Os adventistas do sétimo dia têm-se identificado, historicamente, como a “Igreja remanescente”. Mesmo antes que a denominação adotasse o nome Adventista do Sétimo Dia, em 1860, pioneiros adventistas já viam o movimento como o “povo remanescente” prefigurado em Joel 2:28-32. A primeira referência aos adventistas como “remanescente” aparece num folheto intitulado To the Little Remnant Scattered Abroad, publicado em 1846, e republicado em 1847 como parte do panfleto A Word to the Little Flock. Posteriormente, Tiago White defendeu a propriedade do uso dessa idéia aplicada aos adventistas, apelando para a identidade profética do remanescente nos últimos dias. Em 1980, a Igreja Adventista incluiu, pela primeira vez, em suas “Crenças Fundamentais” uma declaração sobre o seu conceito de remanescente.1

Tal conceito, embora com alguma freqüência mal compreendido, mesmo por um bom número de adventistas, não defende que sejamos de qualquer forma melhores do que outras pessoas em diferentes confissões cristãs. A noção de remanescente não sugere uma visão reducionista da salvação, ou seja, que a salvação seja limitada a pessoas dentro da comunhão adventista do sétimo dia. Em 1911, quatro anos antes da sua morte, Ellen White mais uma vez relembrou aos adventistas que a maioria do povo de Deus ainda se encontrava naquilo que a Bíblia chama de Babilônia espiritual. Eles não apenas estão espalhados pelas Igrejas, mas também “através de todas as nações”.2

Ao vermo-nos como o remanescente bíblico, não somos motivados por qualquer arrogância espiritual, complexo de superioridade ou triunfalismo, embora, potencialmente, esse perigo esteja presente. Deve ser lembrado que o conceito de remanescente é bíblico, portanto, divino, e não humano. Além disso, quando corretamente entendida, tal noção deveria promover primariamente a humildade, face à extraordinária responsabilidade envolvida. Infelizmente, em tempos recentes, na tentativa de evadir-se ao perigo do triunfalismo, alguns se têm refugiado no extremo oposto, afastando-se da designação do remanescente. Para esses, a idéia promove o orgulho espiritual. Eles têm sugerido que o termo é uma relíquia anacrônica de um estágio perfeccionista e confrontativo da história adventista.3

Mas o remanescente, olhado da perspectiva bíblica, é constituído de herdeiros espirituais do conhecimento das verdades divinas e da responsabilidade missionária que tal conhecimento impõe. No Antigo Testamento, ele é identificado como uma minoria que sobrevive a apostasias e calamidades (II Crôn. 30:6; Isa. 10:20-22; Eze. 6:8, 9; 9:14: 14:22; Jer. 42:2), permanecendo leal a Deus e aceitando as responsabilidades do concerto (II Reis 19:30 e 31; Isa. 66:18 e 19). O remanescente é também descrito como “povo escolhido”.

Contudo, é fundamental lembrar que tal escolha nunca é baseada em qualquer virtude, mérito, santidade corporativa, superioridade moral ou espiritual do escolhido, mas na liberdade e graça dAquele que escolhe (Deut. 7:6-8). É significativo observar que o remanescente corporativo, em todas as épocas, é definido mais pela

luz que possui do que pela santidade dos seus membros. Tal eleição deve ser entendida em termos de um chamado para um papel definido dentro da história da salvação que, certamente, envolve privilégios, mas que, sobretudo, envolve a responsabilidade de um propósito.

Embora nem sempre percebido, os adventista reconhecem várias igrejas que emergiram da Reforma Protestante do século 16 como um outro remanescente histórico, divinamente comissionadas para restaurar o evangelho, por mais de mil anos sepultado sob a escura e volumosa heresia medieval. Infelizmente, “um a um destes grupos tornou-se satisfeito com o seu conceito parcial da verdade”.4 Eles falharam em avançar à medida que a luz da Palavra de Deus continuou brilhando. Cada recusa levou Deus a suscitar outros instrumentos para proclamação de Suas verdades.

Com a chegada do tempo do fim, indicado pela profecia, quando a última mensagem divina deve ser proclamada ao mundo (Apoc. 14:6-11), Deus suscitou o remanescente final, conforme designado em Apocalipse 12:17, que se ergue na linhagem sucessória dos representantes divinos através dos séculos, com a específica missão de pregar o “evangelho eterno”, para testemunho de todas as gentes. Assim, ao se considerarem o remanescente no contexto do fim, os adventistas apenas querem dizer que eles foram suscitados para uma tarefa específica, que prepara o mundo para o evento dos séculos – o segundo advento de Jesus.

Não muito diferentes

Ao se considerarem o remanescente bíblico escatológico, os adventistas reivindicam que são diferentes de todos os demais grupos religiosos. Mas quão diferentes eles são? Ou, o que os torna diferentes? Do ponto de vista estatístico, as diferenças não são grandes. Embora os adventistas do sétimo dia não subscrevam um credo formal, eles desenvolveram suas “Crenças Fundamentais”, as quais marcam a compreensão que têm dos ensinos bíblicos essenciais.

Evidentemente nem todos os cristãos concordam uns com os outros em cada aspecto religioso ou teológico. Encontramos dentro do cristianismo doutrinas nas quais não existe unanimidade entre os vários grupos, e outras nas quais a unidade é apenas parcial. É precisamente tal divergência que explica a existência e diversidade das muitas denominações. Uma leitura cuidadosa da grade doutrinária adventista revela que o seu conteúdo pode ser classificado em três categorias distintas, a que chamaremos de grupos A, B e C. No grupo A, que corresponde a aproximadamente 59% dessas crenças, os adventistas concordam 100% com os grupos evangélicos ortodoxos. Nessa categoria estão incluídas doutrinas tais como as Santas Escrituras, a Trindade, Deus o Pai, Jesus Cristo o Filho, o Espírito Santo, a Criação, a Salvação, a Vida, Morte e Ressurreição de Cristo, etc.

A análise das Crenças Fundamentais dos Adventistas demonstra ainda que, naquilo que podemos considerar como grupo B, e que corresponde a aproximadamente 32%, estamos de acordo com um ou mais grupos evangélicos, junto com os quais discordamos de outros. Nessa área encontramos doutrinas como o Batismo (embora, por exemplo, concordemos nisso com os batistas, discordamos dos presbiterianos). O Sábado (os adventistas não são os únicos a observarem o sábado como dia de repouso, embora para eles a compreensão dessa doutrina tenha nuances teológicas exclusivas); os Dez Mandamentos (embora discordando quanto ao quarto mandamento, um bom número de grupos evangélicos afirma a validade da Lei): a Mortalidade da Alma, a punição dos ímpios, entre outras.

Assim, nas duas maiores categorias, que somam um total de 91, de suas Crenças Fundamentais, os adventistas estão de acordo com vários, ou com pelo menos um dos grupos cristãos contemporâneos. Mais importante, contudo, é que, em todos esses casos, eles estão solidamente fundamentados no ensino bíblico. Na categoria doutrinária a que chamamos de C, e que corresponde aproximadamente a 9%, encontramos as marcas distintivas dos adventistas. O termo aproximadamente aqui utilizado representa a flexibilidade de quem não deseja dogmatizar em exatidão matemática, permitindo assim espaço a pequenas variações. Um outro aspecto a ser lembrado é que os 9% dessa categoria, que atribuem identidade peculiar aos adventistas, dão cores especiais a praticamente todos os seus demais ensinos. Essas marcas distintivas são o Santuário Celestial, onde Jesus Cristo, nosso Sumo Sacerdote, realiza a última fase de Seu ministério em favor da humanidade, o dom de profecia manifesto no ministério de Ellen White e as três mensagens angélicas de Apocalipse 14.

Quão diferentes somos? A decisiva diferença entre os adventistas e as outras confissões cristãs é que somos o povo da profecia, chamado para desempenhar um papel exclusivo nos eventos finais da História terrestre. Chegamos à compreensão dessa verdade porque ela está firmemente ancorada no desenrolar da profecia. Deus tem muitos fiéis em outras denominações, muitos dos quais chegam quase a envergonhar a devoção dividida e a mornidão de milhares de adventistas nominais; mas a nenhum outro movimento foi dado tão clara compreensão do tempo do fim e suas implicações para aquelas pessoas que estão vivendo neste período da História.

Dito de outra forma, os adventistas reivindicam serem distintos de todos os outros grupos cristãos em três aspectos específicos: primeiro, eles se vêm como o único povo ao redor do globo, que encontram suas raízes proféticas em Daniel 7 e 8 e Apocalipse 10. Daniel 7 e 8 indicam o tempo quando o remanescente final surgiría (depois do domínio da “ponta pequena”, por 1.260 dias proféticos). Em Apocalipse 10, os adventistas encontram o movimento milerita e seus desdobramentos posteriores amplamente prefigurados. Segundo, os adventistas se vêm como o único povo que encontra sua mensageira profética em Apocalipse 12 e 19:10. Muitas igrejas reivindicam ter em seu meio uma voz profética, mas apenas os adventistas do sétimo dia se dirigem às Escrituras para validar a presença profética entre eles. Terceiro, os adventistas do sétimo dia são o único grupo cristão a descobrir em Apocalipse 14 a sua mensagem profética. Não é portanto de se surpreender que desde o seu início, os adventistas jamais se tenham visto como apenas outra denominação. Ao contrário, entendem seu movimento e mensagem como um cumprimento profético.

Por mais de 150 anos, essa percepção de sua identidade e papel profético tem motivado e impelido os adventistas ao redor do globo, resultando em um dos mais difundidos esforços de alcance missionário na história do cristianismo. A cada 48 segundos, afirmam as estatísticas, um novo membro se une à Igreja; a cada cinco horas, uma nova igreja é organizada. De origem humilde, quase insignificante, os adventistas se espalharam em mais de 85% dos países do globo, reconhecidos pelas Nações Unidas, com uma extraordinária rede de templos, instituições educacionais, médicas e humanitárias, comparativamente inigualável.6

Como explicar o extraordinário crescimento do movimento adventista, levando-se em conta suas origens insignificantes e doutrinas impopulares? Clyde Hewitt, um historiador do milerismo e seus desdobramentos, observa: “O mais insignificante dos grupos mileritas [os adventistas do sétimo dia] foi precisamente o que se tornou, sem comparação, o maior deles”, acrescentando que “os adventistas do sétimo dia estão convencidos de que eles foram divinamente comissionados para levar avante a obra profética iniciada por Guilherme Miller. Eles se dedicaram a esta tarefa”/ A força impelente do movimento adventista tem sido a inabalável convicção de que eles constituem um povo profético, com uma exclusiva mensagem concernente ao breve retorno de Cristo a um mundo perturbado.

Porém, mais que estatísticas, os números têm nome. Eles representam pessoas, homens e mulheres, de todas as idades, raças, contextos e geografias, que levam a sério a ordem de marcha dada por Jesus Cristo: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações… “ (Mat. 28:18-20). A visão adventista, contudo, apropria-se da grande comissão intensificada pelo brado profético de Apocalipse 14:6 e 7, e colocada no contexto do fim: “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a Terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-Lhe glória, pois é chegada a hora do Seu juízo; e adorai Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas.”

A clara consciência profética de sua missão, integrada às suas doutrinas, inseridas na moldura das três mensagens angélicas, tem suprido os adventistas com um senso de urgência, propósito e poder de sacrifício que os distingue de todos os outros grupos cristãos.

Desafio ameaçador

Na proporção em que a História avança em sua fase final, nenhum adventista do sétimo dia deveria ter ilusões quanto à natureza do conflito que aguarda a Igreja. Apocalipse 12 nos desperta para a realidade de um inimigo, “o dragão vermelho… a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo…” (vs. 3 e 9), enfurecido e em guerra contra o remanescente (v. 17). A fúria do dragão, deve-se notar, também possui dimensão escatológica; ela é intensificada pelo conhecimento de que “resta-lhe pouco tempo” (v. 12). O tempo do fim, portanto, acrescenta nuances específicas à natureza do conflito no qual a Igreja encontra-se envolvida.

Em dois livros recentemente publicados, os respectivos autores, Pastores William G. Johnsson8, editor da Adventíst Review, e George Knight9, professor de História da Igreja no Seminário Teológico da Universidade Andrews, fazem uma análise dos elementos que hoje ameaçam a Igreja, gerando conflito e tensões que desafiam sua identidade e missão. Tais forças desagregadoras são de natureza diferente, e algumas delas podem apresentar variações de impacto de um lugar para outro. Contudo, o elemento comum entre todas essas ameaças é o seu caráter primariamente interno. Se a perseguição externa pode ser considerada o “plano A” do diabo, através da História, é o “plano B” do inimigo, conflitos e problemas internos, que tem sido mais efetivo e devastador em sua fúria contra a Igreja.

Não seria necessária muita imaginação para concluirmos, com Johnsson e Knight que, pela primeira vez em sua história, o adventismo se depara com a ameaça de uma fragmentação em vários corpos independentes. O congregacionalismo, sistema de governo eclesiástico marcado por confusão intrínseca e sérias fraquezas administrativas e missiológicas, a sorte que se abateu virtualmente sobre todos os outros grupos protestantes em geral e todas as demais ramificações do milerismo em particular, agora surge entre nós, a última fortaleza da resistência. A Igreja Adventista, que até aqui de forma extraordinária tem existido como uma comunhão de fé universal e confissão doutrinária, unida em missão, estilo de vida, solidariedade, estrutura e esperança, depara-se com o desafio do divisionismo, com ênfase na independência absoluta da expressão local da Igreja.

A exclusiva unidade denominacional é percebida pelos adventistas como crucial para o seu senso básico de identidade como o remanescente bíblico para o tempo do fim, e para o cumprimento de sua missão global. Crendo terem sido divinamente chamados, como um povo para uma missão universal, os adventistas têm-se visto como o “movimento do destino”, cuja tarefa é levar o evangelho eterno a cada nação, tribo, língua e povo na Terra. A fragmentação, portanto, facilmente pode ser vista como algo frontalmente contrário, tanto à preservação dessa identidade como à realização do seu chamado e vocação.

A Igreja Adventista dificilmente poderia ser submetida a qualquer forma de desmembramento, sem que as partes não perdessem de maneira trágica sua força impelente. A fragmentação da estrutura adventista significaria uma desfiguração tão séria das características vitais para sua missão em escala global, que colocaria a Igreja além da possibilidade de reconhecimento.

Entretanto, para desmaio de líderes da Igreja e seus membros, essa é precisamente uma das sérias ameaças enfrentadas. Grandemente influenciados pelo individualismo que absorveu a cultura moderna, muitos movimentos dissidentes foram originados nas décadas recentes. São vozes autônomas, algumas das quais se têm auto-identificado como “ministérios independentes”, proclamando sua versão pessoal da fé adventista, insistindo na fragmentação e anunciando uma “nova ordem” que deve substituir a estrutura estabelecida. Tal noção, contudo, é no mínimo problemática tanto na dimensão prática, como no nível teológico.

Reforma ou independência

Provavelmente a maior parte, senão a totalidade, dos adventistas do sétimo dia concorda que a Igreja remanescente, ao mesmo tempo e ironicamente também identificada como Laodicéia, a igreja morna, convive hoje com uma urgente necessidade de reavivamento e reforma. Tal percepção, contudo, não é descoberta recente. Ellen White, em seus dias concluiu que “um reavivamento da verdadeira piedade entre nós, eis a maior e a mais urgente de todas as nossas necessidades. Buscá-lo, deve ser nossa primeira ocupação”10.

Ela ainda observa que “não há coisa alguma que Satanás tema tanto como que o povo de Deus desimpeça o caminho mediante a remoção de todo impedimento, de modo que o Senhor possa derramar Seu Espírito sobre uma languescente igreja e uma congregação impenitente. Se Satanás pudesse fazer o que ele queria, nunca haveria outro despertamento, grande ou pequeno, até ao fim do tempo”.11 Quase no mesmo contexto, Ellen White define a origem de tal reforma: “Precisa haver um reavivamento e uma reforma, sob a ministração do Espírito Santo.”12

A busca de reavivamento e reforma, portanto, é prioridade consistente com o melhor da tradição adventista. Os dissidentes, entretanto, parecem mais interessados em sua agenda de “reformas” sem referência séria à “verdadeira piedade” (o objeto da reforma) ou ao reavivamento, sob o ministério do Espírito (o fundamento e método da reforma). Reavivamento da verdadeira piedade não apenas deve preceder qualquer tentativa de reforma, mas é precisamente aquele que garante a autenticidade desta.

Sem reavivamento, realidade que tem dimensão primariamente pessoal, as tentativas de reforma freqüentemente se degeneram em atos de depredação e anarquia. Por causa da natureza humana caída, facilmente buscamos iniciar reformas começando fora de nós, com os outros. Tal mentalidade, contudo, deixa de perceber tanto a necessidade individual da reforma, como a hipocrisia da atitude de expor as faltas dos outros. Difícil, mas precisamente por onde devemos recomeçar, é reconhecer nossa própria necessidade e iniciar interiormente a reforma.

Uma dificuldade adicional com os “reformadores” é que eles fazem uma confusão elementar entre reforma e independência. No fundo, portanto, o que se busca não é a verdadeira reforma, mas independência da autoridade da Igreja organizada, um substituto precário para aquilo que realmente necessitamos. De maneira superficial, os “reformadores” imaginam que todos os males desaparecerão simplesmente por mudarmos a “presente ordem” de coisas. Essa foi precisamente a ilusão marxista, adotada pelo comunismo, na luta contra o vilão capitalista. Resultado? O registro da História está aberto para a comprovação. Os opressos revolucionários, depois subverteram o sistema e destronaram aqueles a quem julgavam os dragões a serem aniquilados, tornando-se invariavelmente os novos opressores, repetindo os mesmos erros que condenavam.

Tal mentalidade está em manifesta oposição à ótica de Jesus Cristo que identificou a raiz dos problemas e das distorções humanas, conectando-as com sua causa profunda: o coração inconverso. É daí que procede a longa lista de males denunciados por Ele em Mateus 15:19. Assim o Senhor expôs a futilidade dos tratamentos superficiais e das soluções cosméticas.

Mudanças no sistema são muitas vezes necessárias, e não deveriamos fechar os olhos para elas. São precisamente tais mudanças que, por vezes, criam a possibilidade de conversão para aqueles que se acomodaram a práticas que colocam em dúvida a sinceridade do nosso testemunho corporativo. Mas erramos ao absolutizar ou radicalizar tal necessidade de “reforma”, como se o sistema fosse a única ou a primeira coisa a ser reformada. Os defensores da independência, alegando as distorções estruturais, deveriam ouvir com atenção as sérias palavras de advertência de Ellen White:

“Se o mundo observar uma perfeita harmonia existindo na Igreja de Deus, esta será uma poderosa evidência em favor do cristianismo. Dissensões, diferenças infelizes e rusgas, desonram o nosso Redentor. Tudo isto poderia ser evitado se o eu se submetesse a Deus e os seguidores de Cristo obedecessem à voz da Igreja. A descrença sugere que a independência individual aumenta a nossa importância, e que é fraqueza submeter nossas próprias idéias e direitos ao adequado veredicto da Igreja; mas deixar-se dominar por tais sentimentos e pontos de vista é inseguro e trará anarquia e confusão… Que o julgamento individual submeta-se à autoridade da Igreja.”13

Expressões tais como “obediência à voz da Igreja”, “submissão à autoridade da Igreja”, “independência individual” como resultado da descrença, “submissão [de sentimentos e pontos de vista] ao veredicto da Igreja” podem parecer ofensivas àqueles que escolheram o caminho da dissidência. Contudo, a integridade espiritual e intelectual exige que, se alguém diz crer no dom de profecia, e utiliza os textos da Sra. White quando estes parecem convenientes aos seus propósitos, reconheça também a autenticidade e autoridade de outras afirmações, quando estas não concordam com suas idéias “reformadoras”.

“O Redentor do mundo não sanciona experimentos e exercícios em questões religiosas independentes de Sua igreja organizada e reconhecida.”14 Estabelecer questões religiosas de maneira independente da Igreja de Deus organizada, não é algo sancionado por Cristo e abre o caminho para o escândalo, a descrença de outros e para a anarquia. Essas não são questões leves, inocentes ou inconseqüentes. As palavras de Ellen White, nesse texto, são de uma clareza inconfundível, que as colocam além da possibilidade de dúvida razoável.

A integridade cristã exige darmos atenção a declarações tais como: “Eu sei que o Senhor ama a Sua Igreja. Ela não deve ser desorganizada ou fragmentada em átomos independentes [congregacionalismo?] Não há a mínima consistência nisto: não há a mínima evidência de que isto deva acontecer.”15 Ainda no livro Mensagens Escolhidas ela adverte no sentido de que “não podemos desviar-nos agora do fundamento estabelecido por Deus. Não podemos agora entrar em nenhuma nova organização; pois isso significaria apostasia da verdade.”

E mais: “Deus tem uma Igreja sobre a Terra, a qual é o Seu povo escolhido. Ele não está liderando grupos separatistas. Ele não está liderando um aqui e outro lá, mas um povo. 17

Em resposta a tais conselhos inspirados, alguns pregoeiros da separação e do congregacionalismo sugerem que as citações positivas acerca da Igreja organizada não se lhe aplicam mais, devido à sua condição atual. Contudo, tal linha de raciocínio não encontra endosso em outras afirmações da mesma autora. Ao contrário, Ellen White afirma sua convicção positiva, inquebrantável, quanto ao futuro da Igreja: “Sou instruída a dizer aos adventistas do sétimo dia em todo o mundo: Deus chamou-nos como um povo para sermos-Lhe particular tesouro. Ele designou que Sua Igreja na Terra esteja perfeitamente unida no Espírito e conselho do Senhor dos exércitos até ao fim do tempo.”

“Nenhum conselho ou sanção é dado na Palavra de Deus para que os que crêem na mensagem do terceiro anjo sejam levados a supor que podem agir independentemente. Podeis assentar isso para sempre em vossa mente. São as maquinações de espíritos não santificados que tendem a promover um estado de desunião. … Não deve haver separações neste grande tempo de prova.”19

Evidentemente, não cabe a ninguém pronunciar julgamento sobre os motivos e razões daqueles que assumem o papel de “reformadores” da Igreja, impiedosamente atacando seus males reais ou imaginários. Tal julgamento pertence a Deus que sabe o que está dentro de cada um. Por outro lado, é dever deles próprios, em boa consciência, examinarem o que realmente os impele e anima. Seria, entretanto, uma grosseira ilusão, tanto dos pretensos reformadores como da sua audiência, imaginar que o espírito e as intenções dissidentes sejam invenções da última década do século 20. Há mais de cem anos, Ellen White escreveu:

“O espírito de nos separarmos de nossos companheiros de trabalho, o espírito de desorganização, está no próprio ar que respiramos. Por alguns, todos os esforços para estabelecer a ordem são considerados perigosos – uma restrição à liberdade pessoal, e, daí deverem ser temidos como sendo o papismo. Declaram que não aceitarão qualquer dito do homem: que não são responsáveis para com nenhum homem. Fui instruída de que é um esforço especial de Satanás levar homens a sentir, a julgar que Deus Se agrada de que escolham seu próprio rumo, independente do conselho de seus irmãos…

“Oh, como se regozijaria Satanás, se pudesse ter êxito em seus esforços de se insinuar entre este povo, e desorganizar o trabalho, num tempo em que é essencial uma completa organização, e será este o maior poder para manter afastados os movimentos espúrios e para refutar declarações não endossadas pela Palavra de Deus! Temos que conservar uniformemente as nossas fileiras, para que não haja quebra no sistema de método e ordem que foi construído por um trabalho sábio e cuidadoso. Não se deve dar permissão a elementos desordenados que desejam dominar a obra neste tempo.

“Alguns têm apresentado o pensamento de que ao nos aproximarmos do fim do tempo, todo o filho de Deus agirá independentemente de qualquer organização religiosa. Mas fui instruída pelo Senhor de que nesta obra não há coisa que se assemelhe a cada homem ser independente. … E para que a obra do Senhor possa avançar de maneira sadia e com solidez, deve Seu povo unir-se.”20

A voz profética aos adventistas adverte com absoluta firmeza que o resultado da independência será a confusão e o caos. “Não é bom sinal quando os homens se recusam a unir com seus irmãos, e preferem agir sozinhos. Em vez de se isolarem, aproximem-se em harmonia de seus colaboradores. A menos que assim façam, sua atividade funcionará no tempo impróprio e da maneira errada. Freqüentemente trabalharão num sentido contrário àquele em que Deus trabalharia, e assim seu trabalho é mais do que perdido.”21

Responder a tão claras afirmações com a alegação de que “tentamos trabalhar com a Igreja, mas a apostasia dela torna impossível pregar a verdade dentro de sua estrutura, pode parecer um argumento sincero, mas realmente não passa de um mero álibi, envenenado por uma atitude de enorme justiça própria. Tal desculpa reflete, na melhor das hipóteses, a suspeita de uma irrealidade, e na pior delas, uma escusa superficial para rebelião aos conselhos inspirados. Como afirmado na citação anterior, o que está em jogo aqui não é o mero desperdício de esforços, mas um extraordinário potencial para a destruição. E isso deveria ser motivo de séria reflexão para aqueles que se aventuram pelo caminho da dissidência. (Continua) ☆

AMIN A. RODOR, Th.D., professor de Teologia, pastor da igreja adventista portuguesa em Toronto, Canadá

Referências:

1 Marvyn Maxwell, “The remnant in SDA thought”, em Adventists Affirm, vol 2, n° 2. outubro de 1988, págs. 13-20. Ver também Seventh-day Adventists Believe. Hagerstown, MD: Review and Herald Publishing Association, 1988, págs. 161-169.

2 Ellen G. White, O Grande Conflito, pág. 390: Patriarcas e Profetas, pág. 447.

3 Steve Daily, Adventism for a New Generation. Portland; Better Living Publishers, 1992, pág. 314.

4 Don F. Neufeld, editor, Seventh-day Adventist Encyclopedia, Washington, D.C., Review and Herald Publishing Association, 1976, pág. 1200.

5 George Knight, Millenial Fever and the End of the World: A Study of Millerite Adventist. Boise, Idaho, Pacific Press Publishing Association, 1993, págs. 295-325.

6 Ver o 128° Annual Statistical Report – 1990, Silver Spring, MD, Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, 1990, pág. 42.

7 Clyde Hewitt, Midnight and Morning, Charllote, NC, Venture Books, 1983, pág. 275.

8 William Johnsson, The Fragmenting of Adventism, Boise, Idaho; Pacific Press Publishing Association, 1995.

9 George Knight, The Fat Lady ín the Kingdon. Boise, Idaho; Pacific Press Publishing Association, 1995.

10 Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. I. pág. 121.

11 Ibidem, pág. 124.

12 Ibidem, pág. 128.

13 Idem, Testimonies for the Church, vol. 4. pág. 19.

14 Idem, Sketches for the Life of Paul. pág. 31.

15 Idem, The Remnant Church, pág. 53.

16 Idem, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 390.

17 Idem, Review and Herald, vol. 3, pág. 82.

18 Idem, Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 397. 

19 Ibidem, vol. 3, pág. 21.

20 Idem. Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, págs. 488 e 489.

21 Ibidem, pág. 490.

O conceito de remanescente é bíblico, portanto, divino.

“A cada 48 segundos uma pessoa é batizada na Igreja Adventista ao redor do mundo.”

“Precisa haver reavivamento e uma reforma, sob a ministração do Espírito Santo.”

“Não deve haver separações neste grande tempo de prova.”