“O que há nesse pratinho, aqui, no fundo da geladeira?” – perguntou meu marido, enquanto me passava o dito prato. Levantando a tampa, observei cuidadosamente o seu conteúdo. O que estava ali dentro era algo verde, da cor do mar, com uma grossa cobertura de mofo. Não me lembro de ter visto nada igual antes, tampouco de haver cheirado alguma coisa tão repugnante.
“Acho que é vagem”, eu aventurei.
“E este aqui?” – indagou novamente João, puxando outro recipiente. Examinei a pequena vasilha que ele segurava. Tratava-se de uma outra receita misteriosa. Mas, dessa vez o conteúdo era marrom amarelado, coberto por uma espécie de baba pegajosa. Terá sido aquilo um pedaço de bife? Para que fosse descoberta a origem daquela coisa “morta” que se encontrava diante de mim, era necessária a presença de um patologista.
“Você estava guardando essas ‘delícias’ para um jantar surpresa”, ele disse com sarcasmo, e acrescentou: “ou talvez esteja fazendo uma cultura de penicilina caseira com propósitos medicinais.”
Cheguei até a geladeira e inclinei-me para verificar com mais atenção o seu interior. Descobri ali mais uma dúzia de pequenas vasilhas com antiguidades.
“Eu estava querendo fazer uma limpeza geral por aqui, e me livrar dessas coisas, mas não tenho tido tempo para isso”, expliquei. “E parece que não vai ser agora, também, pois estou de saída.”
Olhei para o relógio, e fechei imediatamente a porta do refrigerador, deixando que os restos daquelas comidas defuntas passassem um pouco mais de tempo no “necrotério”.
Há quanto tempo eu estivera guardando aqueles restinhos apodrecidos em minha geladeira? Provavelmente, muitas semanas. Obviamente, eu nunca deveria sequer tê-los deixado ali, mas tenho o hábito de guardar um pouquinho disso, um pouquinho daquilo… As sobras do almoço costumam ficar amontoadas em minha geladeira, por semanas, até se tomarem impróprias para o consumo humano.
Certamente, não me surpreendia o fato de que aqueles pequenos “caixões” estivessem escondidos ali, mas era realmente uma grande dificuldade para mim, ter de raspar os vasilhames e lavá-los posteriormente. Por isso, eu os deixava ficar para depois, mesmo estando cheios de restos já em estado de decomposição.
Às vezes, eu chegava a levantar as tampas de cada recipiente para dar uma olhadinha dentro. Porém, logo os fechava e devolvia à geladeira, para que seu conteúdo apodrecesse um pouco mais.
Contudo, devo confessar meu embaraço quando alguém descobria aquelas substâncias em decomposição que eu insistia em guardar. Uma coisa era eu saber de sua existência, outra, era ver meu marido abrindo os “caixõezinhos” secretos.
Há uma lição para nós, neste comportamento. Que tal nos perguntarmos sobre o que está sendo armazenado em nossa mente? Tem você, porventura, permitido que a amargura, o ressentimento, o preconceito e o ódio permaneçam aí, quando há muito tempo deveriam ter sido jogados fora?
Uma pequena quantidade de preconceito armazenada nos escuros recônditos da mente, mesmo nos tempos da infância, pode ser mais tarde trazida de volta sob a forma de um cego acesso de ira, entornando ódio.
Como esposas de pastores, sabemos que necessitamos renovar nossa mente. Reconhecemos nossa responsabilidade de confessar a Deus nossos pecados, para que sejamos purificadas deles, e de nos examinarmos a nós mesmas, expurgando qualquer coisa corrupta ou vil.
Mas algumas de nós insistimos em guardar tudo na geladeira. Um membro qualquer da igreja faz um comentário maldoso, e o nosso caixãozinho está bem ali, disponível, e esperando para que o utilizemos para armazenar aquela ofensa. O pior de tudo, é que quanto mais tempo ela ficar escondida no âmago do coração, mais corrupta há de se tomar, mais podre e mais sórdida.
A limpeza
Algum tempo atrás, enfrentamos uma situação desagradável em nossa igreja. Algumas famílias solicitaram carta de transferência para outra congregação, alegando que já tinham aprendido tudo o que podiam aprender entre nós.
É desnecessário dizer que sofri muito com aquela situação. Tive de lutar contra o ressentimento, amargura e raiva que sem-pre me assaltam quando alguém nos abandona. Mas, após muita oração, finalmente consegui livrar-me daquilo. Afinal de contas, é Jesus quem edifica a Igreja, e ninguém melhor do que Ele para dizer onde os tijolos devem ser encaixados.
Eu pensei que, realmente, tivesse superado todos os maus sentimentos e ruins suspeitas contra aqueles membros transferidos, mas depois percebi que ainda havia armazenado alguns recipientes de amargura. As famílias já haviam se mudado, e eu me apeguei àquele adágio popular, segundo o qual “longe dos olhos, longe do coração”. Esqueci-me dos caixõezinhos de amargura que estavam guardados em minha alma.
Mas, parece que algumas dessas famílias às vezes sofrem de uma espécie de nostalgia, uma saudade que as faz reaparecer de quando em quando para uma breve visita à igreja, que coincide sempre com programações especiais.
Levo sempre um choque quando entro na igreja e as reconheço em um dos bancos. E detesto quando ao final do culto, elas ficam falando às outras pessoas acerca de como estão felizes na nova igreja.
Necessitamos renovar nossa mente, confessando nossos pecados e esvaziando-a de qualquer coisa podre, corrupta e vil.
Da mesma forma que a luz da geladeira incide sobre os restos em decomposição, quando a porta se abre, esses encontros ocasionais com tais pessoas parecem abrir a porta que dá acesso aos meus pensamentos secretos. A luz se acende e revela todo o meu ressentimento contra aquelas pessoas. Sinto o cheiro apodrecido dos recipientes ali expostos. Vejo-me evitando aqueles irmãos, à saída, e partindo rapidamente para casa, na esperança de não ouvir seus comentários que tanto me incomodam.
“O que essas pessoas estão fazendo aqui?” – resmungo comigo mesma. “Se não gostam mais desta igreja, por que não ficam longe dela?” Só o fato de vê-las faz subir minha pressão sanguínea. Os caixõezinhos se abrem e seu conteúdo fétido se esparrama em meu espírito. Meu esposo está bem ao lado, percebendo tudo. Viro-me para ele e digo:
“Você tem que fazer alguma coisa para impedir que essa gente continue vindo aqui.”
João olha para dentro da geladeira de minha alma, e fica perplexo ao perceber tanto lixo ali armazenado.
“Não se preocupe”, diz ele. “Gosto que estas pessoas continuem vindo aqui, pois mostra que esta é uma igreja amorosa, que trata bem até os que, sem o saberem, a magoaram de alguma forma.”
Tão adequadamente advertida, firmei o propósito de limpar os recônditos de minha alma de todo o lixo que vinha sendo armazenado ali; e, pelo poder do Senhor, tenho sido vitoriosa.
“Examine-se pois o homem a si mesmo”, é o conselho bíblico. Que tipos de sobras você anda guardando, e que precisam ser jogadas no lixo? Por que não tomarmos alguns minutos, agora mesmo, para abrirmos a porta de nossa mente, e esvaziá-la desses caixõezinhos fúnebres, cheios de amargura, ódio e ressentimento?
Livre-se desse conteúdo putrefato, deixe Cristo habitar plenamente em seu coração, enchendo-o de amor, alegria e paz.