Em visita a uma livraria, estava examinando um livro aqui, outro ali, até que encontrei solitário entre vários outros livros sobre sucesso, um cujo tema era fracasso. O título por si só era provocativo: Quando Pessoas Espertas Falham, de Carole Hyatt e Linda Gottlieb.
Adquiri o livro e tão logo cheguei em casa comecei a examiná-lo. E ali estavam espalhadas em suas páginas, como ruínas ao vento, histórias profundamente dolorosas de pessoas inteligentes, brilhantes e talentosas que tinham fracassado. Caminhei através do livro, esperando achar um bem embrulhado pacote sobre algo como “sete segredos” para evitar o fracasso. E nada encontrei. Ao contrário, o que havia era uma perturbadora mensagem de que a falha não é evitável nem discriminatória. Acontecerá cedo ou tarde para qualquer pessoa.
Tratar com o fracasso é difícil para qualquer pessoa, e mais ainda em se tratando de pastores. O mero pensamento a respeito do assunto quase destrói um já estabelecido senso de autoconfiança e valor pessoal. Muitos pastores lutam regularmente com sentimentos de inadaptação e baixa auto-estima. A própria natureza do seu trabalho promove tais sentimentos. Muito do que fazemos relaciona-se ao povo, e o trabalho é intenso, estafante, público, e particularmente frustrante. A vida das pessoas não pode ser enquadrada em oito ou dez horas diárias de trabalho do pastor. Conseqüentemente, para ele raramente há um senso de compleição, o sentimento de um trabalho bem feito.
Ao lado disso, está o fato de que o povo pode projetar nos pastores seus próprios problemas. Assim a tarefa do pastor pode ser esmagadora, realçando os sentimentos de limitação. Isso faz surgir uma questão interior: Estou eu fazendo a diferença? O que eu realmente faço? Assim, antes que qualquer ato particular de falha ocorra, os pastores já vivem num ambiente no qual o fracasso no âmbito emocional, está longe de ser removido.
Chamado e derrota
Um outro fator peculiarmente complicador para o ministério é a teologia do chamado. Parte dessa teologia é a crença de que “Deus não nos chamou para o sucesso, mas para sermos fiéis”. Embora esse pensamento soe muito bem, acaba revestido de uma roupagem escura quando um grande projeto da igreja fracassa, e a culpa repousa desproporcionalmente sobre o líder pastor. E o povo sempre tem maneiras criativas de ficar relembrando ao pastor o que aconteceu.
A verdade é que a teologia do chamado, como algumas vezes é descrita, não prepara ninguém para o fracasso. Em nosso pensamento, nós não associamos o chamado ao ministério como a inevitabilidade da falha. Eu não estou sugerindo que alguém possa ter uma obsessão pelo fracasso, mas poderia ser hábil para reconhecer que mesmo no trabalho de Deus, ele acontece, e a fidelidade ao chamado não o exclui. Então, pressupondo que a derrota acontecerá em algum momento, que podemos fazer para administrar o inevitável?
O exemplo de Moisés
Quando pensamos em líderes que tiveram sua quota de fracasso, Moisés desponta no topo da lista. O que exacerbou sua falha foi o fato de que alguns milhares de pessoas estavam sempre aos seus cuidados. Ele nunca teve o luxo de pastorear alguma pequena igreja singular no monte, fechada às massas, de modo que quando cometesse uma falha somente alguns poucos do rebanho soubessem. Em vez disso, Moisés ministrou sob o constante calor das luzes do escrutínio, da censura e do criticismo.
Tudo começou com Moisés sendo um apaixonado protetor do seu povo. Mas numa série de acontecimentos que eventualmente fugiu ao controle e resultou em um homicídio, Moisés encontrou-se fugitivo, correndo para salvar sua vida. Tornara-se uma vítima da lei das conseqüências involuntárias. Imaginou estar ajudando, mas acabou causando um curto-circuito em sua liderança. Foi um pequeno erro de julgamento no qual Moisés liderou com o coração em vez de usar a cabeça.
Mas a maioria das pessoas, sem dúvida, desapontada, marcou Moisés como um grande precipitado. E, provavelmente, não importava que o prematuro cuidado do líder estivesse relacionado com um deles. Alquebrado, Moisés fugiu para o deserto.
Muitos pastores podem se identificar com o apuro de Moisés. Ser alguém apaixonado e bem-intencionado enquanto promove alguma causa, certamente o fará suportar a agonia de tomar uma decisão difícil. Na maioria das vezes, uma decisão errada não resulta na transferência do pastor, especialmente se o tropeço não é terminal. Mas ela eleva, mais freqüentemente do que parece, um assustador senso de fracasso pessoal que se torna endêmico no ministério.
Perdoar-se
Os pastores são em geral muito sensíveis e perdoadores quando precisam tratar com o fracasso de outras pessoas. Somos hábeis em ajudar outros a colocarem seus piores defeitos em sua verdadeira perspectiva. Entendemos a graça, especialmente quando relacionada a outros, mas lamentavelmente somos relutantes em compartilhá-la com nós mesmos, especialmente diante de alguns equívocos públicos na prática real do nosso’ ministério.
Os pastores são notórios por se engajarem em torturosa introspecção e autoflagelação. Por que fiz isso dessa maneira? Como pude ser tão estúpido? Quando vou aprender? São perguntas com que se martirizam. Como um grupo, os pastores não conduzem suas falhas muito bem. As pressões da liderança e nossa obsessão para ser um exemplo “para todos os crentes” pode levar-nos a alimentar expectativas irreais sobre nós mesmos. Penso que essa foi exatamente uma das preocupações de Deus em levar Moisés para um estágio no deserto. A experiência da solidão foi uma excelente oportunidade para levá-lo a compreender que o trabalho era do Senhor e que ele não era responsável por conduzir todo o peso sobre seus ombros.
O trabalho de outros
A mesma coisa acontece conosco. Quando nos esquecemos de quem realmente está no controle, acabamos perdendo a perspectiva, pensando no que vamos ou não fazer. Então quando acontece o fracasso (e ele certamente virá), nós somos enviados a rodopiar no abismo da dúvida e da auto-recriminação. Por essa razão, devemos ocasionalmente permitir que Deus nos coloque longe do conflito, de modo que adquiramos a necessária perspectiva, e aprendamos, entre outras coisas, a ter paciência com nós mesmos. Tal como aconteceu com Moisés.
Esse tempo a sós com Deus pode ser simplesmente uma tarde gasta numa caminhada na quietude da Natureza – longe do que aconteceu. Ou, em alguns casos, poderia ser a necessidade de um período de férias. Seja como for, em tempos de revezes, é essencial tomar tempo para voltar a Deus e obter perspectiva.
Desgaste e lágrimas
Moisés estava em uma balança. Recomeçando seu ministério depois de anos de solidão no deserto, ele deleitava-se num longo fio de sucessos. Na verdade, aqueles eram tempos de tensão. Mas a maior parte das coisas movia-se na direção certa. Uma olhadela em seu ministério durante esse período revela momentos que qualquer pastor poderia cobiçar: ele exibiu uma coragem sólida durante o episódio do Mar Vermelho; comunicou uma clara e confiante palavra de Deus diante da ansiedade do povo; resolveu algumas questões organizacionais difíceis; administrou corajosamente um problema disciplinar difícil, resultando em três mil membros permanentemente desligados da igreja; e liderou a congregação num milionário programa de construção, gerenciando ele mesmo os recursos arrecadados. Impressionante!
Mas então as coisas começaram a esquentar. Sempre houve uma medida de crítica contra o ministério de Moisés, mas agora ela se tornara intensa. Uma rebelião instigada por alguns membros influentes que resolveram destituir Moisés da liderança. Mais de 14 mil pessoas morreram como resultado. Não houvesse o próprio Moisés interferido, e muitos mais teriam perecido. Não surpreende que o desgaste e as lágrimas começassem a dobrar aquele estressado líder. Sua frustração construiu o ponto em que ele perdeu a calma e excedeu-se diante do povo. Todos queriam água, e “ele” a deu de maneira errada, golpeando a rocha, em vez de falar-lhe, como o Senhor orientara. Numa palavra, Moisés falhou.
O dilema espiritual para Moisés era óbvio. Ele não seguiu as instruções do Senhor. Entretanto, algo mais estava exaurindo seu nível emocional. Quais eram os pensamentos que corriam em sua mente quando ele percebeu que tinha falhado? Para muitos de nós, quando fracassamos, há uma carga excessiva de pensamentos e emoções reunidos como pesadas nuvens negras anunciando tempestade.
Linda Gottlieb e Carole Hyatt, no livro anteriormente mencionado, fala das emoções conflitantes que acompanham o fracasso: “Você se sente esmagado, destruído, violentado, traído, apavorado, triste, culpado, depressivo, vingativo, letárgico, impotente e, ocasionalmente, aliviado e resoluto. … Sua disposição oscila descontroladamente entre a esperança e o desespero. É um tempo de grande confusão.” (pág. 39). Gottlieb e Hyatt tocam no ponto do fracasso, chamado pelos psiquiatras de “perda narcisística” – uma perda do senso do ego. “Quanto mais intimamente você identifica-se com o trabalho ou projeto que fracassou, maior é a perda.”
Ser e fazer
Isto é altamente reflexivo da experiência dos pastores. Toda a nossa vida e identidade podem facilmente centralizar-se em nosso ministério. E quando nós sentimos que fracassamos em um projeto, todo o nosso senso de ego pode sofrer. Despencamos emocionalmente – não raro em formas brandas (às vezes não tão brandas) de depressão. O problema é que, freqüentemente, somos incapazes de separar nossa personalidade daquilo que realizamos como trabalho. Mas nós não somos o nosso trabalho e vice-versa. A última coisa que poderíamos sugerir, de fato, é que deveríamos pastorear numa distância emocional segura, garantindo que jamais colheremos feridas ou faremos uma tolice.
Pastorear efetivamente é pastorear com paixão. E pastorear apaixonadamente requer engajamento completo. O desafio, entretanto, é ser hábil o suficiente para fazer uma completa distinção daquilo que alguém pode considerar trabalho fracassado e o valor que alguém possui diante de Deus e de si mesmo. Deus sempre considerou Moisés Seu amigo, apesar do que ocorreu. Seu valor como pessoa nunca foi colocado em questão. Essa verdade saliente possibilita a nossa libertação dos sentimentos de derrota e frustração. Enquanto nos alegramos pelo sucesso no ministério, encaramos as falhas como oportunidade de crescimento.
Nem tudo está perdido
Moisés estava no fim do seu ministério. Deus lhe havia informado que não poderia entrar na Terra Prometida, juntamente com o povo. Aquela terra era o destino final em direção ao qual ele caminhou e lutou durante tantos anos. Embora o senhor o valorizasse como pessoa e líder, ele deveria experimentar as conseqüências da sua falha.
Deus permite que Seus filhos fracassem devido ao propósito maior que tem em mente para eles. O Senhor levou Moisés para um lugar infinitamente melhor que a Canaã terrestre, a pátria celestial. O que parecera uma derrota completa, e indubitavelmente um terrível desapontamento para Moisés, tornou-se a última celebração. Por que? Porque Deus tem esta suprema habilidade para fazer coisas maravilhosas e inimagináveis, em nós e por nós, a partir das nossas experiências mais amargas e desanimadoras.
FREDRICK A. RUSSEL, Pastor da igreja adventista em Baltimore, Maryland, Estados Unidos