Falando aos cristãos romanos a respeito da justificação provida por Jesus, Paulo disse: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios” (Rom. 5:6).
A corrente lógica em Romanos 5:1-6 é que o crente, tendo sido salvo, tem todas as bênçãos que advêm da salvação. Não somente existe o contentamento subjetivo, ou o sentimento do amor de Deus, que traz o suprimento renovado de esperança, mas também há o fato subjetivo e histórico da morte de nosso Senhor Jesus Cristo. A morte ocorrida “a seu tempo”.
A American Standard Version fala dessa morte como tendo acontecido “em sua estação”; e a Revised Standard Version diz que ela ocorreu “no tempo certo”. A versão Williams usa a expressão “no tempo próprio”; a Goodspeed menciona “no tempo decisivo”; e a Bíblia de Jerusalém, “no tempo marcado”. Contudo, a tradução francesa de Ségond aparenta ser a melhor de todas, e descreve: “no tempo apontado”.
Tempo é uma palavra humana, apropriada para criaturas. Deus, o Criador, está além do tempo. O reconhecimento desse fato é de suma importância para a nossa vida espiritual. Damos um passo à frente na experiência cristã e na compreensão das coisas espirituais, quando tiramos a Deus do tempo e O colocamos em Seu verdadeiro habitat – a eternidade.
“Porque os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os Meus caminhos, diz o Senhor, porque assim como os Céus são mais altos do que a terra, assim são os Meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os Meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos” (Isa. 55:8 e 9).
Essa é uma das grandes passagens da Bíblia. Compreendendo-a tudo o mais será claro.
Muitos, provavelmente, crêem que é muito fácil compreender que os caminhos de Deus não são os nossos caminhos. Todavia, quando chegamos a uma aplicação prática, descobrimos que muitas pessoas desejam reduzir a Deus ao seu status. Nós somos criaturas do tempo. Não podemos contemplar a vida sem pensar no passado, viver as preocupações do presente e estar amarrados com os pensamentos das coisas vindouras.
A maioria de nós está ocupada com o presente trabalho para pagar contas futuras e assegurar a continuidade de vida. Assim, somos vítimas da experiência.
De acordo com o plano
Nós confessamos o fato de nossa própria criatura vivendo no tempo, sendo levada pelo tempo e carregada pelo desconhecido, a menos que tenhamos conhecimento de Deus, revelado em Sua Palavra.
É evidente que quando mencionamos que Cristo morreu “no tempo apontado”, estamos ligando a morte a nós mesmos e nós a Deus. Devemos rejeitar a ideia de Goodspeed que Cristo “morreu num tempo decisivo”.
Deus não faz decisões como fazem os homens. Fazer decisão implica em prévia indecisão ou ignorância; pelo menos a existência de um problema que não foi previamente considerado. Porém, as decisões de Deus não são decretos irracionais e intransigentes. Essa é a razão pela qual podemos descansar nEle. Não há mudança ou variação em Seu Ser. Todas as coisas se originaram nEle.
Certamente a morte de Cristo foi “no tempo próprio” e “no tempo certo”, porque Deus e todas as Suas obras são perfeitas. Cristo morreu “no tempo apontado”. Tudo foi feito de acordo com um plano e ocorreu num tempo próprio.
A melhor maneira de interpretar a Bíblia é estudando a própria Bíblia. Ao ler o Novo Testamento, podemos ficar admirados ao verificar numerosos versos que expressam a mesma tese – a de que Cristo morreu de conformidade com um plano, num tempo certo. Em Apoc. 13:8, João fala que Cristo foi “o Cordeiro de Deus que foi morto, desde a fundação do mundo”. Tudo “… segundo o propósito dAquele que faz todas as coisas conforme o conselho da Sua vontade” (Efés. 1:11).
“Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos” (Gál. 4:4 e 5).
Aqui, o elemento tempo está ligado ao passado. A vinda de Cristo para morrer foi revelada na profecia. Assim definiu Paulo a essência do evangelho: “…que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (I Cor. 15:3).
Antes do tempo
No Dia de Pentecoste, Pedro se referiu a esse duplo elemento do tempo apontado e o cumprimento das Escrituras, associando-o à morte de Cristo.
“Varões israelitas”, disse o apóstolo, “atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós, com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dEle entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo Este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós O mataste, crucificando-O por mãos de iníquos” (Atos 2:22 e 23).
Mais tarde, ao escrever sua primeira epístola, Pedro novamente correlaciona tempo e Escrituras em conexão com a morte de nosso Senhor. Ele escreve:
“Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo, porém manifestado no fim dos tempos, por amor de vós” (I Ped. 1:18-20).
Semelhantemente, no livro aos Hebreus, também encontramos o fator tempo, Escrituras e a morte de Cristo entrelaçados. O escritor apresenta o contraste entre o sacerdote que oferecia um sacrifício diário, algo que agora era abominável, à vista de Deus, e o Senhor Jesus como o grande sumo sacerdote, que ofereceu um único sacrifício: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo Céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus; nem ainda para Se oferecer a Si mesmo muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santo dos santos com sangue alheio. Ora, neste caso, seria necessário que Ele tivesse sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo; agora, porém, ao se cumprirem os tempos, Se manifestou uma vez por todas, para aniquilar pelo sacrifício de Si mesmo o pecado” (Heb. 9:24-26).
Colocando juntas todas essas passagens, podemos chegar às seguintes conclusões:
1) A morte de Cristo foi determinada “desde os tempos eternos, desde a eternidade”, e planejada por Deus.
2) No Velho Testamento, o plano de enviar Cristo e sacrificá-Lo por causa dos pecados dos homens, foi apresentado em detalhes.
3) Quando Cristo veio à Terra, Ele veio num tempo esquematizado e fixado por Deus.
4) Sendo que esses três pontos são verdadeiros, logicamente tudo o que foi planejado por Deus e apresentado por Ele nas Escrituras, teve seu cumprimento na morte de Jesus Cristo.
Vejamos, mais detalhadamente, cada um desses argumentos acima citados. A morte de Cristo, foi planejada na eternidade, antes da fundação do mundo. Nos conselhos eternos, os membros da Trindade determinaram que Cristo Jesus deveria vir à Terra e assumir a forma humana, com o propósito distinto de permitir a Si mesmo ser morto. É verdade que os judeus entregaram Cristo às autoridades romanas, que os gentios cravaram-nO na cruz, causando a Sua morte. Porém, o fato mais importante de tudo, é que foi Deus, o Pai, quem O colocou na morte. Isaías o confirma: “Todavia, ao Senhor agradou moê-Lo, fazendo-O enfermar…”(Isa. 53:10).
No Novo Testamento, encontramos que foi Deus quem fez Cristo Se tomar “pecado por nós”. Ele que não conheceu pecado, “para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus” (I Cor. 5:21). Isso foi possível pela determinação do “conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23).
Quando compreendemos que Deus o Pai permitiu que Cristo o Filho morresse, então compreendemos que a morte de Cristo foi o pagamento do amor de Deus, satisfazendo à Sua justiça, para resgatar os homens de seus pecados.
Quase é possível tomar-se qualquer versículo do Velho Testamento e relacioná-lo com a morte de Cristo. Mesmo no meio da primeira condenação sobre o pecador, Deus anunciara que enviaria o Redentor e que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente (Gên. 3:15). A mulher é Israel, a semente é Cristo Jesus. Um cordeiro substituto foi provido para purgar a iniquidade do pecador.
Foi determinado o lugar onde os cordeiros deveriam ser mortos, e uma condenação era pronunciada a qualquer um que oferecesse sacrifício fora de Jerusalém (Lev. 17).
Num relance, verificamos algumas profecias que se cumpriram com a primeira vinda de Jesus. Belém foi mencionada como o lugar do Seu nascimento (Miq. 5:2). Deveria nascer de uma virgem (Isa. 7:14). Sua morte foi profetizada pelo salmista (Salmo 22). E, notemos, tudo isso muitos séculos antes da fundação de Roma e da invenção da morte por crucifixão.
Daniel tinha certo conhecimento do plano de Deus, mas orou pedindo mais. Deus enviou-lhe o anjo Gabriel, que lhe deu uma revelação divina, a qual foi para o nosso conhecimento e orientação. O anjo disse a Daniel: “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo…” (Dan. 9:24). A palavra aqui traduzida por “semanas” é uma palavra que se refere a períodos de sete anos.
Se usarmos a palavra heptad para sete anos, a passagem se tomará mais simples e compreensiva: “Setenta heptads estão determinadas sobre o teu povo (Israel), e sobre a tua santa cidade para fazer cessar a transgressão, para dar fim aos pecados, para expiar a iniquidade, para trazer a justiça eterna, para selar a visão e a profecia, e para ungir o Santo dos santos”.
Aqui é anunciado um período de setenta vezes sete anos ou 490 anos. Mas esse total é dividido em três seções: “Sabe, e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos angustiosos” (V. 25).
Dois destes períodos são sete vezes sete, ou 49 anos; 62 vezes sete, ou 434 anos. Restam-nos ainda sete anos para completar as setenta heptads. A septuagésima semana, a última das setenta, ou os últimos sete dos 490 anos de graça concedidos aos judeus, seria teatro dos maiores acontecimentos em meio ao antigo povo de Deus.
Durante a última heptad, Cristo e os Seus discípulos sob o poder do Espírito Santo, expuseram o maravilhoso Concerto da Graça, atestaram a sua validade e a sua ratificação, e convidaram o povo para participar de suas bênçãos eternas. É interessante verificar que as citações de Paulo, Lucas, João, Pedro e o livro escrito aos Hebreus mostram que a vida e a morte de Cristo cumpriram satisfatoriamente as profecias do Velho Testamento.
Conclusão
Desta forma, podemos concluir que a morte de Cristo foi eternamente determinada e planejada por Deus e anunciada em detalhes no Velho Testamento.
Tanto a Sua vida como Sua morte foram traçadas meticulosamente sob um esquema acurado de tempo.
Inexoravelmente, os resultados espirituais que Deus anunciou, em conexão com a morte de Cristo, foram obtidos completamente.
Assim, torna-se mais clara a compreensão do texto inicial deste artigo: “Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu no tempo apontado”.
Muito tempo antes de Cristo, multidões olhavam para o cumprimento das profecias acerca da vinda e morte do Salvador. “Por isso também de um, aliás já amortecido, saiu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu, e inumerável como a areia que está na praia do mar. Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas, vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra” (Heb. 11:12 e 13).
Vagarosamente passaram os anos, então a estrela foi vista no céu. Os homens sábios vieram para adorar Aquele que nasceu como Rei dos judeus. Enquanto os anos passavam, a profecia mais se aproximava dos seus últimos acontecimentos, e finalmente chegou a Primavera, o dia da Páscoa, o Calvário, a cruz, e Sua morte, seguida de uma triunfante ressurreição.
Os fundamentos de nossa confiança e de nossa esperança foram estabelecidos. Cristo morreu no tempo apontado, “na plenitude do tempo”, por todos nós.