A doutrina do pecado original foi motivo de controvérsia desde o princípio, variando as posições desde o extremo da imputação dele a todos, com uma conseqüente culpabilidade e condenação universais, até o outro extremo da total isenção da raça humana mesmo dos mínimos efeitos ocasionados por ele. Tentaremos, neste estudo, determinar o conceito tradicional do tema, seu desenvolvimento e sustentação histórica, e finalmente situar a posição adventista, a nosso ver mediana entre os extremos.
Segundo a tradição cristã clássica, o pe-cado original é caracterizado pela pecaminosidade e culpabilidade universal e hereditária do homem desde a queda. É contrastado com pecado real, isto é, a violação consciente da Lei de Deus, por pensa-mento e por ato, fruto do pecado original.
Pecado original não se refere à origem do pecado como tal; não é um conceito temporal, mas teológico. Historicamente falando, Eva pecou antes de Adão.
É o primeiro pecado de Adão que é reputado como pecado original, e se torna a fonte de todos os outros pecados, inclusive os do próprio Adão. Assim, os demais pecados de Adão não estão incluídos no pecado original. Suas conseqüências e razão delas, segundo o conceito, podem ser observadas nestas palavras de Strong: “O pecado de Adão é a causa e a base da depravação, culpa e condenação de toda a sua posteridade, simplesmente porque Adão e sua posteridade são um, e, em virtude de sua unidade orgânica, o pecado de Adão é o pecado da raça.” (Systematic Theology, pág. 594). Isso significa que “o pecado de Adão é imputado, contado, ou responsabilizado a cada membro da raça da qual ele foi o germe e cabeça”. (Ibidem)
Desenvolvimento da doutrina
Ingredientes da doutrina do pecado original são encontrados em Justino Mártir (100-165 a.D.), Irineu (130-200 a.D.), Tertuliano (150-225 a.D.) e Orígenes (185-254 a.D.). Este último era preexistencialista quanto à alma humana, isto é, ele cria que a alma antecede o corpo em sua existência. Baseado nisso, Orígenes ensinava que a humanidade fora criada para a disciplina e purificação de almas, ou espíritos, que haviam caído no pecado. Para ele, por-tanto, o pecado original situa-se antes da queda de Adão propriamente dito.
Santo Agostinho (354-430 a.D.) formulou definitivamente a doutrina, ligando-a ao pecado de Adão. Para ele, os anjos e o homem foram criados com a faculdade de permanecerem leais ou se rebelarem contra Deus. Alguns anjos se rebelaram e seduziram o homem, que a exemplo daqueles, foi condenado à ignorância, ao desejo insaciável e à concupiscência. O homem se tornou uma presa das paixões e não pode por seu próprio recurso recuperar seu estado anterior ao da queda.
O pecado de Adão corrompeu toda a raça que se tornou uma massa de pecado, no sentido de que o pecado original, qual fermento na massa, permeou toda a raça. Portanto, embora tenha sido cometido apenas por Adão, o pecado original é visto em toda a humanidade.
Para esse teólogo, o pecado original não é de natureza psicológica, mas metafísica; isto é, tem a ver com a constituição do ser. Os humanos não apenas herdam de Adão a tendência para o pecado, mas o próprio pecado de Adão com sua culpa. A idéia é que em nosso primeiro pai, todos, indistintamente, comemos o fruto proibido. Resumindo, o pecado de Adão é transmitido a todos os homens e os torna culpados. Adão é visto como (1) o pai físico da raça. Na qualidade de descendentes de Adão, os homens são pecadores porque herdam seu pecado. A tendência pecaminosa tanto quanto a culpa são transmitidas pelo processo da geração. Trazemos o mal em nossos genes. Nossa própria tendência é tomada como pecado, daí a lógica da culpa. (2) O representante da raça. Todos os homens são pecadores em Adão, e com ele participaram de seu pecado. Adão pecou, todos pecaram nele. Há um tipo de solidariedade de todos no pecado e na culpa de Adão.
Deus imputa a cada ser humano o pecado de Adão. Conseqüentemente, todos são culpados do mesmo. É um pecado contraído e não cometido. No entanto, é um pecado de cada um. Não se contrai por imitação, mas por herança e imputação.
Em contrapartida, Pelágio, monge britânico contemporâneo de Agostinho, não aceitou o pecado original sustentado por este. Seus postulados básicos eram os seguintes:
- 1) A humanidade não se fez presente em Adão. A idéia de representação não existe.
- 2) Deus não exigiría do homem o que este não pudesse fazer. A vontade humana deve ser considerada para fazer o bem ou o mal. Essa liberdade não foi perdida em Adão.
- 3) Pecado só tem sentido como ação, e nunca como condição. Assim, a morte de qualquer ser humano é natural e não por castigo pelo pecado de Adão.
- 4) A morte que Adão sofreu foi natural e não um castigo pelo pecado. Assim a morte de qualquer ser humano é natural e não punição do pecado de Adão.
- 5) O pecado é universal devido ao hábito universal do homem pecar.
- 6) O pecado original é mais de caráter psicológico do que espiritual, pois a contínua insistência no fato de que o homem é depravado e debilitado condiciona-o ao pe-cado. Isso, somado à realidade da presença do mal, faz o homem pender mais para o pecado, mas não significa que ele não pos-sa praticar o bem, se assim o decidir.
- 7) A queda trouxe a morte espiritual de Adão; porém, atingiu a sua posteridade somente como exemplo.
Pelágio afirmava não aceitar a idéia do pecado original porque se dizia criacionista, isto é, afirmava que cada pessoa vem ao mundo com uma alma criada diretamente por Deus em estado de inocência, livre das tendências depravadas e com a mesma capacidade de servir a Deus como teve Adão no momento de sua criação.
Pelágio foi acusado por Agostinho de desprezar a graça e considerá-la desnecessária, podendo o homem salvar-se a si próprio. E embora ele negasse ser essa a sua posição, em 418 a.D., o Concilio de Cartago condenou suas conclusões.
Os reformadores
Lutero equiparava o pecado original com a concupiscência, e seguiu Agostinho de perto. De acordo com a confissão de Augsburgo, “após a queda todos os homens gerados segundo o curso normal da natureza são nascidos em pecado. Esta afinidade, ou falha original, é verdadeiramente pecado, condenando e trazendo morte eterna, inclusive agora, sobre todos os que não são nascidos de novo pelo batismo e pelo Espírito Santo”.
Melanchton ensinava que devido à queda de Adão, todos os homens que nascem naturalmente são concebidos e nascem em pecado, isto é, que todos eles estão cheios de concupiscência e de más inclinações desde o seio materno, e não podem, por natureza, ter nenhum temor de Deus nem uma verdadeira fé nEle; que a mesma concupiscência e o pecado original inatos são verdadeiros pecados, e todos os que não nasceram pelo batismo e pelo Espírito Santo são condenados pela ira eterna de Deus.
Calvino admitiu também o pecado original e a incapacidade do homem servir a Deus.
Fazendo coro com os reformadores, a Igreja Anglicana sustenta o mesmo ponto de vista: “O pecado original é a falta e corrupção de todo homem por meio das quais todo indivíduo está separado de sua retidão original e é, por sua própria natureza, inclinado ao mal, de maneira que a carne tem sempre desejos contrários ao espírito; e, portanto, cada pessoa nascida neste mundo merece a ira e a condenação de Deus.”
Dentre os reformadores, “somente Zwínglio rompeu radicalmente com a doutrina agostiniana. Sem negar que Adão trouxe corrupção universal sobre a huma-nidade, ele admitia a culpa somente quando a inclinação para o mal fosse apropriada por um ato da vontade. Fora disso, a inclinação é apenas uma enfermidade ou moléstia”. (The New Schaff-Herzog Religious Encyclopedia, artigo “Pecado”, vol. 10, pág. 436). É interessante que, embora Zwínglio mantivesse essa posição e defendesse ardorosamente a Bíblia como única autoridade em matéria de fé e doutrina, ele jamais repudiou o batismo infantil, conforme evidenciado em suas calorosas discussões com os anabatistas. Mais tarde, Armínio (1560-1609), professor da Universidade de Lyden, na Holanda, tornou-se o principal expositor da posição de Zwínglio quanto ao pecado original. Mesmo reconhecendo o conceito da solidariedade da raça com Adão, ele se opôs à doutrina do pecado original nos seguintes termos:
- 1) Os homens, enquanto na transgressão de Adão, estão destituídos da justiça original e devem sofrer as conseqüências da miséria e da morte.
- 2) Os homens herdam de Adão a incapacidade da obediência a Deus, gerada pe-la tendência para o pecado.
- 3) A má tendência e o estado pecaminoso podem ser chamados pecado, mas não envolvem em si mesmos culpa ou punição; menos ainda deve cada membro da humanidade ser considerado culpado do pecado de Adão. O homem herda o pecado somente como enfermidade e má tendência, nunca como imputação do ato de Adão, ou como culpa herdada.
- 4) Deus somente imputa como pecado as tendências herdadas quando o homem conscientemente permite que elas o levem a pecar.
- 5) A morte deve ser encarada como conseqüência do pecado e não como pena partilhada pela humanidade do pecado de Adão. Essa conseqüência se deve ao fato de que todos transformam em atos pecaminosos suas tendências herdadas para o pecado.
- 6) Sem Cristo, o homem não pode alcançar a vida eterna.
- 7) Tão logo o homem atinja condição de consciência, Deus lhe provê a influência do Espírito Santo, para que possa resistir à tendência para o pecado. A condição de obediência é assim providenciada.
- 8) O homem deve cooperar com Deus, colocando sua vontade ao lado de Deus.
Posição adventista
Os metodistas são atualmente os principais representantes da posição de Armínio. Os adventistas do sétimo dia não são totalmente arminianos; apenas se aproximam do seu pensamento. A exemplo de Armínio, não admitimos que cada ser humano deva ser responsabilizado pelo peca-do de Adão e que Deus considera a cada um culpado daquela transgressão. “Só nos tornamos culpados quando resolvemos pecar”, diz Hebert Kiesler (Lição da Escola Sabatina, 4º trimestre de 1990, ed. do professor, pág. 64). Mesmo assim, julgamos questionável que, após a nossa primeira transgressão. Deus nos culpe do pecado de Adão. Se é isso que o Dr. Kiesler está dizendo, fica difícil entender que esta circunstância, o nosso primeiro pecado, justifique a ação divina de nos fazer culpados de um pecado que não nós, mas Adão haja cometido.
Tudo o que podemos dizer com segurança é que herdamos de Adão, por descendência o status de pecadores, e esta-mos sujeitos às implicações dessa condição, inclusive o de nascermos sob conde-nação – Paulo diz que antes da conversão os homens são “por natureza filhos da ira” (Efés. 2:3) -, simplesmente porque nosso primeiro pai não poderia transmitir outra coisa aos seus descendentes. Em nossa crença fundamental n° 7, afirmamos que os descendentes de Adão partilham de sua “natureza caída [portanto, pecaminosa e perdida] e de suas conseqüências. Nascem com fraquezas e tendências para o mal”. (Nisto Cremos, 1989, pág. 114). “A universal pecaminosidade da raça humana constitui evidência de que por natureza tendemos ao mal e não ao bem.” (Ibidem, pág. 132). Isso significa que a raça derivada de Adão estaria literalmente perdida não fosse o plano de salvação idealizado e realizado por Deus. “A imortalidade, prometida ao homem sob condição de obediência, foi perdida pela transgressão. Adão não poderia transmitir à sua posteridade aquilo que não possuía; e não pode-ria haver esperança alguma para a raça decaída se, pelo sacrifício de Seu Filho, Deus não houvesse trazido a imortalidade ao seu alcance.” (O Grande Conflito, págs. 532 e 533).
Essa afirmação de Ellen White dá a entender que se Cristo não Se dispusesse a ser o Salvador, a história humana atual começaria com a queda, como realmente começa, e terminaria na dissolução da mor-te. Daí ela dizer que “não haveria esperança alguma para a raça decaída” não Se dispusesse Cristo a vir em seu socorro. Me-diante o plano da redenção, todavia, os homens devem responder diante de Deus. Eles morrem e ressuscitarão para receber a recompensa eterna em termos de salvação ou perdição. Mas os que estiverem perdidos então, assim estarão não porque o pe-cado de alguém lhes foi imputado, mas porque rejeitaram a graça salvadora e preferiram permanecer em seus próprios peca-dos. É por isso que, mediante o evangelho, a substância do pecado passa a ser a incredulidade, ou mais precisamente rejeitar a Cristo como Salvador (ver João 16:9). E quando chegar o tempo do ajuste final, to-dos os membros da humanidade, indistintamente todos, terão assumido o seu posicionamento em relação a esse fato. E é também por isso que, naquele dia, nenhum perdido poderá responsabilizar Adão por não estar salvo.
Viver, não importa quanto tempo, e depois morrer é, evidentemente, conseqüência natural do primeiro pecado, mas não é determinado pela imputação desse peca-do. Dizer que aquele pecado deve ser imputado a cada ser humano porque Adão é cabeça da raça e todos somos solidários com ele, nos leva a indagar a razão por que não foram imputados a cada ser humano todos os demais pecados de Adão, mas somente o primeiro. Teríamos deixado de ser solidários com ele após a queda? Não é muito mais sensato admitir a transmissão biológica e espiritual de uma situação originada com a queda, sem qualquer sentido de imputação, situação esta que, para existir, bastou o primeiro pecado de Adão? Para essa posição existe pelo menos a comprovação da experiência humana.
Quanto à posição tradicional da doutrina, todavia, os próprios que a esposam reconhecem não passar de uma hipótese, como bem o define Strong: “Devemos lembrar, contudo, que enquanto esta teoria do método de nossa união com Adão é meramente uma valiosa hipótese, o pro-blema que ela procura explicar, em ambos os termos, é-nos apresentado pela consciência e pela Escritura.” (Systematic Theology, pág. 625). Não está fora de questão se realmente explica o problema, mas as passagens bíblicas geralmente alegadas como suporte para a doutrina são: II Cor. 5:14: I Cor. 15:21; Sal. 51:5; Heb. 7:9 e 10 e, particularmente, Rom. 5:12-21 (com ênfase nos versos 12 e 14).
Aparentes dificuldades
A posição adventista sobre a questão do pecado original encontra, porém, algumas dificuldades aparentes, conforme analisadas a seguir:
- 1) Paulo afirma que todos nós pecamos em Adão. Bem, tudo o que o apóstolo afirma na parte final de Rom. 5:12 é que, com a queda, o pecado ganhou feições universais. De Adão, todos os membros da humanidade herdaram o status de pecador, “todos se tornaram pecadores”. Através da desobediência de Adão, portanto, o pecado com suas implicações atingiu a todos. Nesse aspecto, é aceitável a idéia de nossa solidariedade com Adão. “É a desobediência
Nenhum perdido poderá responsabilizar Adão por não estar salvo.
que torna pecadora uma pessoa, e não meramente seus próprios atos de pecado (desobediência). Isto está em harmonia com o pensamento hebreu de solidariedade”, afirma Norman R. Gulley (“Preliminary Consideration of the Effects and Implications of Adam’s Sin”, Adventist Perspectives, 1988, vol. II, n° 2, pág. 36). Isso quer dizer que primariamente pecamos porque somos pecadores, e não que somos pecadores porque pecamos. Mas afirmar que Paulo está declarando que todos nós pecamos o peca-do de Adão é exagerar o significado de suas palavras. A idéia básica é a universalidade do pecado e da morte; no dizer de Charles Erdman, “dado necessário para que Paulo possa com ele comparar a larga influência da obra salvadora de Cristo” (Comentário de Romanos, pág. 69). O pecado não é um simples ato individual, mas, como lembra John Robinson, acha-se “entretecido na contextura da própria humanidade”. (Wres-tling with Romans, pág. 62). Nossa própria natureza pecaminosa, que herdamos de Adão, é, ela mesma, pecado e, portanto, inimizade contra Deus (Rom. 8:7; ver Gulley, págs. 37 e 38 e Nisto Cremos, 1989, págs. 131 e 132).
- 2) O ensino de Paulo deixa claro que a justiça de Cristo é imputada a todo aquele que crê, isto é, a todo aquele que se torna membro da humanidade que O tem por cabeça. Já que o apóstolo, em Rom. 5, estabelece uma analogia entre Cristo e Adão, temos de convir que o pecado deste é, da mesma forma, imputado àqueles que são membros da humanidade que o têm por cabeça. É inegável que Paulo usa de analogia em sua argumentação, mas devemos notar que essa analogia não é perfeita. O próprio apóstolo nos lembra esse fato nos versos 15 e 16. O paralelo se desenvolve numa forma de contraste que estabelece uma equivalência apenas parcial. Em ponto algum Paulo fala em imputação de pe-cado, salvo no verso 13, onde transparece o sentido de pecados pessoais. Tudo o que podemos deduzir, com segurança, é que a imputação da justiça de Cristo ao pecador crente é algo que Deus realiza para reverter a situação do homem desde a queda. Essa situação, todavia, é uma questão de condicionamento e não de imputação. Esse condicionamento significa que o homem nasce subordinado já aos efeitos do peca-do, introduzidos pela desobediência de Adão, conforme Gulley.
- 3) Como é possível a um ser humano nascer sob condenação, se não há imputação de pecado à criança ao nascer? Não afirma Paulo que da ofensa de um só (Adão) deriva o juizo para condenação de todos (vs. 16 e 18)? Isso não comprova a idéia da imputação? Não comprova, desde que lembremos que Paulo fala em juízo e condenação em termos de Gên 2:17 e 3:16-19, 22-24 (que é o contexto do Velho Testamento daquilo que ele tem em vista em Romanos 5), e não do juízo final, que é decorrência do plano da redenção (cf. Rom. 2:4-16, princípalmente a última par-te do verso 16), tanto quanto ele fala da morte não em termos da morte eterna a ser infligida no final, como costumamos referir, como punição àqueles que rejeitarem a graça, mas como algo em operação desde a queda, e que resulta na dissolução imposta pelo pecado, o que de qualquer forma confirmaria, não fosse a intervenção salvífica de Deus, a total e definitiva alienação dEle. Esse tipo de juízo, condenação e morte faz parte do pacote que todos recebemos de nosso primeiro pai, ao nos legar ele uma condição pecaminosa, que por si só é pecado e está em necessidade de redenção. Para fazer face a esse pacote, Deus entrou com o plano da redenção, co-mo diz Paulo, muito mais abundante em suas provisões. Esse plano não enfrenta apenas esse pacote, mas também a toda uma vida de pecados próprios de toda a humanidade. Todo o problema do pecado, diz Paulo, “deriva de uma só ofensa [a de Adão]”, mas o que Deus fez tem em vista “muitas ofensas [as de Adão, incluindo a primeira, e as de todos os seus descendentes, com todas as suas implicações], para a justificação” (v. 16).
- 4) Ellen G. White afirma explicitamente que a humanidade partilha da culpa de Adão. Os trechos que poderiam ser citados e que aparentemente favorecem essa idéia são os seguintes: “O pecado de nos-sos primeiros pais acarretou a culpa e a tristeza sobre o mundo, e se não fora a bondade e misericórdia de Deus, teria mergulhado a raça humana em irremediável desespero.” (Patriarcas e Profetas, pág. 55). “Com relação ao primeiro Adão, os homens nada receberam dele senão a culpa e a sentença de morte. Mas entra Cristo e passa pelo terreno em que Adão caiu, suportando cada prova em favor do homem.” (SDABC, vol. 6, pág. 1074: Orientação da Criança, pág. 475). Essas declarações precisam ser entendidas à luz do que ela diz sobre o assunto. Para ela, um filho não se torna culpado dos pecados dos pais, embora sofra as conseqüêncas dele, a não ser que participe desse pecado (ver Patriarcas e Profetas, págs. 112 e 113; O Grande Conflito, págs. 24 e 25). “A culpa trazida sobre o mundo pelo pecado de Adão resulta do fato de que a natureza decaída é predisposta a escolher o pecado”, diz Kiesler. E ajuntamos que não somos apenas predispostos a escolher o pecado, mas que acabamos por escolhê-lo, mesmo por praticá-lo. “Não há homem justo sobre a terra, que faça o bem e que não peque.” (Ecles. 7:20). Somos tão culpados do pecado, quando o cometemos, quanto Adão se tornou culpado ao pecar. A culpa é contraída não por imputação mas por comissão.
- 5) Segundo a doutrina tradicional, uma criancinha se salva mediante o batismo que a liberta da mácula do pecado original. Todavia, a maneira como os adventistas entendem a questão do pecado original implica que todas as criancinhas indistintamente estejam salvas. Não necessariamente. Não se deve olvidar que a Igreja admite o nascimento sob condenação, segundo o exposto acima, e que escapamos dessa condenação apenas pelo exercício da fé em Jesus como Salvador pessoal. Portanto, o batismo aplicado a uma criancinha que está impossibilitada de crer por não possuir ainda a consciência moral, não tem valor para a salvação. Que uma pessoa não está salva meramente por ser uma criancinha com tenra idade, deduz-se do fato de que no passado o próprio Deus, em determinadas ocasiões e circunstâncias, não poupou a vida delas (como no caso do dilúvio, por exemplo). Portanto, uma criança recém-nascida necessita do Salvador para ser salva, e se necessita do Salvador é porque ela é pecadora. Aliás, é-nos dito que já ao ser-mos concebidos, e não apenas em nosso nascimento nove meses mais tarde, o pecado se faz presente (Sal. 51:5). É por isso que o novo nascimento é algo necessário para a salvação. “Ao passo que o nascimento natural marca todas as pessoas com os resultados da transgressão de Adão, todo aquele que experimenta o nascimento espiritual recebe os benefícios da perfeita vida e do perfeito sacrifício de Cristo… A rebelião de Adão resultou em pecado, condenação e morte para todos. Cristo inverteu a tendência descendente.” (Nisto Cremos, 1989, pág. 162).
É possível que com muitas criancinhas venha a ocorrer, com respeito ao destino eterno, o mesmo que Ellen G. White afirmou de certas pessoas que, degradadas ao extremo, tiveram suas faculdades morais imergidas totalmente na vontade e decisão de terceiros, isto é, não possuíram consciência moral: “Deus não pode levar para o Céu o escravo que tem sido conservado em ignorância e degradação, nada sabendo sobre Deus ou da Bíblia, nada temendo senão o açoite do seu senhor e conservado em posição mais baixa que a dos brutos. Mas Deus faz por ele o melhor que um Deus compassivo pode fazer. Permite-lhe ser como se nunca tivesse existido.” (Primeiros Escritos, pág. 276).
Por outro lado, os adventistas acreditam na salvação de muitas criancinhas em vista da fé dos pais (Mensagens Escolhi-das. vol. 3, pág. 314), isto é, elas se salvam como uma extensão de seus pais. Sobre as alegrias ocasionadas pela ressurreição no dia da volta de Jesus, Ellen White afirma: “Criancinhas são levadas pelos santos anjos aos braços de suas mães.” (O Grande Conflito, pág. 643). Ela fala também de pequeninos que não terão mãe no reino eterno e serão cuidados pelos anjos (Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 260). Estariam salvos sem os seus pais pelo fato de ao morrerem estarem estes em comunhão com Deus e virem a se apostatar de-pois? Não sabemos ao certo. Quem sabe esses pequeninos, de quem ela fala, estavam já numa idade que lhes permitia aceitar Jesus como seu Salvador, e haviam morrido crentes (cf. Mat. 18:1-6). O assunto da salvação das crianças de tenra idade é delicado e controvertido, e para determinadas questões, o silêncio é a melhor resposta. É possível que não estejamos autorizados a dizer que todas as criancinhas de pais que professam crer estejam salvas, e que todos os filhinhos de pais considerados descrentes estejam perdidos. Ellen White também reconhece que “muitos pais descrentes dirigem seus filhos com maior sabedoria do que muitos dos que pretendem ser filhos de Deus. Eles fazem grande esforço por seus filhos, a fim de torná-los bondosos, corteses, altruístas, e para ensiná-los a obedecer, e neste sentido os descrentes manifestam maior sabedoria do que os pais que possuem a grande luz da verdade, mas cujas obras não correspondem absolutamente com sua fé”. (Ibidem, vol. 3, pág. 315). Dessa forma, “o procedimento dos pais está determinando o bem-estar futuro de seus filhos”. (Idem).
Uma coisa, entretanto, é certa: um Deus que Se deleita na salvação dos perdidos a ponto de providenciar todos os recursos pa-ra que isso aconteça, agirá com justiça, misericórdia e amor em todos os casos.
A saída
Tentamos responder, neste estudo, a pergunta: “somos culpados de um crime -a transgressão inicial de Adão – que não cometemos?” Não. Deus não nos culpa por um pecado que não praticamos. Mas este é apenas um lado da moeda. Enquanto o primeiro pecado do primeiro homem não é imputado a mais ninguém, é inegável que esse pecado fez com que todos nos tornássemos pecadores, sujeitos às tristes conseqüências do mal. Herdamos de Adão não o seu pecado, mas a condição que es-te determinou a ele e a todos os que dele procedem. É por isso que, sem exceção, to-dos, independente de nacionalidade, sexo, condição social, idade, etc., necessitam do plano da redenção para serem salvos. E quanto a tal plano, o testemunho bíblico é claro: “E não há salvação em nenhum outro: porque abaixo do Céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.” (Atos 4:12). Esse nome é Jesus.
E quanto a nós, para cujo benefício o plano foi suprido, não nos cabe outra coisa senão aceitar a provisão divina nos termos da fé: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa.” (Atos 16:31). Com isso, o problema do pecado, como condição e prática, não importa o conceito, fica totalmente resolvido. E não é o que todos queremos?