Há poucos anos, certa igreja perdeu muitos membros, mesmo depois de fervorosas preces em favor deles. Além de orações e visitas, o que mais poderia ter sido feito para impedir a evasão? Que tal jejuar?
Estaria Deus mais pronto a intervir em favor de nossas súplicas, se elas forem acompanhadas de jejum? Deixando de lado aquela mentalidade de justificação própria, poderia a prática do jejum demonstrar o que realmente significam nossas petições? É o propósito do jejum fazer com que de algum modo Deus seja encorajado a anular as objeções de Satanás, com Sua intervenção? Se é assim, com tantas pessoas enfrentando grandes necessidades, deveriamos jejuar muito mais do que fazemos. Mas, seguramente, não poderiamos nos abster totalmente da ali-mentação todas as vezes em que o fizéssemos, sem correr alguns riscos.
Enquanto vagueava nesses pensamentos, lembrei-me de ter testemunhado alguns acontecimentos marcantes que se seguiram a períodos de oração e jejum. Numa ocasião, quando servíamos como missionários na Coréia, um dos nossos co-obreiros foi acometido de uma enfermidade gravíssima. Mesmo sendo submetido à uma cirurgia, os prognósticos continuavam desanimadores. No entanto, para surpresa da equipe médica, o paciente começou a recuperar-se. Teria sido essa mudança fruto da perícia dos médicos, ou da intervenção divina? Afinal, junto com o serviço de unção efetuado, um pastor coreano estivera jejuando, com sua família. Haveria alguma conexão entre seu gesto e a recuperação do doente?
Outra extraordinária ocorrência, teve lugar num internato, envolvendo uma colega de nossas filhas. Vivendo uma profunda depressão espiritual, a menina foi transferida da Andrews University para outra escola distante. Num final de semana, ela e seus pais planejaram vir à nossa casa. Nossas filhas avisaram-me: “nós vamos jejuar e orar por ela na sexta-feira. Poderia juntar-se a nós?” Evidentemente, concordei.
Exatamente no sábado à noite, a mãe da jovem pediu-lhe para retornar à Andrews. “De jeito nenhum”, ela replicou de maneira petulante, “não temos recursos suficientes, e, de qualquer forma, a Andrews não tem o que eu necessito”.
Todavia, dentro de 24 horas, algumas circunstâncias incomuns convenceram-na a mudar seu pensamento. A mente foi desbloqueada e ela voltou à Universidade. E embora* até a época de sua formatura, ainda não tivesse tomado uma decisão no sentido de tornar-se adventista, sua presença marcante na Escola foi uma dramática resposta às orações. Isso me deixou maravilhada, levando-me a indagar qual a parte, se houve alguma, desempenhada pelo jejum nesse fato?
No sábado
De vez em quando, a Igreja anuncia um dia mundial de jejum, tipicamente num sábado. Mas o período do jejum não parece estar bíblica e obrigatoriamente relacionado com o significado e o contexto da observância do sábado. Nos tempos bíblicos, o Dia da Expiação era o único dia de jejum ordenado pela lei (ver Lev. 16:29-31; Atos 27:9).
O sábado semanal, pelo contrário era um dia de banquete – não glutonaria – e celebração. Sábado é um dia de grande regozijo. Quem sabe, ao sugerir um dia de jejum, a Igreja poderia pensar em algum outro dia. Que tal uma sexta-feira? Poderia começar com o pôr-do-sol desse dia, estendendo-se até à manhã do sábado, quando após uma convocação de louvor e agradecimento a Deus por ouvir nossas orações, o jejum seria quebrado.
O jejum é a oração do corpo. Afirma a bondade da criação por significar a rendição temporária do gozo de alguns de seus benefícios, e portanto, sempre inclui um elemento de gratidão.
Exemplo dos judeus
O jejum típico dos judeus, considerado um dia de abstenção, geralmente estendia-se da manhã até à noite; possivelmente uma refeição fosse permitida. Esse jejum freqüentemente estava ligado a esmolas, quem sabe um donativo aos pobres, relativo ao que fora economizado com o jejum.
São abundantes os exemplos bíblicos de jejum. Moisés jejuou no topo do Sinai quando recebeu os Dez Mandamentos (Êxo. 34:28). Os cidadãos de Jabes-Gileade jejuaram sete dias depois de recuperarem os corpos de Saul e seus filhos, das mãos dos filisteus, e dar-lhes um funeral apropriado (I Sam. 31:13). Quando a arca voltou e todo o Israel arrependeu-se, houve jejum durante todo o dia em Mispa enquanto Samuel intercedia pelo povo (I Sam. 7:5 e 6). Daniel jejuou buscando compreender a profecia que lhe foi indicada, e também por misericórdia da parte de Deus para com o povo apostatado (Dan. 9:2 e 3). Davi arrependeu-se com jejum (Sal. 69:10; 35:13), e também jejuou pela saúde de seu primeiro filho com Bate-Seba (II Sam. 12:16-23). Ele expressou sua dor pela morte de Abner também com jejum (II Sam. 3:35).
Ester convocou seu povo para jejuar, quando sob ameaça de morte (Ester 4:16). Esdras jejuou, suplicando uma viagem segura para Jerusalém (Esdras 8:21). A mensagem de Deus através de Joel foi “convertei-vos a Mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns…” (Joel 2:12). O povo de Nínive proclamou um jejum, e Deus aceitou seu arrependimento (Jonas 3:5). O Rei Josafá proclamou um jejum em Judá, quando ameaçado por invasão inimiga (II Crôn. 20:3).
No Novo Testamento
Ana “adorava noite e dia em jejuns e orações” esperando o Messias (Luc. 2:37). Então reconheceu o bebê Jesus (vs. 36-38). Cristo jejuou 40 dias antes de iniciar Seu ministério (Mat. 4:2). Durante o Sermão da Montanha, Ele ensinou: “Quando jejuar-des, não vos mostreis contristados como os hipócritas…” (Mat. 6:16) – pressupondo aparentemente que essa era uma prática comum entre Seus ouvintes. Os fariseus costumeiramente jejuavam duas vezes por semana (Luc. 18:12).
Na Igreja primitiva, após jejuar e orar, os cristãos receberam instruções do Espírito Santo (Atos 13:2). Paulo jejuou por três dias após sua conversão na estrada de Damasco (Atos 9:9). A igreja de Antioquia jejuou e orou antes de enviar Paulo e Barnabé em sua primeira jornada missionária (Atos 13:3).
Na história da Igreja
Geralmente, no início da Igreja, jejuar significava abstinência de todo alimento até à noite. Posterionnente essa abstinência passou a ser limitada a certos alimentos, mantendo-se o suficiente para satisfação das necessidades básicas.
Mais recentemente, John Wesley registrou (1756) em seu diário um dia nacional de oração e jejum, quando a França ameaçava invadir a Grã-Bretanha. Uma nota de rodapé nesse diário observava: “A humildade tornou-se em regozijo nacional, pois a ameaça de invasão pela França foi afastada.” Nos primórdios da América, os estados da Nova Inglaterra estabeleceram dias especiais de jejum.
Na Igreja Adventista
No White Estate, existe uma pasta recheada de documentos sobre o jejum, na história adventista. Junto com citações de Ellen White, a pasta inclui monografias e cartas de líderes da Igreja. Em 1865, Tiago White, editor da Review and Herald, mencionou que certos dias foram dedicados ao jejum e à oração pelo fim da Guerra Civil – após o que ela findou-se inesperadamente. A Associação Geral endossou a designação do sábado, dia 11 de fevereiro, como um dia de jejum e oração.
Em março daquele ano, os irmãos observaram quatro dias de humilhação, jejum e oração, durante os quais se alimentavam o mínimo possível. Alguns se abstiveram completamente, tanto quanto a saúde permitia e as convicções os impulsionavam. Tiago White testemunhou que ele jamais tinha visto tamanha intensidade de fervor, nem nos melhores tempos em Battle Creek, ou no Campo mundial. Muitas orações foram respondidas.
A Igreja Adventista do Sétimo dia tem continuado a prática do jejum no vigésimo século. G. D. Strunk, preparando material para a promoção de mais um dia de jejum, em 1979, compilou os seguintes conselhos de Ellen White sobre os objetivos do jejum: buscar as verdades essenciais até que o caminho da salvação esteja claro; buscar a sabedoria celestial prometida por Deus; buscar a direção divina para planejar; sair da indolência para dedicar nossos talentos ao serviço cristão; buscar ajuda de Deus em tempos de crise; contender com as forças demoníacas; pedir que Deus suscite mais obreiros; unidade entre os membros.
De acordo com outra compilação de conselhos de Ellen White, preparada em 1980 por W. P. Bradley, o jejum é eficaz na busca de luz e sabedoria; fortalecimento do coração purificado e confissão; vitória sobre a tentação; domínio de alguma enfermidade (pela abstinência de uma ou duas refeições); desenvolvimento de um apetite por alimentação simples.
Da mesma forma como agiu em relação a outras áreas, Ellen White procurou desenvolver uma atitude equilibrada também quanto ao jejum. Disse ela: “O espírito do verdadeiro jejum e oração é o espírito que muda a mente, o coração, e agrada a Deus.” Esse conselho está em perfeita sintonia com Isaías 58, que descreve qual é o jejum aceitável à vista de Deus. Usar os recursos materiais para ajudar o pobre é mais importante no jejum que a efetiva abstinência de alimento.
Testemunho de nutricionistas
Considerando que a abstinência de alimentos afeta a saúde física, é importante notar o que os nutricionistas têm a dizer. Alice Marsh escreveu a um pastor que não deveria ser requerida abstinência total, podendo alguém jejuar alimentando-se parcimoniosamente. Ela acrescenta que o jejum pode ser fatal para diabéticos, e perigoso para mulheres gestantes ou em fase de lactação. Indivíduos com hipoglicemia ou hiper-tiróidismo também podem ser prejudicados. Alice apresentou estudos também sobre os efeitos do jejum na alteração do humor. Advertindo quanto a uma pessoa jamais dever deixar de tomar água, Alice esclarece que um jejum, no qual se mantenha o consumo de sucos naturais pode ser bem equilibrado em virtude da aquisição de açúcar natural. Aconselha ainda uma dieta balanceada mínima, incluindo frutas e vegetais, para um jejum mais prolongado.
Outros nutricionistas sugerem que uma dieta simples agradaria a Deus tanto ou mais que a abstinência completa, e que um médico deveria supervisionar qualquer jejum que dure mais que um dia.
Mary Margaret Eighme escreveu uma monografia em 1978, mencionando que entre 1850 e 1900 houve 42 épocas oficiais de jejum na Igreja Adventista. Em 1904, Ellen White instruiu que desde então, até o fim do tempo, nós deveriamos ser mais zelosos, estabelecendo dias para jejum e oração. No entanto, desde 1900 a 1977, tivemos apenas nove dias especiais de jejum para a Igreja. Ellen White citou os exemplos bíblicos de Moisés, Davi, Elias, Daniel, Neemias, Ester, Pedro, Paulo e Barnabé.
Enquanto referia-se favoravelmente a esses exemplos, advertiu a entusiastas como José Bates, que algumas vezes fazia apenas uma refeição num dia e passava dois dias jejuando, dizendo que Deus não requeria tal comportamento.
Winston Craig, professor de Nutrição na Andrews University, aponta que se alguém jejuar por um extenso período de tempo, sofrerá mudanças bioquímicas. O cérebro necessita de energia dos alimentos, e a falta de nutrição causa o colapso dos tecidos – particular-mente músculos e tecidos adiposos. Um músculo que pode degenerar-se é o coração, resultando daí parada cardíaca dentro de poucas semanas. Os eletrólitos também podem ficar desequilibrados, gerando tonturas e náuseas.
Quão longo pode ser o jejum para tornar-se perigoso, varia de acordo com a saúde do indivíduo e a própria extensão do jejum, mas Craig não recomenda que seja muito longo. “Eu não aconselharia um jejum total por mais que um dia”, ele diz. Sucos de frutas podem ajudar na manutenção do nível de carboidrato.
Craig pergunta: “O que afinal desejamos alcançar com o jejum? Se buscamos um elevado nível espiritual, não seria melhor comer despreocupadamente bons alimentos, fazer exercício físico ao ar livre, ou talvez um retiro nas montanhas, em lugar de ficar preocupado, pensando continuamente em comida, doença, falta de exercício, etc.?”
Aplicação pessoal
Particularmente, tenho experimentado várias modalidades de jejum: um dia, só leite, sucos, ou uma sopa leve caso sinta um pouco de tontura; noutro dia, apenas comendo alimentos simples, sem gordura ou açúcar; ou ainda deixando de comer durante um dia. Minha experiência não tem sido tão consistente quanto eu gostaria de relatar, mas tenho algo a dizer sobre o sentimento que o jejum total parece inspirar -um sentimento de que tenho dado tudo, até meu apetite, para Deus, em meu desejo intenso de obter uma resposta Sua para uma oração. E isso, por si mesmo, já nos predispõe a aceitar qualquer resposta que Ele tenha para nós.
O Westminster Dictionary of Christian Spirituality resume sabiamente o assunto do jejum: “É a oração do corpo; afirmando a totalidade de uma pessoa numa ação espiritual; dá ênfase e intensidade à prece, expressando, especificamente fome de Deus e de Sua vontade. Afirma a bondade da criação por significar a rendição temporária do gozo de alguns de seus benefícios, e, portanto, sempre inclui um elemento de gratidão. É um treinamento na disciplina cristã, e especificamente contra o pecado da glutonaria; expressa penitência pela rejeição e crucifixão de Cristo pela raça humana. Dá-nos a oportunidade de seguir o exemplo de Cristo em Sua forma de jejuar, além de ser um elemento de mortificação. Traduz a aceitação da morte do eu, na morte de Cristo, e com isso um ato de fé na ressurreição.”
Em virtude do testemunho conjunto dos ensinamentos bíblicos, da história da Igreja, dos conselhos de Ellen White, e das descobertas científicas, deve haver algo especial com o jejum. Como indivíduos e como Igreja, penso que devemos jejuar mais em conexão com nossas orações, sendo cuidadosos em como definir e praticar essa boa disciplina espiritual.