O modelo discipulador de uma igreja apostólica e sua aplicação para comunidades cristãs contemporâneas

Fazer discípulos é uma das tarefas mais desafiadoras no cumprimento da missão, considerando a sociedade secularizada e pluralista que envolve a igreja. Richard Longenecker afirma que “o discipulado tem sido, durante séculos, a maneira de pensar e falar sobre a natureza da vida cristã”.1 Atualmente tem-se renovado a ênfase sobre o tema, buscando modelos que ajudem a igreja em sua aplicação efetiva, porque, como expressou Dietrich Bonhoeffer, “cristianismo sem discipulado é sempre um cristianismo sem Cristo.”2 Por essa razão, é necessário avaliar e desenvolver um processo com fundamentos bíblicos.

Este artigo tem por objetivo analisar uma igreja discipuladora que se destacou pela excelência de sua proposta prática: Antioquia da Síria. A partir do relato de Atos é possível extrair princípios dessa comunidade que serão úteis no desafio contemporâneo de ser e fazer discípulos, no contexto de comunhão, relacionamento e missão.

A cidade de Antioquia

Antioquia da Síria foi a terceira cidade mais importante do Império Romano depois de Roma e Alexandria,3 com aproximadamente 300 mil habitantes. Fundada por volta de 300 a.C. por Seleuco I
(Nicátor), em homenagem ao seu pai, Antíoco, localizava-se às margens do rio Orontes. Destacou-se por seu acesso ao mar Mediterrâneo, através do porto da Selêucia, como uma cidade comercial que despachava produtos para todo o mundo. Em 64 a.C., sob o governo de Pompeu, Antioquia foi declarada cidade livre, e se tornou sede administrativa da província romana da Síria.4

Em Antioquia havia diferentes manifestações religiosas, mas a devoção a Apolo, Ártemis e Dafne era predominante. Apesar disso, contava com uma sinagoga influente que se destacava pelo grande número de prosélitos (At 6:5). A cidade ostentava um alto nível intelectual e se orgulhava de seus eventos esportivos e de sua ampla influência política.5 Era conhecida por sua imoralidade, atestada pelo poeta latino Juvenal, quando escreveu que “o esgoto do Orontes tem sido despejado ao longo do Tibre”,6 aludindo à má influência de Antioquia sobre Roma. Na história do cristianismo, a reputação de Antioquia da Síria e da igreja que lá foi estabelecida perdurou durante séculos.

Comunhão com Deus

A igreja de Antioquia nasceu como resultado da perseguição sofrida pelos cristãos em Jerusalém (At 11:19-21). Deus usou uma situação adversa para que a missão se expandisse de maneira surpreendente, alcançando assim uma das cidades mais importantes do império. A notícia do impacto do evangelho na metrópole chegou ao conhecimento dos discípulos em Jerusalém (At 11:22), que delegaram a Barnabé a responsabilidade de verificar os fatos. Ao chegar, o discípulo sentiu que estava cheio do poder divino para cumprir sua missão. Assim, “sob a liderança de Barnabé, a igreja continuou a crescer”.7

Discípulos são imitadores de Jesus (11:26). Lucas declarou que foi em Antioquia que os discípulos foram chamados cristãos pela primeira vez. Os moradores da cidade viram que o testemunho dos crentes os associava diretamente a Cristo. Ellen White afirmou a esse respeito: “Esse nome foi-lhes dado porque Cristo era o principal tema de sua pregação, conversação e ensino. Continuamente eles estavam repetindo os incidentes ocorridos durante os dias de Seu ministério terrestre, quando Seus discípulos foram abençoados com Sua presença pessoal. Demoravam-se incansavelmente sobre Seus ensinos e milagres de cura. Com lábios trêmulos e olhos rasos d’água falavam de Sua agonia no jardim, Sua traição, julgamento e execução, a paciência e humildade com que havia suportado a afronta, a tortura a Ele imposta por Seus inimigos e a divina piedade com que tinha orado por Seus algozes. Sua ressurreição, ascensão e Sua obra no Céu como Mediador do homem caído eram tópicos sobre os quais se regozijavam em se demorar. Os pagãos bem podiam chamá-los cristãos, uma vez que pregavam a Cristo e dirigiam suas orações a Deus por intermédio Dele. Foi Deus quem lhes deu o nome de cristãos. Trata-se
de um nome real, dado a todos os que se unem a Cristo.”8

Assim, o discípulo não apenas acredita em Jesus, mas se identifica com Ele em um relacionamento pessoal. Discipulado implica imitação do Mestre na vida diária e um processo de crescimento e maturidade na santidade. Gregory Ogden declara que “um discípulo é alguém que responde com fé e obediência ao chamado misericordioso de Jesus Cristo. Ser um discípulo é um longo processo de negar a nós mesmos e deixar Jesus Cristo viver em nós”.9

Discípulos são comprometidos com os ensinamentos da Palavra (At 11:26-30; 13:1). Os cristãos de Antioquia compreenderam que Deus enviou Suas mensagens por intermédio dos profetas para revelar Sua vontade. Além dos mensageiros do Antigo Testamento, os crentes aceitaram o ministério dos apóstolos, que fundamentaram a igreja sobre a sã doutrina da Palavra de Deus.10 O discípulo se alegra em conhecer a vontade divina por meio dos princípios e ensinamentos revelados nas Escrituras.

O cristão deve ser um estudante da Bíblia e de sua mensagem completa, incluindo temas como sábado, santuário, imortalidade condicional da alma e profecias. Precisa reforçar seu compromisso com o remanescente para o tempo do fim. Tanto o discipulador quanto o discípulo são renovados, fortalecidos e encorajados quando desenvolvem comunhão com Deus por meio de Sua Palavra.

Discípulos são obedientes à direção do Espírito Santo (At 13:2). Lucas descreveu Barnabé como alguém que era cheio do Espírito Santo (At 11:24). Por meio do exemplo, ele conduziu a igreja cristã recém-inaugurada a uma experiência de comunhão com o Espírito do Senhor. Os líderes da igreja de Antioquia seguiram a voz divina quando lhes foi pedido que designassem Paulo e Barnabé à obra missionária. John MacArthur menciona que “uma igreja cheia do Espírito Santo pode ser definida simplesmente como aquela cujos membros andam em obediência à vontade de Deus”.11 A obra do Espírito Santo
foi sentida nas numerosas conversões, na aceitação da mensagem por Ágabo, no atendimento aos necessitados e na saudável convivência da comunidade cristã.

Relacionamentos sólidos

A igreja de Antioquia estabeleceu vínculos fortes em suas relações interpessoais. A cidade síria era o portão que ligava o oeste ao leste. Tinha uma população mista composta de judeus, romanos e outras etnias, em que as diferenças raciais eram escassas. Isso se manifesta na diversidade cultural à qual Lucas se referiu no grupo de profetas e mestres. Por exemplo, Simeão se chamava Níger que, traduzido do latim, significa negro. Isso quer dizer que ele podia ser africano ou de pele escura, ou ambos.12 Manaém, por outro lado, pertencia à classe nobre da família herodiana. Paulo havia sido fariseu em Jerusalém, e era natural de Tarso, na Cilícia. Barnabé era um levita de Chipre, e Lúcio, de Cirene. Esse grupo de líderes, com suas diferenças, tornou-se uma grande bênção quando se uniu para utilizar seus dons em favor da igreja.

Essa harmonia ficou mais evidente quando Barnabé chegou. No entanto, quando alguns cristãos judeus procuraram impor a circuncisão sobre os cristãos gentios, isso gerou tal discórdia que precisou de uma solução urgente. Após o assunto ser considerado no concílio de Jerusalém, a união foi restabelecida na igreja.

As congregações que incentivam e mantêm o discipulado se destacam nas relações afetivas, estáveis e saudáveis entre seus membros. A vida comunitária se desenvolve melhor por meio dos pequenos grupos, das unidades de ação da Escola Sabatina e da visitação pastoral. Mediante essas interações se promove um ambiente de ajuda mútua, confiança, aceitação e crescimento no discipulado.

Bons relacionamentos não ocorriam apenas entre os membros de Antioquia, mas também envolviam a relação entre esta comunidade e sua igreja-mãe (At 11:29). Os cristãos antioquenos se preocuparam em ajudar seus irmãos distantes afetados pela fome no tempo de Cláudio (41-54 d.C.).13 Eles doaram boa parte de seus recursos para atender às necessidades da igreja em Jerusalém. Como discípulos, devemos entender que nossos relacionamentos transcendem os laços locais. Somos uma grande família global, por isso, nossa fidelidade nos dízimos e nas ofertas pode ajudar muitas igrejas em necessidade, em lugares que talvez nunca poderíamos estar pessoalmente.

Paixão pela missão

O livro de Atos registra que a igreja de Antioquia cresceu tremendamente (At 11:21, 24, 26). Ela se comprometeu com a grande comissão de pregar o evangelho e fazer discípulos. Isso criou uma atmosfera de confiança que desenvolveu e aprimorou seus membros e a paixão para alcançar outras pessoas. Algumas características missionárias se destacaram nessa igreja discipuladora.

Utilizaram seus dons para o cumprimento da missão (At 13:1-3). Os dons usados por Barnabé e Paulo no ensino fizeram com que muitas pessoas se convertessem ao Senhor (At 11:26). A igreja também lhes delegou responsabilidades e confiou neles para enviar os recursos arrecadados aos necessitados da Judeia (At 11:30), participar do concílio de Jerusalém (At 15) e, finalmente, deu-lhes autoridade para pregar o evangelho e cumprir os ritos estabelecidos pelo Senhor em sua missão aos gentios (At 13:2, 3).

Para que o discipulado seja eficaz é preciso entender que os membros de nossas igrejas carecem de atenção, oportunidades de envolvimento, delegação de responsabilidades e confiança no uso de seus dons. Seminários e treinamentos têm seu lugar, mas são insuficientes para que eles se envolvam na missão. Precisamos dedicar tempo para acompanhá-los até que possam caminhar por si mesmos de acordo com suas habilidades. Cada membro envolvido tem pelo menos um dom que pode ser usado para a expansão do reino de Deus.

Comprometeram-se em pregar o evangelho a todos. Sob o ministério de Paulo e Barnabé começou uma nova era na pregação aos gentios. A partir de Antioquia foi elaborado e promovido o primeiro plano estratégico para levar o evangelho a novos lugares por meio de duplas missionárias (At 11:29, 30; 13:1-3; 15:36-39). Depois das viagens, eles voltavam para a igreja e compartilhavam suas experiências
(At 14:26; 18:22, 23). Referindo-se a esse tema, Ken Hemphill observa que “a visão de alcançar o mundo veio de Deus e foi recebida pelos crentes em Antioquia”.14

Cada igreja deve desenvolver estratégias evangelísticas para alcançar sua comunidade com o evangelho eterno (Mt 24:14, Ap 14:6). Precisamos buscar a direção divina para difundir a mensagem por meio da Missão Global. O verdadeiro discípulo de Cristo está convencido de que as boas-novas da salvação são para todos e se empenha para alcançá-los como fez a igreja de Antioquia.

Conclusão

Os antioquenos, por meio do seu compromisso com o evangelho, da sua dependência do Espírito Santo, dos laços relacionais e da paixão pela missão demonstraram características do verdadeiro discipulado como Jesus estabeleceu. A tarefa de ser e fazer discípulos pertence não apenas aos pastores, mas a toda a igreja. O desafio é grande, mas precisamos confiar na promessa do Salvador: “Eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28:20, NVI). 

Referências

1 Richard N. Longenecker, Patterns of Discipleship in the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1996), p. 1.

2 Dietrich Bonhoeffer, The Cost of Discipleship (Nova York: Macmillan, 1937), p. 64.

3 Antioquia da Síria é a moderna Antakya, na Turquia.

4 F. F. Bruce, The New International Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 224.

5 A. Myers e A. Beck, Eerdmans Dictionary of the Bible (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000), p. 67.

6 Juvenal, Sátira, 3.62.

7 Philip A. Bence, Acts: A Bible commentary in the Wesleyan tradition (Indianápolis, IN: Wesleyan Publishing House, 1998), p. 121.

8 Ellen G. White, Atos dos Apóstolos (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 157.

9 Gregory Ogden, Manual del Discipulado (Barcelona: Editorial Clie, 2006), p. 37.

10 John MacArthur, Acts (Chicago: Moody Press, 1994), p. 326.

11 Ibid.

12 Ibid.

13 Tácito (Anais, XI.43), Josefo (Antiguidades, XX.ii.5) e Suetônio (Cláudio, 18) confirmam essa ajuda.

14 Ken Hemphill, El Modelo de Antioquía: 8 características de una iglesia efectiva (El Paso, TX: Casa Bautista de Publicaciones, 1996), p. 42.

Christian Varela, mestrando em Teologia, é pastor em Córdoba, Argentina