Tudo o que o Espírito Santo realiza em nós, por nosso intermédio e em nosso favor

Quando consideramos a doutrina do Espírito Santo, somos confrontados com um estranho paradoxo. Por um lado, encontramos um silêncio em muitas obras teológicas, com apenas alguma referência superficial sobre o tema em ligação com a questão da Trindade. Por outro lado, encontramos um crescente interesse no trabalho do Espírito Santo. O movimento pentecostal e a subsequente onda de cristianismo carismático têm levado muitos cristãos a um novo despertamento em relação ao Espírito Santo e Seus dons na vida dos crentes. Aqui, o foco é posto na obra do Espírito Santo em nós – os dons espirituais que nos capacitam para o desempenho de nossos ministérios.

Muito desse interesse alimentado em relação ao Espírito Santo é motivado pelos benefícios que adquirimos dEle. Entretanto, devemos nos lembrar de que o tema da Bíblia é primeiro e acima de tudo Deus; não nós e nosso potencial espiritual. Mesmo os dons que recebemos pertencem a Deus (1Co 12:11). Portanto, é apropriado que estudemos o Espírito Santo e Sua obra a partir de uma base teocêntrica e bíblica.

Porém, aqui há um desafio: As Escrituras não apresentam o Espírito em nenhuma forma estruturada e metódica. Talvez, em parte, isso tenha que ver com uma característica peculiar ao próprio Espírito Santo: Sua posição de retaguarda.

Abnegação

Na Bíblia, o Espírito Santo não busca ser o centro da atenção. Ele desempenha um papel que envolve mais uma “posição de retaguarda” na Divindade.1 O Espírito Santo promove e intermedia a presença e o senhorio de Jesus Cristo através de Sua presença em nossa vida. James Packer disse apropriadamente: “A mensagem do Espírito nunca é: ‘Olhe para Mim’; ‘ouça-Me’; ‘venha a Mim’; ‘receba-Me’; mas sempre é: ‘Olhe-O’; ‘veja Sua glória’; ‘conheça-O; ‘ouça Sua Palavra’; ‘vá a Ele e tenha vida’; ‘experimente Seu dom de alegria e paz’.”2

Em nosso mundo pecaminoso tão cheio de egocentrismo e busca de autopromoção, a beleza do Espírito pode ser vista não na exibição do Eu, mas em Sua abnegação. “Por essa razão os crentes são chamados ‘cristãos’, não ‘espírito-santistas’.”3 Assim, o Espírito Santo nos ensina humildade, ao dar glória a Deus o Pai, através de Jesus Cristo, Seu Filho.

Conhecimento de Deus

O Espírito Santo também desempenha papel fundamental em nosso conhecimento de Deus. O apóstolo Paulo estabelece que o Espírito Santo examina até a profundidade de Deus (1Co 2:10, 11). Ele conhece Deus como nenhum outro ser conhece. Não apenas tem acesso exclusivo a Deus, mas também é divino, membro da Divindade.4 Por essa razão, o Espírito Santo é singularmente adequado para revelar Deus e Sua vontade a nós, de maneira confiável e autorizada. Conhecer o Deus da Bíblia significa que temos que confiar em Deus que Se tornou conhecido a nós, através do Espírito Santo, em Sua Palavra. Em certo sentido, o Espírito Santo é a base epistemológica para o conhecimento de Deus.

Revelação e inspiração

As revelações especiais de Deus e Sua vontade, contidas na Escritura, resultam do trabalho do Espírito Santo. Toda a Escritura é inspirada por Deus (2Tm 3:16), e nenhuma profecia pode ser elaborada por vontade humana (2Pe 1:20, 21). O Espírito Santo é o Espírito da verdade (Jo 14:16, 17; 15:26), produz em nosso coração e mente confiança na Palavra de Deus. O Espírito Santo moveu os escritores bíblicos de tal maneira que o que eles escreveram em suas próprias palavras foi, apesar disso, a Palavra de Deus que nos chega com autoridade divina 1Ts 2:13). Embora o Espírito Santo tenha inspirado aqueles escritores para que se lembrassem fielmente do que Deus lhes havia revelado, o resultado não foi um livro primariamente sobre o Espírito Santo, mas sobre Jesus Cristo, o Filho de Deus (cf. Lc 24:25-27, 44, 45; Jo 16:14; 15:26; At 5:32; 1Jo 4:2).

A íntima ligação entre o Espírito Santo e a Bíblia reside no fundamento do princípio protestante de autoridade. De acordo com Bernard Ramm, “o próprio princípio de autoridade dentro da igreja cristã deve ser… o Espírito Santo falando nas Escrituras, que são produto da ação inspiradora e reveladora do Espírito”.5 A Bíblia é autorizada porque é o veículo através do qual Deus escolheu nos falar, mediante a obra do Espírito.

O Espírito Santo e as Escrituras

Enfaticamente, Calvino chamou a atenção para o fato de que o Espírito Santo confirma o testemunho e estabelece a inviolável autoridade das Escrituras. A isso ele chamou de testemunho interno do Espírito (testimonium Spiritus sancti internum).6 Esse testemunho é mais forte que qualquer razão humana. Assim, a Escritura é autoautenticada.Essa garantia não é fruto de algum processo racional, mas é recebida pela fé. O Espírito Santo estabelece a confiabilidade das Escrituras na vida do cristão.

Ter a segura Palavra de Deus não é o bastante. Esse ato deve ser seguido de aceitação e obediência da Palavra. Assim, revelação, inspiração, correta compreensão e obediência à Palavra revelada são derivadas do Espírito Santo. Sem o Espírito, não há apreciação, ou afeição pela mensagem divina. Sem o Espírito, fé e amor estarão ausentes em nossas respostas à mensagem da Escritura. Necessitamos do Espírito Santo para nos capacitar a compreender o que Ele inspirou (cf. 1Co 2:12, 14, 15; Ef 1:17-19; Sl 119:18).

“A verdadeira unidade é trabalho do Espírito. Somos Seus humildes servos e não devemos estorvar Sua influência”

O trabalho do Espírito Santo com a Escritura não se limita ao distante passado. Ele continua a falar às pessoas através da Bíblia ainda hoje, tornando-a viva, ao mesmo tempo em que nos ajuda a compreender o significado e relevância do texto bíblico para nossa vida no presente. “O Espírito não foi dado… a fim de sobrepor-Se à Escritura; pois esta explicitamente declara ser ela mesma a norma pela qual todo ensino e experiência devem ser aferidos.”8

Ao aceitar a Palavra escrita como sendo confiável e verdadeira, somos levados pelo Espírito a aceitar a Palavra viva de Deus, Jesus Cristo, como nosso Salvador e Senhor.

O Espírito Santo e Cristo

O Espírito Santo foi ativo instrumento não apenas na produção da Palavra escrita de Deus, mas também atuou na concretização da Palavra encarnada. Ele preparou o caminho para o Messias através dos profetas. Mais significativamente, “a concepção do Messias foi empreendida pelo Espírito”.9 Ele foi o responsável pela concepção de Jesus Cristo no ventre da virgem Maria: “O anjo respondeu: O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com a Sua sombra” (Lc 1:35). Qual foi o resultado disso? Aquele recém-nascido seria chamado “santo, Filho de Deus”, significando que Jesus é na verdade o Filho dAquele que é santo, o Filho de Deus, verdadeiramente divino e verdadeiramente humano.

Segurança da salvação

O Espírito Santo nos dá certeza de nossa salvação por meio de Jesus Cristo. Ele “testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8:16). Dá-nos a evidência de que Deus trabalha em nós. “Do seguinte modo sabemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu” (1Jo 3:24). O Espírito Santo nos dá segurança de nossa adoção como filhos de Deus. Ele é a testemunha e o selo que confirmam nossa permanência em Cristo (2Co 1:21, 22; Ef 1:13, 14; 4:30).

O Espírito Santo é o agente desse selamento e a garantia de que Deus completará a obra que Ele mesmo começou em nós (Fp 1:6). Por essa razão, o apóstolo Paulo estabelece que todas as promessas de Deus têm o “sim” em Cristo (2Co 1:20), que “nos ungiu, nos selou como sua propriedade e pôs o seu Espírito em nossos corações como garantia do que está por vir” (v. 21, 22). Esse selamento implica uma obra de dimensão moral; andar no caminho da santidade que acompanha o selamento do Espírito.10 Daí, a admoestação paulina: “Não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês foram selados para o dia da redenção. Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade. Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo” (Ef 4:30-32, cf. 1Tm 2:19). Em outras palavras viver no Espírito significa ter um estilo de vida espiritual e congruência moral com os ensinamentos das Escrituras (cf. 1Co 4:17).

Novo nascimento

“Respondeu Jesus: ‘Digo-lhe a verdade: Ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito. O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito’.” (Jo 3:5, 6). Paulo afirma que, sem a obra do Espírito Santo, não podemos experimentar regeneração e renovação (Tt 3:5). Na verdade, enquanto nos permitimos ser guiados pelo Espírito de Deus, tornamo-nos filhos de Deus (Rm 8:14). O Espírito desperta corações pecaminosos e espiritualmente mortos (Ef 2:1; Ez 36:26, 27) e cura nossa cegueira espiritual (At 26:18; 2Co 4:4). Ele realiza isso ao despertar em nós a conscientização de nosso pecado (Jo 16:8) e nos convencer de nossa perdição e da consequente necessidade de um Salvador.

Santificação e desenvolvimento de caráter

O Espírito Santo deseja nos tornar santos, assim como Deus é santo. Por essa razão, Ele nos purifica do pecado e nos santifica. Paulo escreveu: “Vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus” (1Co 6:11). O Espírito produz em nós uma vida inteira de crescimento em santidade, exteriorizada no surgimento de frutos como “amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5:22, 23). Ele nos capacita a viver vitoriosamente pela graça de Deus. Nosso ser é transformado à Sua semelhança “com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito” (2Co 3:18).

Através do poder do Espírito Santo, recebemos santificação e a alegria da obediência (2Ts 2:13; 1Pe 1:2; cf. Rm 8:4; 15; 16).

Missão e evangelismo

O Espírito Santo também capacita os crentes para a missão e o evangelismo. Ele provê o poder essencial para a missão da igreja (At 1:8; Rm 15:18, 19). O Espírito Santo chama pessoas para que sejam portadoras da missão de Deus (At 13:2, 3). Ele guia e dirige missionários a lugares específicos a fim de que sejam testemunhas de Deus e trabalhem pelo crescimento de Sua igreja (At 16:6-8). Também equipa os cristãos para a proclamação efetiva do evangelho eterno em todo o mundo, e leva pessoas a aceitar Jesus como Salvador e a ser obedientes à Palavra escrita de Deus.

O Senhor determinou que a mensagem de Seu evangelho seria pregada ao mundo através de Seus discípulos que tivessem recebido o Espírito Santo. Entretanto, somente se a igreja estiver unida poderá cumprir a missão mundial. Nesse ponto, o Espírito Santo desempenha outra tarefa significativa.

Unidade na igreja

O Espírito Santo nos une de diversas maneiras. Primeiramente, Ele nos conduz a Cristo, nosso Salvador e nos une a Ele. De acordo com João Calvino, “o Espírito Santo é o vínculo pelo qual Cristo efetivamente nos une a Si”.11 Ser unido a Cristo “é, de fato, o fundamento de todas as bênçãos da salvação. Justificação, santificação, adoção e glorificação, tudo isso é recebido através de nossa união com Cristo”.12 Esse trabalho do Espírito Santo, realizado no indivíduo, leva a uma comunidade de fé específica: a igreja.

Tendo experimentado a salvação por meio de Jesus Cristo, a igreja é levada a viver a comunhão do Espírito Santo (2Co 13:14; Fp 2:1, 2). De fato, a igreja necessita ser compreendida como uma comunidade de fé que é chamada para permanecer no Espírito. Assim, os crentes são individualmente constituídos em uma nova casa espiritual de Deus “no Espírito” (Ef 2:22). Como seguidores de Cristo, devemos estar zelosamente empenhados em “conservar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4:3).

Pelo mesmo Espírito, também somos batizados no corpo de Cristo (1Co 12:13). O Espírito Santo nos une, através do batismo em um corpo; consequentemente, a igreja, como comunidade de fé se torna o lugar da habitação do Espírito Santo (1Co 3:16, 17; Ef 2:19-22). Além disso, o Espírito Santo apoia e sustenta os vários membros do corpo de Cristo, outorgando-lhes dons espirituais. São diferentes dons, que o mesmo Espírito distribui individualmente, segundo a vontade dEle (1Co 12:11), e que cooperam para o bem comum (v. 7), de modo que o corpo de Cristo seja bem equipado para o cumprimento da missão de proclamar o evangelho eterno a um mundo prestes a perecer. Considerando que o Espírito Santo distribui Seus dons conforme Sua vontade, não devemos esperar que todos os crentes recebam obrigatoriamente todos os dons.

“Sem o Espírito Santo, fé e amor estarão ausentes em nossas respostas à mensagem da Escritura”

O Espírito Santo produz amor em nosso coração (Rm 5:5; Gl 5:22; Cl 1:8), e esse amor nos reúne em perfeita harmonia (Cl 3:14). Nesse amor e unidade espiritual, “não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus”, através da obra do Espírito (Gl 3:28).

Frequentemente creditamos a seres humanos a habilidade de plantar, estabelecer e manter igrejas. Entretanto, não devemos nos esquecer de que, em mais profunda instância, a própria existência da igreja depende do Espírito Santo. Podemos buscar unidade e paz, bem como fazer tudo para evitar contenda e discórdia entre nós; mas a verdadeira unidade é trabalho do Espírito. Somos Seus humildes servos e não devemos estorvar Sua influência.

O fundamento teológico para a unidade da igreja é a operação do Espírito Santo através da divina Palavra escrita, por Ele inspirada. O Espírito de Cristo, que habita nos cristãos jamais nos leva a duvidar, criticar, ir além ou minimizar os ensinamentos bíblicos. O Espírito Santo trabalha com a Bíblia, a fim de que ela se revele a Palavra viva de Deus, que pode transformar nossa vida.

Em suma, o Espírito Santo é a terceira Pessoa da Divindade, trabalhando harmoniosamente com Deus, o Pai, e com Deus, o Filho, na criação e em nossa salvação. O Espírito Santo nos desperta da morte espiritual, leva-nos à conscientização de nossa pecaminosidade e perdição, criando em nós o anseio por mudança e conduzindo-nos a Jesus Cristo. Ele nos dá a certeza da salvação, amolda-nos para que sejamos semelhantes a Jesus e habilita-nos a cumprir a vontade e a missão de Deus. Ele gerou a Palavra escrita de Deus, como nosso guia seguro e única norma para a vida e doutrina cristãs. Finalmente, o Espírito Santo une a igreja no fundamento da Palavra de Deus.

Graças a Deus por Sua sublime presença, através do Espírito Santo!

Referência:

  • 1 Bruce A. Ware, Father, Son and Holy Spirit: Relationships, Roles and Relevance (Wheaton, IL: Crossway Books, 1005), p. 104.
  • 2 James I. Packer, Keep in Skip with the Spirit (Leicester, Inglaterra: InterVarsity Press, 1994), p. 6, citado em Graham A. Cole, He Who Gives Life: The Doctrine of the Holy Spirit (Wheaton, IL: Crossway Books, 2007), p. 284.
  • 3 Graham A. Cole, Ibid.
  • 4 Sobre a divindade e personalidade do Espírito Santo, ver Edward Henry Bickkersteth, The Trinity (Grand Rapids. MI: Kregel Publications, 1993); Max Hatton, Understanding the Trinity (Alma Park Grantham, Inglaterra: Autum House, 2001); Woodrow Whidden, Jerry Moon e John Reeve, The Trinity: Understanding God’s Love, His Plan of Salvation and Christian Relationships (Hargestown, MD: Review and Herald, 2002).
  • 5 Bernard Ramm, The Pattern of Religious Authority (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1968), p. 29.
  • 6 João Calvino, Calvin: Institutes of the Christian Religion (Philadelphia: Westminster John Knox Press, 1988), v. 1. p. 7.
  • 7 Ibid., p. 7, 4.
  • 8 Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 7.
  • 9 Graham A. Cole, Op. Cit., p. 151.
  • 10 Ver Thomas C. Oden, Systematic Theology (Peabody, MA: Prince Press, 2011), v. 3, p. 185.
  • 11 João Calvino, Op. Cit., 3.1.1.
  • 12 Robert Letham, The Work of Christ (Leicester, Inglaterra: InterVarsity Press, 1993), p. 80, citado em Graham A. Cole, Op. Cit., p. 217.