No quarto século antes de Cristo, Aristóteles afirmou que “o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem junto”.1 Para ele, o ser humano é gregário, necessita viver em grupo e fazer parte de um corpo político, palavra que vem de pólis, cidade-estado da Grécia antiga.
A igreja é, por excelência, a vida em coletividade. Basta lembrar que o termo grego ekklesia, igreja, significa assembleia, ajuntamento. É uma pequena pólis, chamada de “nação” santa (1Pe 2:9).
A Igreja Adventista do Sétimo Dia segue os princípios deixados por Cristo, quando se trata de separação entre Igreja e Estado. Ele viveu sob o cruel Império Romano, mas não tentou realizar nenhuma reforma civil. Jesus “não atacou nenhum abuso nacional nem condenou os inimigos da nação. Não interferiu na autoridade nem na administração dos que estavam no poder. Aquele que foi nosso exemplo permaneceu afastado dos governos terrestres”, escreveu Ellen White.2
Mesmo atuando intencional e deliberadamente de forma separada do Estado, a igreja não é inerte quando se trata da defesa da liberdade religiosa, nos países em que a atuação seja possível dentro das leis nacionais. Exemplo dessa participação pode ser visto quando os líderes adventistas criaram, em 1889, a Associação Nacional de Liberdade Religiosa que, quatro anos depois, tornou-se a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (Irla). Em 1901, a denominação estabeleceu o Departamento de Liberdade Religiosa e Assuntos Públicos.
Antes, porém, da criação dessas entidades, em 1880, promotores da liberdade religiosa reuniram cerca de 250 mil assinaturas para se manifestar contra as leis dominicais que estavam sendo votadas no Congresso dos Estados Unidos. Em 1927, em conjunto com outras organizações, foram coletadas 9 milhões de assinaturas sobre o mesmo tema.
Recentemente, em 2016, o Departamento de Liberdade Religiosa da sede sul-americana da igreja peticionou ao governo brasileiro para que as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não fossem aplicadas aos sábados. Cerca de 100 mil estudantes sabatistas brasileiros estavam sendo prejudicados. O governo abriu uma consulta pública, atendeu ao pedido e atualmente a avaliação acontece em dois domingos. Quatro anos depois, outra reivindicação da igreja foi analisada pela Suprema Corte, a fim de garantir que os guardadores do sábado tivessem acesso a cargos públicos. Assim, embora a igreja não atue diretamente de forma política, ela não deixa de se fazer presente na defesa da liberdade de seus membros, suas instituições e seus valores.
No documento “Os Adventistas e a Política”,3 votado no Concílio Anual da Divisão Sul-Americana em novembro de 2017 e revisto em agosto de 2020, há recomendações sobre a posição denominacional acerca do tema. O documento é recente, mas não é novidade. Ele considera o histórico de defesa da liberdade religiosa desde a fundação da igreja, no século 19, bem como as declarações oficiais adventistas sobre a relação entre Igreja e Estado.
De fato, nenhum documento oficial afirma que Igreja Adventista do Sétimo Dia é apolítica; ou seja, ela não é amigável nem hostil à política. Contudo, é apartidária. Dessa forma, não promove nem se compromete com o mundo político. Ela reconhece os privilégios e as obrigações do exercício da cidadania, mas não possui nem mantém partidos políticos, não se filia a eles, tampouco repassa recursos denominacionais para atividades partidárias. Isso acontece nos 219 países em que ela está presente.
A igreja respeita as autoridades eleitas, mas não possui uma bancada de parlamentares, seja em prefeituras, estados, províncias ou governos nacionais, e não investe na formação de lideranças partidárias.
Quanto à sua membresia, não é proibido que alguém seja candidato a cargo eletivo. Porém, a condição de membro não o autoriza a se valer do fato de ser filiado à organização para utilizar símbolos, imagens, eventos ou discursos a fim de angariar prestígio político.
Em relação aos funcionários ou missionários das instituições adventistas, apresentadores de rádio, TV ou canais nas redes sociais, as regras de compliance da organização não aprovam a filiação partidária nem a candidatura a cargos eletivos, seja em que nível for. O documento oficial determina que pastores, obreiros, jubilados com credencial especial, funcionários da organização, líderes locais e membros não apresentem nem promovam candidatos, sejam eles membros da igreja ou não, em templos, sedes administrativas, unidades educacionais, de saúde ou em quaisquer outras instituições, seja nos cultos ou em programas promovidos e realizados pela denominação. O descumprimento pode implicar suspensão, cassação ou cancelamento de credenciais ministeriais ou missionárias.
Essas orientações podem parecer excessivamente rígidas, porém a finalidade delas é salvaguardar os colaboradores e cumprir o princípio de não intervenção no domínio político.
Mesmo se recusando a atuar partidariamente, a igreja reconhece que há muitas maneiras de influenciar e impactar a comunidade, sem a atuação política propriamente dita como, por exemplo, o incentivo à prática de exercícios físicos, bem como a promoção de serviços de assistência social, educação, saúde, sem qualquer objetivo político, mas tão somente em cumprimento aos mandamentos do evangelho.
Na epidemia conhecida como peste antonina, que assolou o Império Romano nos anos 165 a 180 d.C, na qual morreram mais de 5 milhões de pessoas,4 a presença do cristianismo marcou a diferença.
Geoffrey Blainey afirmou que a epidemia “indiretamente promoveu o cristianismo, pois muitos romanos ficaram impressionados com a visão dos cristãos dando pão e água às vítimas que se achavam enfermas demais para se moverem”.5
E a igreja continua agindo de maneira idêntica. Basta olhar a presença impactante de suas agências humanitárias, entre várias outras iniciativas, atuando sem nenhum caráter político para minorar o sofrimento da humanidade. Dessa forma, ela continuará mudando o mundo, uma vida de cada vez, com a mensagem de salvação de Cristo Jesus.
Referências
1 Aristóteles, A Política (São Paulo: Martin Claret, 2005), p. 8.
2 Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), p. 407.
3 Divisão Sul-Americana, Os Adventistas e a Política. Disponível em: <link.cpb.com.br/796321>, acesso em 27/5/2022.
4 Verity Murphy, Past pandemics that ravaged Europe. Disponível em: <link.cpb.com.br/39c429>, acesso em 27/5/2022.
5 Geoffrey Blayney. Uma Breve História do Mundo (São Paulo, SP: Fundamento Educacional, 2010), p. 151.