Em Sua aparência, Jesus apresenta certa semelhança com os escribas. Ensina cercado pelo circuito de Seus discípulos, disputa acerca da interpretação da Lei, é abordado para tomar decisões judiciais (Luc. 12:13; Mar. 12:13; João 7:53:8:11). Prega na Sinagoga. É interpelado com o nome de Rabi (Mar. 9:5).

Ele agiu como um rabino do Seu tempo e correspondia às indagações que lhe faziam como um Rabi. Embora alguns não O reconhecessem como tal, por não haver passado por uma escola rabínica. Portanto, Jesus não era considerado um teólogo de profissão, mas um “carismático” (Mar. 1:22); e o juízo mais claro formulado sobre Ele foi de que era um profeta. É isso que ecoa entre o povo (Mar. 6:15; 8:28; Mat. 21:11; Luc. 7:16; João 4:19; 6:14; 7:40) e, até mesmo, nos círculos dos fariseus. Os discípulos viram nEle um profeta. E final-mente foi como “falso profeta” que foi acusado e preso.

Mas em Jesus distingue-se o discipulado além daquilo que era visto nos rabinos de Seu tempo. O que fazia a diferença era o chamado (Luc. 5:1-11) que Ele fazia aos indivíduos para serem Seus discípulos. Nas escolas rabínicas, a voluntariedade era a marca. Cristo lançou mão da iniciativa de chamar as pessoas para o discipulado.

O Mestre e os mestres

Outro aspecto distintivo entre Jesus e os rabinos é o fato de que o aprendiz rabínico se apegava pessoalmente ao mestre e esperava ensinamentos objetivos, visando ele mesmo, mais tarde, se tornar rabino e mestre. Mas quanto a Jesus, a questão não se limitava a um relacionamento de aprendizagem apenas, do qual o discípulo poderia separar-se como mestre (Mat. 23:8; Luc. 6:40).

O discipulado de Cristo é para a vida inteira, e de modo incondicional (Mat. 10:24 e 25). Ser um discípulo de Jesus equivale a entregar a vida por Ele, fazer Sua vontade, segui-Lo, ir após Ele, aceitando a situação de renúncia, perambulando com Ele. Nesse sentido, Seu discipulado se coloca acima do método dos rabinos. E mais: Ele rompeu a barreira dos puros e impuros, dos pecaminosos e obedientes. Chamou representantes de todas as classes: publicanos, pescadores, cegos, aleijados, endemoninhados, ricos, jovens, empresários, funcionários públicos, soldados do templo, guerrilheiros, soldados romanos, mulheres e crianças.

O chamado de pecadores e publicanos confere a Jesus o crédito de seriedade de Seu discipulado. Seus discípulos eram convidados a abandonar suas antigas associações, pois Ele conhecia bem a natureza humana. O chamado para Seu discipulado era também para o serviço. Discípulos deviam ser “pescadores de homens” (Mar. 1:17; Luc. 5:30). Tal serviço envolvia sofrimento, assim como o próprio Mestre sofrera (Mar. 10:32). O discípulo não poderia esperar melhor sorte que a de seu Mestre (Mat. 10:24 e 25; 16:24 e 25). Pe-lo exemplo, Jesus deixou a marca de Seu discipulado.

O discipulado de Cristo contém todos os elementos persuasivos para o mesmo exercício na igreja moderna. Era completamente diferente dos rabinos de Seu tempo. Para ter acesso a uma escola rabínica e sentar-se aos pés de um sábio judeu, eram necessárias tantas formalidades, que apenas os mais abastados financeiramente e de famílias tradicionais, tinham esse privilégio. Por outro lado, eram os discípulos que escolhiam o mestre, cujo exemplo nem sempre deveria ser seguido. Possuíam uma máxima que dizia: “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.”

O discípulo

Bill Hull conclui que “o discípulo será sempre alguém envolvido com a vida de Cristo e disposto a exercitar na obediência o discipulado de outros”.’ Portanto são enumerados alguns dos significados mais importantes:

  • 1. O discípulo é um fiel e verdadeiramente regenerado seguidor de Jesus. Nem sempre será perfeito neste processo do discipulado, mas estará sempre obediente ao mandato de ir e fazer discípulos; e isso inclui o evangelismo.
  • 2. O discípulo é um verdadeiro crente, que batizado e ensinado, obedece e cumpre a grande comissão de reproduzir-se em outros discípulos.
  • 3. O discípulo se envolve no discipulado da igreja, em fazer novos discípulos. Apresenta pessoas a Cristo.
  • 4. O discípulo treina outros e leva-os ao batismo. Isso se entende como reprodução. Freqüentemente uma igreja vai bem em levar pessoas ao batismo e ao ensino doutrinário. Mas não prossegue na discipulação dos novos na fé. Não há multiplicação nem reprodução; noutras palavras, não há crescimento.

Discípulo, do grego mathetés, é indicado para identificar o aluno em relação ao professor. João Batista, Platão e Jesus tiveram discípulos. Isso sempre significa uma relação supremamente pessoal. Jesus usou essa palavra para indicar Seus seguidores mais devotados. O discípulo está sempre associado com o ato de seguir, faz muito mais do que apenas crer. Muitos creram em Jesus, mas poucos O seguiram. “Se permanecerdes em Mim e as Minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Nisto é glorificado Meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis Meus discípulos.” (João 15:7 e 8). O discipulado que a igreja deve experimentar como modelo vivo do ministério de Cristo tem sua aplicação nesse texto. A toda proposta que Jesus faz à Igreja para discipular, Ele acrescenta uma promessa.

“Se alguém vem a Mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser Meu discípulo. E qualquer que não tomar a sua cruz, e vier após Mim, não pode ser Meu discípulo.” (Luc. 14:26 e 27). Dedicação e envolvimento na obra do discípulo, muitas vezes, conflita com os membros da família e sacrifica sua própria natureza. O discipulado exige uma completa dedicação ao Senhor Jesus.

Ao refletirmos nesses dois textos, entendemos porque o discípulo não nasce feito. Necessita passar por um processo de novo nascimento, conversão e dedicação exclusiva. O discípulo treinado está disposto e em condições para ir ao campo missionário. Na conversão, ele nasce. E amadurece à medida que aprende com seu Mestre.

Ser um discípulo de Jesus equivale a entregar a vida por Ele, fazer Sua vontade, segui-Lo, ir após Ele, aceitando a situação de renúncia de si mesmo.

Jesus é um fazedor de discípulos. Ele chamou os doze como Seus discípulos e depois os tornou apóstolos. Se o discípulo tem a conotação de um seguidor, o após-tolo tem o sentido de um enviado. Alguém que recebe o mandato de Cristo para dar ao mundo as boas-novas da salvação. Nos evangelhos são encontrados vários grupos de discípulos ainda que não sejam claras as diferenças. Um grupo mais estreito era chamado de “os doze”, no qual o discipulado foi realizado plenamente. Esse grupo conviveu com Jesus, participou de Sua intimidade cotidiana, dedicou-se a Ele por completo, recebendo dEle melhor formação, e, mais tarde, seus componentes se tornaram Suas grandes testemunhas. Então, são chamados de apóstolos, embora o termo não coincida com a palavra discípulo em sua plenitude. Paulo é chamado apóstolo; e no entanto não foi um dos doze.

Um grupo mais amplo, os setenta, aos quais Lucas se refere, recebeu a grande missão apostólica e participou de um especial conhecimento de Jesus. Finalmente, aparecem os grupos indefinidos de pessoas, representados por todos quantos aceitaram as exigências do Mestre embora não experimentassem a mesma convivência pessoal com Ele (João 6:66; Mar. 14:14: Atos 11:26).2 Uma visão do livro de Atos dos Apóstolos permite concluir que no grupo de discípulos estão incluídos todos os cristãos, mesmo os que não viram pessoalmente a Cristo, como Timóteo, por exemplo. A característica de um discípulo é a obediência pela fé. A Igreja primitiva usava o termo também para os seguidores de Pau-lo, que era um rabi (Atos 9:26).

Normalmente, nas igrejas locais fundadas como resultado das viagens missionárias de Paulo e Barnabé, estabeleceram discípulos e fizeram deles anciãos de igreja, líderes de congregação (Atos 14:21-24).

Um discípulo nega-se a si mesmo, toma sua cruz e segue a Jesus (Luc. 9:23-25). Faz de Cristo a prioridade máxima em sua vida (Luc. 14:25-35). Dedica-se especialmente aos ensinos do Mestre (João 8:31). Envolve-se no evangelismo mundial (Mat. 9:36-38). Ama os outros com o mesmo amor do Mestre (João 13:34 e 35). Permanece em Cristo, dá frutos, e glorifica a Deus (João 15:7-17). Se alguém não po-de assumir compromissos tais, disse Jesus, “não pode ser Meu discípulo” (Luc. 14:25, 26 e 33).

Na igreja local

Uma congregação bem ordenada pastoralmente, com todos os serviços direcionados ao atendimento das necessidades da comunidade, é a melhor agência para tornar efetivo o discipulado. Para isso, ela precisa usar a estrutura mais simples, pois está fundamentada nas pessoas e os serviços por elas executados. A expressão “igreja local” deve ser entendida como uma igreja estruturada no contexto organizacional da Igreja Adventista do Sétimo Dia – um corpo organizado de crentes individuais.

Quando um grupo de crentes cresce em número de membros e maturidade espiritual, tendo demonstrado suficientes dons para testemunho na comunidade, recursos financeiros para sua manutenção própria e apoio às missões, por meio de uma solicitação ao Campo local (Associação ou Missão) recebe o status de igreja organizada.

O ingresso na igreja, de um novo membro, passa pela instrução em toda a vontade do Senhor, reconhecida nas Escrituras como verdade, conversão e batismo. Ao novo membro são garantidos os direitos e responsabilidades expressos no Manual da Igreja, incluindo o discipulado, que deve ser visto sempre como prioridade eclesiástica, pois o mandamento de Cristo nesse sentido é muito claro (Mat. 28:18-20).

Os que lideram congregações locais, se-jam pastores ou anciãos, precisam estar sempre inspirados na grande comissão evangélica, para que acreditem nas possibilidades resultantes, tendo em mente a reprodução de discípulos no processo de plantar novas igrejas. Com isso, o manda-mento do Senhor é obedecido e desaparece o sentimento de culpa entre aqueles que fazem a obra de Deus por temor do castigo.

Comentando a responsabilidade dos líderes relacionada com a grande comissão, diz Ellen White: “Antes de ascender ao Céu, Cristo deu aos discípulos uma comissão. Disse-lhes que eles deveriam ser os executores do testamento no qual Ele legava ao mundo os tesouros da vida eterna. ‘Tendes sido testemunhas de Minha vida de sacrifício em favor do mundo’, disse… ‘A vós, Meus discípulos, Eu entrego esta mensagem de misericórdia. Ela deve ser dada tanto a judeus como a gentios… Todos os que crerem devem ser congregados numa única igreja.”3

Foi assim que os primeiros discípulos fundaram a Igreja que abrigaria a primeira comunidade de salvos. O sentido de igreja não identificava um lugar de culto mas uma comunidade empenhada em cultuar, adorar e testemunhar.

Ao ordenar a grande comissão, Cristo estabeleceu a estratégia de evangelismo em duas direções: interna e externa. A direção interna envolve a edificação dos crentes, através do treinamento para o discipulado. A evangelização externa é a prática, ou fruto dessa tarefa: a busca dos perdidos. As duas direções, no entanto, não se isolam. Ao contrário, são simultâneas e continuadas. Não é possível edificar a igreja sem evangelizar, assim como não se pode evangelizar sem edificar a igreja.

Tarefa do discipulado

Win Arn assinala que a grande comissão, repetida como foi várias vezes, reflete o eterno propósito de Deus, ou seja, em todos os lugares todos os crentes têm a oportunidade de se tornarem discípulos de Jesus Cristo. Foi ponto destacado nos ensinamentos de Jesus que, para segui-Lo, o indivíduo deveria tornar-se participante de Sua missão. Ele não aceita a idéia de um discípulo “sideline”.4

As palavras de Cristo em Mat. 28:18-20 comunicam vivamente o Seu entendimento sobre um discípulo, alguém que se tornou Seu seguidor, foi instruído e nutrido na fé e tornou-se capaz de fazer outros discípulos. É isso o que espera de cada um dos Seus filhos ainda hoje. Mas o maior desafio da Igreja continua sendo vencer a tentação de demorar-se nas tarefas de sua própria manutenção e descuidar-se da missão a ser executada no mundo. Muitos movimentos religiosos cristãos cresceram a ponto de se tornarem grandes denominações, fundarem missões transculturais, mas ao se estabelecerem nos lugares altos da Terra, entraram num processo de acomodação aos louros do passado. O ufanismo vencido dos primeiros anos foi determinante para retroceder ao marasmo de um crescimento sem projeção. Fincaram-se no tradicionalismo ou descambaram para o liberalismo.

“A perda da visão da missão é um perigo iminente devido à capacidade de encolhimento que a Igreja tem em sua maneira de ver o mundo sem a visão da grande comissão.”5 Contra esse perigo devemos es-tar atentos, jamais olvidando nossa responsabilidade em cumprir o mandado de Jesus Cristo – “fazei discípulos”.

Referências

  • 1 Bill Hull, O Pastor Que Faz Discípulos, (Colorado Springs, Colorado: NavPress, 1984, págs. 48 a 53.
  • 2 George Arthur Buttrick, The Interpreters Dictionary of the Bible, vol. 1 (Nashville: Abingdon Press, 1962), pág. 845.
  • 3 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos, págs. 27 e 28.
  • 4 Win Arn e Charles Arn, The Master’s Plan for Making Disciples; (Monrovia, CA: Church Grow Press, 1993), pág. 19.
  • 5 Robert Folkenberg, Estrutura da Igreja: Servo ou Se-nhor? Seminário Adventista Latino-americano de Teo-logia, Engenheiro Coelho, SP, 1995, págs. 154 a 159.