Considerações sobre a teologia do chamado
O ministério é a pulsação do cristianismo.1 O apóstolo Paulo afirmou que “se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja” (1Tm 3:1). Desse modo, o chamado ministerial é uma ocupação vocacional para todo o que o aceita e nele se engaja. Por que, então, é considerado tão desgastante?
Pesquisas na África Oriental destacam o estresse como um dos principais obstáculos ao desempenho pastoral.2 O psicólogo Richard Blackmon declara: “Pastores são, isoladamente, o grupo ocupacional mais frustrado na América.”3 Por sua vez, Richard J. Krejcir afirma: “Sendo pastor, após 18 anos de pesquisas em parceria com outros colegas (esses dados são apoiados por outros estudos), descobrimos que exercemos uma atividade de risco! Somos o grupo que, talvez, faça parte da ‘profissão’ mais estressante e frustrante. Mais do que médicos, advogados e políticos. As pesquisas mostraram que mais de 70% dos pastores estão tão estressados e sofrendo burnout que não raramente pensam em deixar o ministério. Aproximadamente 40% dos pastores abandonam o ministério, a maioria depois de apenas cinco anos de trabalho.”4
Muitos ministros são procurados por jovens de suas congregações que buscam confirmação para o sentimento que têm de estar sendo chamados para o ministério. A questão relevante é: existe realmente um chamado do Senhor? Se sim, como saber?
Elementos do chamado
Há duas visões extremas relativas ao chamado. A primeira tem sido denominada visão liberal. Ela tende a menosprezar o fator sobrenatural e considera o ministério uma escolha de carreira, em vez de chamado divino. A segunda é a visão mística. É aqui que o ministro, supostamente, “ouve vozes” e “têm visões”, como a cruz no céu de Constantino.5 Nenhum desses pontos de vista faz jus ao chamado, porque o ministério pastoral incorpora tanto o chamado divino quanto o desprendimento humano.
Basicamente, o chamado divino para o ministério deve incluir quatro elementos:
O convite público (chamado geral). Todos são chamados a tomar a cruz de Cristo e participar do discipulado ouvindo, estudando e compartilhando a Palavra de Deus com fé e disposição.
A convicção particular (chamado individual). É o sentimento interior por meio do qual a pessoa se sente enviada por Deus para cumprir o ministério.
A aprovação pessoal (chamado providencial). É o senso da direção divina na vida e no testemunho daquele que foi chamado, a visível aprovação celestial e o reconhecimento por meio do exercício dos dons concedidos.
O chamado eclesiástico (confirmação institucional). É o convite feito por uma instituição da igreja àquele que sentiu o chamado para se dedicar ao ministério.6
Não deve haver preocupação de como esses elementos se interligam entre si, seja em importância ou modo de se relacionarem. O princípio-chave é que qualquer que seja a ideia do que constitui o chamado para o ministério, ela deve considerar a necessidade de que esses quatro elementos estejam presentes. Vamos examinar cada um deles.
Chamado geral ou público. Por que Deus chama pessoas? Jesus chamou, capacitou e enviou Seus discípulos para pregar, batizar e fazer discípulos de todas as nações (Mc 3:13, 14; Mt 28:19, 20). Portanto, primeiramente é preciso ter Cristo antes que possamos pregar sobre Ele. O chamado se torna nulo se não temos Jesus em nossa vida. Somente uma pessoa crucificada é capaz de testemunhar do Cristo crucificado.
Esse é o ponto em que alguém chamado para ser cristão sente a convicção de que também está sendo convidado por Deus a assumir o ministério. Como ocorre essa transição do chamado público para o discipulado, para a convicção pessoal do ministério? O chamado divino deve ser visto como lançar mão do arado e não largar (Lc 9:62). Ele é um chamado para toda a vida (Is 6:11). Assim, a inclinação para o ministério não deve resultar de algum impulso momentâneo nem do fascínio temporário por honras que possam vir em decorrência da função pastoral. Ao contrário, deve ser o resultado de uma busca intensa e de oração fervorosa. Se for simples paixão, também desaparecerá. O chamado divino persiste mesmo depois das tentativas de seguir outras carreiras. Ele se torna um baluarte da sobrevivência quando as coisas ficam difíceis.7
Chamado pessoal ou particular. O ministério cristão é, antes de tudo, um chamado divino. Ao longo da Bíblia e da história do cristianismo, servos fiéis do Senhor se sentiram impelidos a exercer o ministério. Paulo relatou que Cristo o chamou e o designou para o ministério (1Tm 1:12-15). Ele teve convicção do seu chamado e não pôde deixar de responder (Gl 1:15-17). Isaías disse: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros”; então, ele ouviu o Senhor dizendo: “A quem enviarei, e quem há de ir por Nós?” Fortalecido pelo toque purificador e capacitador do Espírito Santo, Isaías respondeu: “Eis-me aqui, envia-me a mim” (Is 6:5-8). Jeremias exclamou: “É como se um fogo ardesse em meu coração, um fogo dentro de mim” (Jr 20:9, NVI).
O sentimento de estar obcecado com o chamado é causado pelo elevado propósito do ministério. Spurgeon escreveu: “O chamado ao ministério é irresistível, avassalador e desperta a sede de contar aos outros o que Deus fez à nossa própria vida.”8 Alguns receberam o chamado, e para sua própria angústia, não o atenderam. Como Jonas, eles tiveram a vida marcada pela turbulência. Encontraram paz somente quando pararam de fugir do Senhor.
Chamado providencial. O ministério não é para aqueles que não podem obter sucesso em outro tipo de trabalho. É para aqueles que dizem como Paulo: “Ai de mim se não pregar o evangelho!” (1Co 9:16). Sem a Palavra de Deus como um fogo em seu coração, não somente seriam infelizes no pastorado, mas também seriam incapazes de suportar as renúncias necessárias para exercê-lo. Além disso, o forte desejo de se tornar ministro do Senhor deve ser acompanhado pelos dons necessários para esse ofício.
Considere Aquele para quem você está trabalhando. Segundo Ellen White, “ministros fiéis são colaboradores do Senhor na realização de Seus desígnios. Deus lhes diz: Ide, […] pregai a Cristo”.9 De modo geral, pode-se dizer que, para ter sucesso no ministério precisamos ser capacitados com os dons espirituais. Os colaboradores de Cristo devem ter aptidão para ensinar e habilidade para pregar. De acordo com Leslie Flynn, “nessa medida, os pregadores nascem, não são feitos”.10
Aqui é preciso destacar que se você foi chamado, o Senhor o qualificará. Títulos e diplomas de formação acadêmica são necessários e importantes, mas não são provas de que um pastor tenha direito ao ministério. É preciso não somente ter consciência da necessidade dos dons, mas também noção do sacrifício requerido. A abnegação para exercer o ministério é tal que, se não houver amor e paixão por parte de quem sentiu o chamado, não poderá sobreviver. A pessoa precisará abandonar o trabalho penoso ou continuar descontente, sobrecarregada, enfadada com a monotonia tão cansativa quanto o cavalo cego de um moinho.11
Chamado eclesiástico. Historiadores cristãos dizem que, nos tempos da Reforma, o chamado da igreja estava em primeiro lugar.12 Quando detectavam o dom pastoral em alguns jovens, eles os incentivavam a “despertar esse dom”. Então, se esses sentissem o chamado interior, seguiriam em frente com o apoio de todos. O chamado pressupunha estar habilitado para o exercício da função. No Novo Testamento foram escolhidos para o ministério os que possuíam qualidades espirituais e capacidade para as tarefas previstas (1Tm 3:1-13).13
Portanto, os que almejam seguir a carreira ministerial devem submeter sua impressão ao exame de irmãos consagrados, líderes dedicados e pastores experientes. Uma indicação exterior ainda mais importante seria a de que esse candidato já manifestasse algumas evidências de aptidão para o ministério. Em outras palavras, a confirmação suprema de que alguém possui o dom pastoral é o reconhecimento dos outros. Assim, o ministério não é o resultado de um chamado, mas de dois. Como G. Moyce disse: “Teologicamente, o chamado para o ministério é de Deus, mas confirmado pela igreja.”14
João Calvino declarou que “se alguém deve ser considerado verdadeiro ministro da igreja, é necessário que este considere o chamado exterior da igreja e o seu chamado interior, consciente de ministrar a si mesmo”.15 Uma vez convencido do chamado, surge a necessidade de validação eclesiástica. De acordo com Jock Stein, a ideia de uma convicção interna isolada contém perigos, como a história da igreja tem provado muitas vezes. A igreja precisa ter critérios objetivos para que possa confirmar e validar o chamado.16
Ministério autêntico
O chamado providencial e o chamado eclesiástico estão intrinsecamente ligados entre si. No entanto, a convicção interior do candidato deve ser primordial. Se alguém não tem certeza sobre o chamado, então, de acordo com Jock Stein, por mais promissor que ele seja em todos os outros aspectos, a igreja tem não apenas o direito, mas também o dever de questionar sua candidatura.17 G. Moyce coloca o ônus sobre o ministro ao dizer que “o chamado vem de Deus, assim, todo ministro tem um chamado que transcende a lealdade para com a igreja e os membros.”18
A administração da igreja, o ministério de capelania, o ministério educacional e o ministério pastoral fazem parte da missão de Cristo, realizada por missionários em seu país natal ou em terras estrangeiras. Já trabalhei como pastor, professor e administrador. Considero todas essas atribuições importantes e necessárias. No entanto, em minha função atual, exalto o privilégio de ser pastor de igrejas. John Stott disse: “Eu amo Cambridge e me senti atraído pela vida acadêmica, mas Deus me chamou para o pastorado.”19 O ministério autêntico deve ser “um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12:1).
Ministério realizado
Na medida em que pastores têm abandonado o ministério a um ritmo alarmante, o assunto do chamado não é uma questão técnica, mas de sobrevivência. De acordo com Leslie Flynn, “o ministério hoje pode ser árduo e espinhoso. Para sobreviver, o pastor precisa ter certeza de que Deus o chamou, caso contrário, a tarefa pode ser esmagadora”.20
Podemos ter qualificações e ser ordenados pela igreja, mas somente Deus pode nos capacitar a cumprir o ministério de maneira plena. Antes de tudo, é preciso ser chamado por Deus. Quando isso acontece, o Senhor assegura de que sejamos capacitados e reconhecidos. Walter Wiest declarou: “Devemos fazer concessões ao Espírito Santo, que opera quando e onde Deus determina. Ele realiza maravilhas apesar das limitações de Seus ministros.”21 Uma vez que tenhamos certeza do chamado divino, precisamos nos render ao Senhor e crer que Ele suprirá todas as nossas necessidades.
Referências
1 Helmut Richard Niebuhr, The Purpose of the Church and Its Ministry: Reflection on the aims of theological education (Nova York: Harper and Brothers, 1956), p. 63.
2 Crispus Micheni Ndeke, “An assessment of pastors stress management models among pastors in Presbyterian churches of East Africa in Meru South and Maara Districts” (dissertação de mestrado, Mount Kenya University, agosto 2013).
3 Richard Blackmon, citado em Gary Kinnaman e Alfred Ells, Leaders That Last: How covenant friendships can help pastors thrive (Grand Rapids, MI: Baker Books, 2003), p. 14, 15.
4 http://www.intothyword.org/apps/articles /?articleid=36562.
5 Franklin M. Segler, A Theology of Church and Ministry (Nashville, TN: Broadman Press, 1960), p. 37.
6 Niebuhr, p. 65.
7 Leslie B. E. Flynn, How to Survive in the Ministry (Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1992), p. 23.
8 Charles Spurgeon, “Lectures to my students”, Series 1 (Marshall Brothers), p. 23.
9 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 18, 19.
10 Flynn, p. 23.
11 Ibid.
12 Jock Stein, ed., Ministers for the 1980s (Edinburgh: Handel Press, 1979), p. 26.
13 Howard Belden, ed., Ministry in the Local Church (Londres: Epworth Press, 1986), p. 1.
14 Adaptado de G. B. Moyce, Pastoral Ethics: Professional responsibilities of the clergy (Nashville, TN: Abingdon Press, 1988), p. 175.
15 Ibid.
16 Stein, p. 25.
17 Ibid., p. 26.
18 Moyce, p. 175.
19 John Stott, “Humble scribe”, Christianity Today, 8/9/1989, p. 63.
20 Flynn, p. 63.
21 Walter E. Weist, Ethics in Ministry (Mineápolis, MN: Fortress Press, 1946), p. 103.
Daniel Opoku-Boateng, doutor em Teologia, é vice-presidente e secretário ministerial para a Igreja Adventista na região Centro-Oeste Africana