Muitos de nós nos sentimos chocados com o desastroso terremoto que sacudiu a Cidade do México em 19 de setembro de 1985, matando cerca de 8.000 pessoas. Ficamos também chocados, dois meses depois, quando um fluxo de lama, resultante de uma erupção vulcânica, destruiu a maior parte da cidade de Armero, na Colômbia, sepultando pelo menos 20.000 pessoas. Por que fomos surpreendidos por esses desastres? Em ambos os casos houve alertas. Nossas reações suscitam algumas interrogações de interesse acadêmico, mas também, e mais importante ainda, suscitam perguntas relacionadas diretamente com a crença ou descrença na narrativa de Gênesis, de um dilúvio universal.
Uma breve revisão histórica ajudará a esclarecer as questões que se acham envolvidas. Por volta do fim do século dezoito, estava em fermentação certo número de controvérsias geológicas — algumas das quais acaloradas.1 Entre elas, encontrava-se a proposição bastante controvertida do famoso geólogo escocês James Hutton, segundo a qual a crosta terrestre surgiu como resultado de lentas mudanças ao longo das eras. Sua proposição contrariava o conceito então vigente de que as grandes catástrofes foram os agentes importantes da alteração geológica. (O número e o tipo de catástrofe sugeridos variavam de acordo com o teórico. Alguns consideravam o dilúvio universal descrito em Gênesis como sendo a principal catástrofe.) Enquanto os escritos de Hutton obtinham fama de obscuros, a verdade é que ele pretendia explicar a alteração geológica a partir de processos demorados e normais: “Que mais podemos exigir? Nada, a não ser tempo.’’ Em sua exposição mais famosa (publicada inicialmente em 1788), ele estendeu seu realce sobre o natural até os limites do passado e do futuro: “O resultado, portanto, de nossa investigação presente é que não encontramos nenhum vestígio de um começo — nem perspectiva de um fim.”
Vários outros cientistas entraram na controvérsia sobre em que proporção deveria a alteração geológica ser considerada normativa. Sir Charles Lyell, o mais importante deles, salientou com mais vigor ainda do que o seu predecessor Hutton, a importância de mudanças pequenas e lentas. Numa carta a seu colega geólogo, Roderick Murchison, ele declarou que “nenhuma causa, absolutamente, agiu sempre, desde a época mais remota, à qual possamos volver-nos, no presente, a não ser aquelas que agora agem… e elas jamais agiram com poder maior do que aquele que agora exercem.”
Lyel publicou uma obra maior, Principies of Geology (1830-1833), que chamou de polêmica, “para humilhar os diluvianistas” (aqueles que criam num dilúvio universal, como se acha descrito no livro de Gênesis). Ele foi mais bem-sucedido do que Hutton em obter apoio para o conceito de mudanças lentas. Foi também mais hábil na maneira de argumentar. Uma carta que escreveu a um ativo defensor, revela um pouco de sua metodologia: “Se você… saudar a liberalidade e a franqueza da época presente, os bispos e os santos iluminados se juntarão a nós em fazer pouco caso tanto dos físicos-teólogos antigos quanto dos modernos.”
Aparentemente, os métodos de Lyell deram certo, pois logo a maioria dos geólogos e outros estudiosos adotaram conceitos rígidos de mudanças lentas de longos períodos de tempo. Essa nova interpretação se colocava em franco contraste com o relato histórico da Bíblia, que fala de uma criação recente, e de um dilúvio universal que poderia ter produzido muitos dos aspectos geológicos em discussão.
Durante esse tempo, as palavras uniformitarianismo e catastrofismo passaram a ser usadas para descrever as duas linhas contrastantes de pensamento. O catastrofismo refere-se ao conceito de que as maiores catástrofes, em geral de conseqüência universal, foram a causa principal na formação da crosta terrestre. O uniformitarianismo diz respeito à teoria de que as alterações ocorreram como resultado de processos normais, que se operaram em longos períodos de tempo. Os termos sofreram, recentemente, algumas mudanças de significado em seu uso clássico, mas ainda permanece o contraste entre as duas linhas de pensamento.
O CATASTROFISMO PERDE TERRENO
1. O catastrofismo muitas vezes esteve associado com interferência sobrenatural, e durante a época do debate a Ciência foi-se emancipando de conceitos errôneos, procurando explicar tudo em sua própria estrutura naturalista. A teoria da evolução, que se desenvolvia nessa época, é um exemplo. Um pouco antes o próprio Hutton expressou sua tendência: ‘‘Portanto, não há como recorrer a qualquer suposição antinatural do demônio, a algum acidente destruidor na Natureza, ou à influência de alguma causa sobrenatural, ao explicar aquilo que realmente se apresenta.’’
2. Os acontecimentos catastróficos são raros, e não os introduzimos prontamente em nossa idéia.
3. A fim de demonstrar princípios científicos, é por demais desejável examinar as hipóteses, para ter certeza de que as conclusões são corretas. É muito mais fácil testar por meio de processos normais do que mediante acontecimentos catastróficos raros, e os resultados da pesquisa se inclinarem, dessa forma, para o evento mais facilmente acessível e normal. Todos estes fatores, e certamente outros também, contribuíram para aplicação rigorosa das interpretações uniformitarianas na geologia.
Recentemente o quadro mudou dramaticamente. As datas das próprias rochas exigiriam uma reinterpretação. O conceito de andamento demorado e constante de mudança está sendo desafiado em muitos aspectos da interpretação geológica, e as catástrofes estão novamente sendo consideradas como agentes geológicos importantes. Notai as seguintes declarações autorizadas, que põem em relevo esta recente mudança de posição:
W. Bahngrell Brown, Geology: “Ultimamente tem havido um importante rejuvenescimento do catastrofismo no conceito geológico.’’2
Derek V. Ager, The Nature of the Stratigraphical Record: “O furacão, a inundação e o maremoto podem fazer mais em uma hora ou em um dia do que os processos normais da Natureza o fizeram em mil anos.’’3
Dag Nummendal, Geotimes: “O grande papel da maior tempestade de toda a história geológica se está tornando cada vez mais aceito.’’4
Erle Kauffman, em Roger Lewin, Science: “É uma grande ruptura filosófica para os geólogos aceitarem a catástrofe como parte normal da história da Terra.’’5
No passado, o catastrofismo pode ter sido considerado totalmente não científico; agora, porém, os geólogos estão achando aceitáveis os conceitos semelhantes. Em convenções arqueológicas, são comuns agora as discussões sobre os principais acontecimentos catastróficos. Alguns cientistas, particularmente, têm-se preocupado com o fato de a nova tendência não estar associada com o sobrenatural, como às vezes esteve no século dezoito e no dezenove. Têm surgido até palavras que não catastrofismo, para caracterizar a nova aproximação — estas incluem neocatastrofismo , episoidismo e eventos convulsivos — mas a terminologia e as definições continuam sendo constantemente alteradas.
Ao passo, porém, que o uniformitarianismo já não é dogma, parece não haver nenhuma tendência para diminuir os bilhões de anos pretendidos para a história da crosta terrestre. Os teoristas defendem as longas eras para calcular os longos períodos de tempo entre os acontecimentos catastróficos. O novo catastrofismo não postula um acontecimento de vulto, como o dilúvio de Gênesis; não obstante, o pensamento corrente muitas vezes considera seriamente acontecimentos de significado mundial.
OS PERDIDOS INTERVALOS DO TEMPO
Os intervalos de tempo existentes entre os acontecimentos catastróficos, oferecem um argumento a mais em favor da autenticidade da narrativa bíblica das origens. O registro geológico destes intervalos não apresenta nenhuma evidência parecida com aquela que a superfície da Terra agora apresenta, dos efeitos de longa exposição a agentes desgastantes. Em geral há ausência de vestígios de erosão, do surgimento de pântanos e de restos de fósseis pelo surgimento de vida vegetal, nestes hipotéticos grandes intervalos. Tivessem ocorrido longos períodos de tempo, seria presenciada essa espécie de evidência. Norman D. Newell, líder paleontológico evolucionista, admitiu: “Uma característica intrigante do ‘erathem’ (uma das principais regiões fósseis em sedimento da crosta terrestre) e das principais regiões bioestratigráficas, é a ausência generalizada de evidência física de exposição subaérea. Há a tendência de faltarem vestígios de lixiviação, de erosão, de sulcos e sedimento, mesmo onde as rochas subjacentes são calcárias… Esses estratos são vestígios em geral só identificáveis pela evidência paleontológica (fóssil).’’6
Uma vez que esses estratos não apresentam a evidência física de longos intervalos de tempo que os cientistas evolucionistas acham que as amostras fósseis sugerem, não parece que houve jamais longos períodos entre as deposições desses estratos. A escassez desses traços dependentes de tempo, nos denominados intervalos de tempo entre muitos dos estratos sedimentares da Terra, possui um notável contraste com a erosão irregular, na atual superfície da Terra. Esses sedimentos parecem ter sido depositados em rápida sucessão, com pouco ou nenhum tempo entre os acontecimentos que precipitaram a deposição. Isto é o que deveríamos esperar de um evento catastrófico especial, como o dilúvio de Gênesis.
Uns poucos exemplos de atividades catastróficas ilustrarão quão rápida pode ser sua ação. Em 1976 a Teton Dam (Represa de Teton) em Idaho, rompeu-se e, em menos de duas horas, as águas desfizeram de uma extremidade a outra os mais de 90 metros de terra da represa. Em 1959, um terremoto no vale do rio Madison, no sul de Montana, lançou material a mais de 300 metros acima do leito do vale, formando um enorme deslizamento que se deslocou pelo vale, elevando-se a mais de 120 metros do lado oposto. Os cientistas calculam que o deslizamento tenha andado a aproximadamente 170 quilômetros por hora, e que todo o processo tenha ocorrido em menos de três minutos. Infelizmente, dezenove acampantes foram soterrados pelo deslizamento.
Em 1929, o terremoto de Grand Banks, perto de Newfoundland atirou certa quantidade de lama na orla da plataforma continental. No espaço de 14 horas, aquela lama havia viajado mais de 800 quilômetros pelo Atlântico Norte, e depositado uma nova camada de sedimento de 70 a 80 centímetros de espessura em um espaço de aproximadamente 65 mil quilômetros quadrados. Estima-se que o jato de lama tenha andado a velocidade superior a 90 quilômetros por hora7 e, o que é curioso, penetrou no casco do famoso navio S.S.Titanic, que havia afundado nessa região em sua primeira viagem, em 1912.
Mais significativo do que o simples reconhecimento de que as alterações podem ocorrer de maneira bastante rápida, a nova tendência para o catastrofismo tem inventado a reinterpretação de vários processos que antes foram considerados lentos. Dezenas de milhares de camadas de sedimento que os cientistas consideraram inicialmente como tendo sido depositadas muito lentamente nos mares pouco profundos, são agora interpretadas como se depositadas de maneira bastante rápida, em fluxos de lama subaquáticos, denominados turbidades.8 Certo número dos denominados recifes de coral, formados pelo esqueleto de organismos marinhos, considerados antes como exigindo muitas centenas ou milhares de anos para se formarem, é agora tido como o resultado de rápidos fluxos de detritos.9 A área de Goosenecks (Pescoços de Ganso), do rio San Juan, no sudeste de Utah, possui meandros dramáticos e profundos, originalmente interpretados como tendo sido trabalhados pela erosão de maneira muito lenta. A nova evidência indica que eles foram produzidos pela rápida atividade da corrente.10
A parte sudoeste do Estado de Washington contém enormes canais formados pela erosão, alguns dos quais com dezenas de quilômetros de comprimento. Pensava-se, a princípio, que se tratasse de exemplo de erosão lenta; contudo, depois de muitos anos de discussão, concluiu-se agora que foram formados por atividade diluviana. Alguns geólogos são de parecer que uma ou mais represas de gelo que se opunham à corrente, romperam-se subitamente, soltando a água na área, à razão de mais de 15 quilômetros cúbicos por hora, que é dez vezes o curso das águas dos rios do mundo.11 A Geologia percorreu um longo caminho a partir do uniformitarianisnio intransigente de algumas décadas atrás, e as catástrofes principais tornaram-se novamente parte aceitável da interpretação científica.
OS PARADIGMAS INFLUENCIAM A CIÊNCIA
Podemos tirar lições dos tipos de pensamento ilustrados pelas controvérsias sobre catastrofismo. Na obra The Structure of Scientific Revolutins,12 Thomas Kuhn mostra que certas idéias de comissões, que ele chama de paradigmas, dificultam as interpretações científicas. Até onde esses paradigmas são normativos, não deve ser questionado. De uma forma ou de outra, a maioria dos dados são interpretados para ajustar-se aos pontos de vista aceitos.
O uniformitarianismo clássico apresenta um exemplo importante de como o pensamento pode ser influenciado nesse sentido. Hutton e Lyell introduziram tão fortemente o conceito da alteração geológica contínua em longos períodos de tempo, que as principais catástrofes foram completamente ignoradas por mais de um século. O efeito que esse condicionamento uniformitariano rigoroso exerceu sobre o conceito original da geologia como um todo, não pode ser facilmente avaliado; mas é, inquestionavelmente, considerável. O exemplo de adesão rigorosa a idéias aceitas, desperta perguntas moderadas quanto à validade de outras idéias dominantes na ciência (para não falar da atividade intelectual humana como um todo — não apenas a ciência está sujeita a esses episódicos exemplos de pensamento).
Visto serem raras as catástrofes, temos a tendência de ignorá-las e fundamentar nossas conclusões na comodidade habitual. A destruição causada pelo terremoto do México e pelo vulcão colombiano, pode não parecer tão devastadora se nos acomodarmos mais à realidade das catástrofes, mas o habitual domina nosso pensamento. Da mesma forma, pelo fato de um acontecimento como esse ser tão incomum, achamos difícil conceber um dilúvio universal como descrito em Gênesis. Não devemos, porém, cair na armadilha de tirar nossas conclusões apenas baseados no normal. No caso das mudanças geológicas, a catástrofe incomum é muito mais importante do que a calmaria comum. Felizmente, a possibilidade de catástrofes já não está sendo muito ignorada.
A nova tendência para o catastrofismo tem implicações importantes para qualquer pesquisa em favor da verdade, com respeito à história do Universo. Uma vez que tanto a Bíblia como o livro da Natureza possuem o mesmo Autor, eles deveriam estar de acordo, se corretamente interpretados. Muito da evidência do catastrofismo, encontrada nas rochas, concorda plenamente com o que esperaríamos como conseqüência do dilúvio universal descrito no Gênesis. A tendência atual para o catastrofismo oferece apoio à autenticidade da Bíblia.
DR. ARIEL ROTH, diretor do Instituto de Pesquisa em Geociência de Loma Linda, Califórnia
Referências:
1. Para maior compreensão da discussão, ver o capítulo 2 de A. Hallam, Great Geological Controversies (Nova Iorque: Imprensa da Universidade de Oxford, 1983). As citações de Hutton e Lyell, aqui apresentadas, são deste texto.
2. W. Bahngrell Brow, “Induction, Deduction, and Irrationality in Geologic Reasoning”, Geology 2 (1974): 456.
3. Derek V. Ager, The Nature of the Stratigraphical Record, 2* ed (Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1981), pág. 54.
4. Dag Nummendal, “Clastics”, Geotimes 27, (1983): 23.
5. Erle Kauffman, citado em Roger Lewin, “Extinctions and the History of Life”, Science 221 (1983): 935-937.
6. Norman D. Newell, “Mass Extinction: Unique or Recurrent Causes?” em W. A. Berrren and John A. Van Couvering, eds. Catastrophes and Earth History: The Neu Uniformitarianism (Princeton, N. J.; Princeton University Press, 1984), págs. 115-127.
7. B. C. Heezen and M. Ewing, “Turbidity Currents and Submarine Slumps, and the 1929 Grand Banks Earthquake”, American Journal of Science 250 (1952): 849-873.
8. R. G. Walker, “Mopping Up the Turbidite Mess”, em R. N. Ginsburg, ed. Evolving Concepts in Sedimentology (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1972), págs. 1-37.
9. E. W. Mountjoy, H. E. Cook, L. C. Pray, e P. N. McDaniel, “Allochthonous Carbonate Debris Flows – Worldwide Indicators of Reef Complexes, Banks or Shelf Margins”, Reports of the Twenty-Fourth International Geological Congress, Montreal, 1972, seção 6 (1972), págs. 172-189.
10. R. G. Shepherd, “Incised River Meanders: Evolution in Simulated Bedrock”, Science 178 (1972): 409-411.
11. The Channeled Scablands of Eastern Washington: The Geologic Story of the Spokane Flood (Washington, D.C.: U. S. Government Printing Office, 1972).
12. Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions 2a ed. (Chicago: The University of Chicago Press, 1970).