronomes “Isto” e “Ele” antes e depois de sua explícita declaração sobre a personalidade do Espírito Santo. Em 1884, ela escreveu: “O Espírito Santo exalta e glorifica o Salvador. É seu trabalho apresentar Cristo.”21 Em 1891, ela escreveu sobre “o Espírito Santo trabalhando em nosso coração”. E continuou: “[Ele] toma as coisas de Deus e as apresenta de nova maneira à nossa mente”.22 Em uma declaração feita em 1898, ela articulou claramente a personalidade do Espírito Santo: “Quando o Espírito de Deus toma posse do coração, transforma a vida.”23 Em 1900, ela escreveu: “Em verdade, o Espírito Santo saiu a todo o mundo; opera no coração dos homens em toda parte.”24
O livro O Desejado de Todas as Nações não apenas ajuda a explicar a personalidade do Espírito Santo, mas também ensina claramente a eternidade de Jesus e Sua plena igualdade com o Pai. A declaração: “Em Cristo há vida original, não emprestada, não derivada”,25 ao lado de outras afirmações sobre a divindade de Jesus, ajudou muitos adventistas a dar um novo olhar nas Escrituras, para compreender o lugar de Jesus na Divindade.
Veracidade das declarações
Alguns creem na autoridade profética dos escritos de Ellen G. White, mas negam a personalidade do Espírito Santo bem como Seu lugar na Divindade. Esses escritos, porém, colocam essas pessoas em uma situação difícil. Em resposta, elas costumam argumentar que as secretárias ou os editores de Ellen G. White inseriram as afirmações sem o conhecimento dela. Tim Poirier, vice-diretor do White Estate, publicou uma esclarecedora monografia em 2006 na qual rastreou essas declarações de acordo com a fonte original.
Rascunhos originais de pelo menos quatro declarações, manuscritos por Ellen G. White, estão disponíveis.26 Outros documentos estão acessíveis na forma impressa original e contêm anotações manuscritas nas páginas.27 No topo de um desses documentos, está a seguinte anotação: “Tenho lido cuidadosamente sobre isso, e o tenho aceitado.”28 Algumas dessas afirmações foram publicadas em várias formas. A própria escritora pagou pela publicação das chapas de O Desejado de Todas as Nações e de outros livros. Aliás, ela chegou a enviar correções para O Desejado de Todas as Nações, depois que a primeira edição desse livro já havia sido publicada. As mudanças foram então incorporadas na segunda edição. O grau de veracidade de suas afirmações é significativo, e os editores acham difícil argumentar que ela não tenha escrito as declarações que aparecem impressas.
Os adventistas do sétimo dia creem que a Ellen G. White foi concedido o dom profético. Suas enfáticas declarações tiveram significativa influência no desenvolvimento da compreensão adventista da Trindade, particularmente através do apoio à natureza eterna e original de Jesus, bem como a plena divindade e personalidade do Espírito Santo. Contudo, as doutrinas adventistas do sétimo dia são estabelecidas sob a autoridade da Escritura, em vez de Ellen G. White. Ela compreendia que seu papel profético era conduzir um povo à Bíblia como autoridade final e o fundamento de toda fé e prática. No primeiro panfleto publicado, ela escreveu: “Recomendo-lhe, caro leitor, a Palavra de Deus como a regra de sua fé e prática.”29
Em muitas ocasiões, ela definiu a relação de seus escritos com a Bíblia. Em uma de suas mais intrigantes declarações, ela definiu seu papel profético: “Eu tenho uma obra de grande responsabilidade para fazer – comunicar por escrito e de viva voz as instruções a mim concedidas, não somente para os adventistas do sétimo dia, mas para o mundo. Publiquei muitos livros, grandes e pequenos, e alguns deles foram traduzidos para várias línguas. Esta é a minha obra: revelar para outras pessoas as Escrituras, assim como Deus a mim as revelou.”30
Os adventistas do sétimo dia têm mais orientação bíblica sobre o Espírito Santo, por causa dos escritos de Ellen G. White. Devemos ser agradecidos a Deus pelo fato de que Ele nos guiou através da história da igreja, a fim de construir uma compreensão bíblica, por meio da influência do Espírito Santo no dom de profecia.
Referência:
- 1 F. Goodrich, Review and Herald, 28/01/1862, p. 68; R. F. Cottrell, Ibid., 16/12/1873, p. 5; Joseph Clarke, Ibid., 10/03/1874, p. 103.
- 2 D. M. Canright, Review and Herald, 29/08-19/09/1878, p. 73, 81, 82, 89, 90, 97.
- 3 J. H. Waggoner, The Spirit of God: Its Office and Manifestations in the End of the Christian Age (Battle Creek, MI: Review and Herald Pub. Ass., 1877), p. 8, 9.
- 4 James White e Uriah Smith, The Institute Biblical: A Synopsis of Lectures on the Principal Doctrines of Seventh-day Adventists (Oakland, CA: Pacific Press Pub. House, 1878), p. 184.
- 5 D. M. Canright, Signs of the Times, 25/07/1878, p. 218; Ibid., 08/08/1878, p. 236.
- 6 M. C. Wilcox, Signs of the Times, 15/07/1889, p. 422.
- 7 __________, Ibid., 02/06/1898, p. 342.
- 8 C. P. Bollman, Signs of the Times, 04/11/1889, p. 663.
- 9 R. A. Underwood, Review and Herald, 17/05/1898, p. 310.
- 10 A. T. Jones, Medical Missionary, 27/03/1907. p. 98.
- 11 Ellen Harmon, Day Star, 14/-3/1846, p. 7.
- 12 James White, Review and Herald, 11/12/1855, p. 85.
- 13 Ellen G. White, Primeiros Escritos, p. 22.
- 14 ___________, Carta ao irmão Chapman, 11/06/1891, in Manuscript Releases (Silver Spring, MD: White Estate, 1990), v. 14, p. 175, 179.
- 15 O mesmo é verdadeiro quanto à natureza da divindade de Jesus. Nesse caso ela está entre os primeiros escritores que se referiram a Cristo como eterno. Ver Review and Herald, 08/08/1878, p. 49.
- 16 Ellen G. White, Manuscript Releases (Silver Spring, MD: White Estate, 1993), v. 20, p. 323, 324.
- 17 ___________, O Desejado de Todas as Nações, p. 671.
- 18 ___________, Carta 124, 07/03/1897; Filhas de Deus, p. 183-185; Special Testimonies to Ministers and Workers. Nº 10 (1897), p. 37. São algumas das publicações em que ela trata do assunto
- 19 Ellen G. White, Carta 119, 1895 (Silver Spring, MD: White Estate).
- 20 H. C. Lacey a W. C. White, 17/07/1936 (Berrien Springs, MI: Center for Adventist Research, Andrews University).
- 21 Ellen G. White, Signs of the Times, 03/04/1884, p. 209.
- 22 ___________, Review and Herald, 25/08/1891, p. 529.
- 23 ___________, O Desejado de Todas as Nações, p. 173.
- 24 ___________, Parábolas de Jesus, p. 70.
- 25 ___________, O Desejado de Todas as Nações, p. 530.
- 26 Tim Poirier, Ellen G. White’s Trinitarian Statements, MS 93,1893; MS 57, 1900; MS 20, 1906; MS 21, 1906.
- 27 Carta 8, 1896; MS 27a, 1900; MS 57, 1900; MS 20, 1906; MS 21, 1906.
- 28 MS 20, 1906.
- 29 Ellen G. White, A Sketch of the Christian Experience and Views of Ellen G. White (Saratoga Springs, NY: James White, 1851), p. 64.
- 30 Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 8, p. 236.