Um número crescente de pessoas em algumas comunidades cristãs tem questionado e assumido posição contrária ao uso do nome Jesus, para designar o Filho de Deus, o Redentor encarnado, cuja vida, ministério, morte e ressurreição estão claramente apresentados nas páginas do Novo Testamento. Tais pessoas têm argumentado que o nome Jesus é de origem pagã, uma combinação de diferentes nomes de deuses pagãos do panteão greco-romano. Esse nome teria sido criado por Jerônimo, no quarto século a.D., sob ordens dos bispos de Roma, e esconde em si uma blasfêmia e difamação do nome sagrado do Redentor, o qual seria, em hebraico, Yehôshua.
Muitos cristãos sinceros têm ficado perplexos diante dos argumentos apresentados pelos defensores dessa ideia; e, por não conhecerem a origem do nome Jesus, não têm podido avaliar esses argumentos e dar uma resposta adequada à questão. A fim de ajudar àqueles que se preocupam com o problema, vamos analisar, neste artigo, qual é a origem do nome Jesus, investigando o modo como esse nome chegou até nós, e, finalmente, discutir a validade do Seu uso.
O nome Iesus era a forma usada por cristãos da antiguidade, cuja língua materna era o latim, para referir-se aos personagens dos Antigo e Novo Testamentos que tinham o nome de Josué ou Jesus. Isso é evidenciado pelo fato de o nome Iesus aparecer nas primeiras versões bíblicas para o latim, feitas no segundo século a.D., como também na Vulgata, a tradução latina da Bíblia feita em grande parte por Jerônimo, no quarto século a.D., que se tornou a versão oficial da Igreja
Católica.1 Esse nome é simplesmente a transliteração natural do grego lesous2 para a escrita latina.
Quanto à expressão grega lesous. ela representa a transliteração grega comum do nome hebraico Yehôshua (Josué), ou de sua forma abreviada Yeshua (Jesus). O som de “sh” da letra hebraica shin é sempre transliterado em grego por um sigma (s). Assim, por exemplo, o hebraico Moshê é transliterado em grego por Mousés. de onde vem a forma latina Moisés. O sigma final do nome lesous é uma característica natural de certos nomes masculinos em grego (indicando o caso nominativo, a forma básica do nome: o mesmo ocorre com o nome Moisés). Na Septuaginta (tradução do Antigo Testamento hebraico para a língua grega), portanto, Josué é sempre referido como lesous. o mesmo acontecendo com o nome de Cristo no Novo Testamento grego.3
A Septuaginta representa a primeira tradução feita do Antigo Testamento. Rabinos judeus, no terceiro século a.C., traduziram o Antigo Testamento (escrito originalmente em hebraico, com algumas porções em aramaico) para a língua internacional mais falada do mundo de então, o grego. Dessa forma, os escritos bíblicos se tornaram acessíveis não só aos judeus da diáspora, que em sua grande maioria não falavam nem entendiam o hebraico nem o aramaico, mas também a todo cidadão do mundo greco-romano da época.4
Os livros do Novo Testamento foram escritos no primeiro século a.D., na sua maioria pelos apóstolos de Jesus Cristo, ou por pessoas que estavam intimamente ligadas a eles. Ainda que Jesus tenha falado e pregado em aramaico, tenha lido as Escrituras em hebraico, e Seus discípulos falassem maiormente o aramaico, os Evangelhos, o livro de Atos, as cartas de Paulo, Tiago, Pedro, Judas, e o Apocalipse de João, foram documentos escritos em grego,5 e todos eles se referem a Cristo como lesous.
Em vista da origem e do uso do nome grego lesous. tanto na Septuaginta como no Novo Testamento, é inaceitável a argumentação de que o nome Jesus é de origem pagã ou que reflete nomes de deuses pagãos. Essa argumentação ignora completamente a história da tradução e transmissão do texto bíblico do Antigo Testamento e da composição do texto do Novo Testamento. Foram rabinos judeus, para o Antigo Testamento, e os próprios apóstolos de Cristo, no Novo Testamento, que registraram o nome lesous no texto bíblico, seguindo as normas linguísticas comuns de transliteração de um nome hebraico para o vernáculo grego.
Quando se lê o Novo Testamento em sua língua original, pode-se ver claramente que Paulo, por exemplo, pregava a Palavra de Deus em grego através do Império Romano, proclamando a salvação tanto a judeus como a gentios, em nome de lesous. Seria impensável imaginar que Paulo não sabia o que ele estava fazendo ou que intencionalmente estaria referindo-se a deuses pagãos quando proclamava esse nome.
Os argumentos usados contra o nome Jesus revelam desconhecimento do fato de que ele aparece abundantemente na literatura judaica desde o terceiro século a.C., até a época de Cristo e dos apóstolos. O historiador Flávio Josefo (35-100 a.D.), escrevendo na língua grega, por exemplo, faz referência a pelo menos 19 personagens judeus que em sua época tinham o nome lesous.6 Assim, ele nada tem a ver com uma criação dos bispos de Roma, por volta do quarto século a.D., misturando nomes de deuses pagãos ou criando uma nova forma de nome para blasfemar do nome de Deus e do Redentor. Esse nome já existia, havia pelo menos 600 anos, no meio judaico, quando Jerônimo (347-420 a.D.) preparou sua tradução da Bíblia ao latim, conhecida como a Vulgata.
Como pudemos observar até aqui, o nome grego lesous é uma transliteração do nome hebraico Yehôshua (Josué), ou de sua forma abreviada Yeshua (Jesus). Na época de Cristo falava-se o aramaico, uma língua muito próxima do hebraico, na qual os nomes em si não sofriam praticamente nenhuma variação de sua forma original hebraica. O uso do hebraico ficava reservado mais ao culto religioso nas sinagogas e no templo em Jerusalém.
Em vista de que lesous pode referir-se tanto ao nome Yehôshua (que significa “YHWH é salvação”), ou de sua forma abreviada Yeshua (que simplesmente significa “salvação”), qual das duas formas teria sido realmente o nome pelo qual Cristo teria sido chamado em sua língua materna?
As duas formas são totalmente plausíveis. No entanto, deve-se notar que a forma abreviada Yeshua parece ter-se tornado a forma mais comum do nome após o exílio babilônico. Já no texto bíblico, por exemplo, em Neemias 8:17, o nome de Josué aparece como Yeshua em vez de Yehôshua. Há também referência a um certo Yeshua, filho de Josadaque (Esd. 5:2). A forma abreviada Yeshua é abundantemente atestada nos ossuários judaicos do primeiro século a.D., encontrados nos arredores de Jerusalém, e em Leontópolis e Tel el-Yehu-dieh, no Egito.7
Tudo isso parece indicar que, nos dias de Jesus, a forma mais usada e popular do nome seria Yeshua, e que este teria sido o nome de Jesus, em vez da forma mais arcaica Yehôshua.8 O texto do Novo Testamento parece indicar isso também, especialmente através do jogo de palavras que aparece nos textos da anunciação e dos cânticos registrados por Lucas, no seu evangelho. Se o anjo Gabriel anunciou a Maria que o nome do Redentor, que estava para nascer, seria Yeshua (Luc. 1:31), que quer dizer “salvação”, esse nome então aparece repetidas vezes nos cânticos registrados nos primeiros capítulos de Lucas. Assim, por exemplo, quando Zacarias canta em Lucas 1:68-79, nos versos 76 e 77, ele teria pronunciado o nome de Jesus, ao dizer: “Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-Lhe os caminhos, para dar ao Seu povo conhecimento da .salvação [Yeshua], no redimi-lo dos seus pecados.”
Simeão, também, ao tomar Jesus nos braços, teria dito: “Agora, Senhor, podes despedir em paz o Teu servo, segundo a Tua palavra; porque os meus olhos já viram a Tua salvação [Yeshua], a qual preparaste diante de todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do Teu povo de Israel.” (Luc. 2:29-32). O mesmo jogo de palavras parece estar presente no texto de Mateus 1:21, onde o anjo do Senhor disse a José, referindo-se a Maria, que “ela dará à luz um filho e Lhe porás o nome de Jesus [Yeshua], porque Ele salvará o Seu povo dos pecados deles”.
O nome e a Pessoa
Ao contrário da opinião daqueles que se opõem ao uso do nome Jesus para o Redentor da humanidade, esse nome possui muito valor dentro das Escrituras Sagradas, na vida e história do povo de Deus. Na época do Novo Testamento, o nome do Messias que era proclamado entre os crentes de fala hebraica/aramaica parece ter sido Yeshua. Quando os apóstolos e os outros crentes da Igreja primitiva, no entanto, anunciavam Cristo entre os judeus da diáspora e entre as multidões das nações, eles pregavam e batizavam em nome de lesous, a forma grega do nome de Cristo. De onde vem a expressão Jesus em nosso idioma.
Ora, se isso era correto e apropriado para aqueles que foram diretamente comissionados pelo Senhor para levar Seu evangelho a todo o mundo, e se eles assim o fizeram sob a direção contínua e poderosa do Espírito Santo, seria isso hoje incorreto para os verdadeiros filhos de Deus?
De acordo com o estudo do texto do Novo Testamento, quando se fala em proclamar o nome, ou de que só existe salvação em Seu nome, ou ainda que não há nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos, o autor bíblico está se referindo à pessoa de Jesus e não à forma como o Seu nome é pronunciado, seja em hebraico/aramaico, grego, latim, português, ou qualquer outro idioma. O poder está na pessoa de Jesus Cristo e não na forma da pronúncia do Seu nome.
A fidelidade do verdadeiro Filho de Deus não reside em pronunciar o nome do Redentor numa língua ou noutra, mas em fazer a vontade de Deus, como revelada nas Escrituras. A fidelidade cristã está em entregar, por meio de Cristo, a vida totalmente a Deus e produzir, na dependência do Salvador, os frutos do Espírito, guardando os mandamentos de Deus. Isso é o que o próprio Jesus deixou bem claro ao mencionar: “Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus. Muitos, naquele dia, hão de dizer-Me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em Teu nome, e em Teu nome não expelimos demônios, e em Teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, os que praticais a iniquidade.” (Mat. 7:21-23).
Referências:
1 Ernst Würthwein, The Text of the Old
Testament. Grand Rapids, Ml: William B. Eerdmans. 1992. págs. 87-95. Kurt e Barbara Aland. The Text of the New Testament. Idem. 1988. págs. 182-188. Pierre-Maurice Bogaert, “Versions. Ancient (Latim)”, in The Anchor Bible Dictionary. Daivd Noel Freedman (ed.). Nova York. Doubleday. 1992. 6:799-803.
2 O ditongo “ou” em grego forma um só fonema com som de “u”. Ver Abílio Alves Perfeito. Gramática de Grego. 6a edição. Porto: Porto Editora. 1988. pág. 10
3 Alfred Rahlfs (ed ), Septuaginta id est Vetus Testamentum Graece luxta LXX Interpreters. Stuttgart: Deutsche Bibelge-sellschaft. 1979.
4 Ernst Würthwein. Op. Cit., págs. 49-55.
5 Robert H. Gundry. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova. 1991. xix-xx. 23.
6 H. K. Rengstorf. “lesous”. in The New International Dictionary of New Testament Theology. Colin Brown (ed ). Grand Rapids. Ml; Zondervan. 1988. 2:331.
7 Idem. idem.
8 O uso de uma forma mais abreviada de um nome, em vez de sua forma mais longa e antiga, é um fenômeno comum na maioria das línguas. Em português, por exemplo, podemos encontrar muito mais pessoas com o nome de Manuel, uma forma abreviada, do que com o original mais longo – Emanuel. Em inglês, por exemplo, encontramos mais Betty do que Elizabeth.
REINALDO W. SIQUEIRA, Ph.D., professor de Antigo Testamento no Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, Engenheiro Coelho, SP