A importância de capacitar as mulheres a assistir espiritualmente outras mulheres
Enfatizar a participação das mulheres na missão é algo necessário. Os registros históricos da igreja de várias décadas atrás apresentavam apenas os relatos e as atividades realizadas principalmente por homens.1 É importante notar, porém, que as mulheres sempre estiveram envolvidas no crescimento e cuidado da igreja. Contudo, para que isso continue acontecendo, é preciso investir na capacitação delas em diferentes áreas e no reconhecimento daquilo que elas podem fazer, especialmente na assistência espiritual. Neste artigo, destaco a importância de capacitar as mulheres a assistir espiritualmente outras mulheres.
Problemas matrimoniais
É triste não ter conforto humano quando necessário, como aconteceu com Sara, esposa de Abraão. Deus a ajudou quando não recebeu o tratamento devido por parte de seu marido.
Em Gênesis 12, a Bíblia apresenta o chamado divino a Abrão e sua família para que cumprissem uma missão. Se aceitassem, fariam parte de uma nova criação, de uma comunidade da qual viria a semente da mulher prometida em Gênesis 3:15. Em Hebreus 11:8, Paulo declara que Abrão aceitou o chamado divino pela fé. Juntos, o casal educou a comunidade que o seguia a nutrir fé no Deus verdadeiro.2
Deus disse ao patriarca que, a partir da descendência que nasceria de Sarai, sua esposa, faria um povo responsável por cumprir Sua promessa. Embora Abrão seja considerado o pai da fé, Hebreus 11:11 destaca que pela fé, “a própria Sara […] recebeu poder para ser mãe”. Assim, ela também foi escolhida por sua fé!
Durante essa trajetória de altos e baixos na fé, Deus queria educar Seus escolhidos para representar os princípios de Seu reino. Uma vez que Abrão seguia os costumes da época no trato com as mulheres, o
Senhor teve que corrigi-lo. Como líder espiritual, ele deveria pastorear a comunidade que o acompanhava e apresentar o projeto de Deus para as relações humanas aos outros povos.
Muitos consideram que os patriarcas maltratavam as mulheres, e que a Bíblia é machista por causa deles. Essa interpretação, no entanto, reflete uma visão distorcida do texto bíblico. O fato de Abrão ter agido dessa forma retrata a cultura da época, não a vontade de Deus.
Nesse sentido, é possível que alguns vejam mais as obras de seres humanos que procuram seguir a Deus como modelo, em vez de verem as obras de Deus, que procura ajudá-los a praticar o bem e corrigir costumes afetados pela natureza humana pecaminosa. Em Sua paciência, o Senhor ajudou Abrão.
Em Gênesis 3:16, Deus disse que o pecado derrubou o muro de contenção contra o mal e desencadeou um processo destrutivo. Por causa da transgressão do primeiro casal, o desejo da mulher seria para seu marido, e ele a governaria. Ao longo do tempo, essa condição se estendeu para o tratamento que as mulheres recebiam de homens que não eram seu esposo. Foi uma predição, não um mandato. Deus não provocou a dor nem ordenou o surgimento de espinhos. Ele apenas anunciou o que aconteceria a partir do momento em que o muro de contenção fosse derrubado.
A situação das mulheres piorou com os descendentes de Caim, que iniciaram a prática da poligamia, comportamento que os filhos de Deus imitaram mais tarde. A degradação crescente dos relacionamentos foi uma das causas do dilúvio. Com o tempo, após os dilúvio, as mulheres voltaram a ser tratadas injustamente. Essa era a realidade nos dias de Abrão. Contudo, o relato bíblico coloca as coisas em seu devido lugar. Deus não admitiu a prática do mal entre Seus seguidores. O patriarca adotou o costume cultural de vender Sarai sempre que lhe fosse conveniente. Mas o Senhor escolheu um casal, porque o considerava uma unidade resultante da aliança matrimonial (Gn 2:24). Para Sarai, no entanto, o casamento foi muito difícil. Isso sem dúvida afetou sua atitude, seus sentimentos, seu amor pelo marido e sua autoestima como mulher.
Sarai sofreu quando foi negociada por Abrão. Ela teria que consentir em se deitar com outro homem para salvá-lo? Sua atitude às vezes tinha conotações redentoras. De fato, ela se dispôs a se sacrificar por seu esposo. Abrão não foi capaz de cuidar dela como sua carne. Por causa de Sarai, o faraó “tratou bem a Abrão, o qual veio a ter ovelhas, bois, jumentos, escravos e escravas, jumentas e camelos” (Gn 12:16).
No entanto, Deus interveio para protegê-la e cumprir Sua promessa de redenção. O Egito experimentou as primeiras pragas de sua história por causa dela. Por isso, o casal foi expulso dali. Definitivamente, o Senhor agiu protegendo Sarai, a escolhida para ser ancestral do Messias.
Para ensinar Abrão e Sarai a confiar Nele, o Senhor mudou seus nomes. Ele deixou claro que os dois foram escolhidos. Ele chamou Abrão (“pai”) de Abraão, “pai de multidões ou povos”; e Sarai (“meu governante”), cujo nome denotava a posse de Abrão, Ele chamou de Sara, “governante” das nações (Gn 17:5, 15). Sara deixou de ser propriedade exclusiva de Abraão, e Deus fez dela um legado para a humanidade. O Senhor a abençoou, assim como a Abraão (Gn 17:16). Curiosamente, a raiz do nome Sara aparece em outras passagens onde se fala de líderes e governantes.3
Deus interveio muitas vezes na trajetória de vida de Abraão e Sara para que eles entendessem o tratamento que deveriam ter um com o outro. Por exemplo, quando Ele perguntou ao patriarca onde estava Sara para participar do encontro com os emissários divinos (Gn 18:9, 10), em um fato importante no plano de salvação; ou quando Abraão voltou a entregar sua esposa a outro governante, mentindo sobre seu verdadeiro relacionamento com ela (Gn 20). Até Abimeleque reconheceu que a atitude do patriarca era pecaminosa (Gn 20:9).
Finalmente, o Senhor interveio em um conflito entre Abraão e Sara, instruindo o patriarca a atender ao pedido de sua esposa (Gn 21:12). Anteriormente, ambos mostraram falta de fé, aderindo aos costumes da época. Sara deu sua serva Agar para que o esposo tivesse um filho com ela. Isso causou a ambos muitas dificuldades no futuro. Primeiro por causa da falta de fé e, depois, porque a paz do lar foi perturbada por
disputas entre as duas mulheres e Abraão. Ao dizer ao patriarca que este deveria despedir Agar e Ismael, Deus reafirmou a importância da santidade do casamento. “Os direitos e a felicidade desta relação devem ser cuidadosamente zelados, mesmo com grande sacrifício”.4
É evidente no relato bíblico que Sara amava o marido a ponto de reverenciá-lo, pois estava disposta a sofrer tudo o que sofreu para mostrar-lhe respeito, apesar de seus erros. Mas para tudo há limites, e Sara soube dizer isso a Abraão.
O patriarca teve filhos com outras duas mulheres. Seus oitos filhos presenciaram a religião de seu pai. No entanto, apenas o filho que ele teve com Sara permaneceu na fé. Isso mostra o motivo de ela ter sido escolhida. Sara foi escolhida por sua natureza e criação, e desempenhou importante papel ao ensinar Isaque a adorar o Deus verdadeiro.
Nos sucessos e fracassos, Deus acompanhou o casal de líderes em seu crescimento pessoal e espiritual.
Auxílio emocional
Isabel era parente de Maria, mãe de Jesus. Ela tinha experiências que lhe permitiam aconselhar outra mulher. Isabel viveu durante um período em que a infertilidade era considerada resultado de algum pecado da mulher ou maldição divina. Dia após dia e ano após ano, ela sentia a dor dos braços vazios e da discriminação dos vizinhos.
Em sua velhice, Isabel ficou milagrosamente grávida (Lc 1:24, 25). Quando estava no sexto mês de gravidez, o anjo Gabriel anunciou à virgem Maria que ela conceberia do Espírito Santo, e que Isabel estava esperando um filho (Lc 1:26-38).
No momento exato, Deus providenciou uma mulher idosa para cuidar de Maria em sua missão, em um contexto de discriminação social. Isabel sofreu desprezo e sabia como a jovem se sentiria por estar grávida sem estar casada. Ela poderia falar de experiências dolorosas de incompreensão e preconceito da comunidade, fortalecendo Maria para os dias que a aguardavam. Ambas foram indicadas pelo Senhor para cumprir Sua missão, e Isabel foi a escolha de Deus para auxiliar Maria em um momento crítico de sua vida.
Desafios contemporâneos
De acordo com as estatísticas, as mulheres são a maioria na Igreja Adventista. Infelizmente, parte delas também sofre, vítima de problemas matrimoniais ou preconceito, à semelhança de Sara, Isabel e Maria.5 Apesar dessa constatação, são muitos os desafios que envolvem o atendimento dessas mulheres no contexto eclesiástico.
Em primeiro lugar, as mulheres não costumam compartilhar seus problemas particulares com os homens. Uma vez que a maioria dos líderes são homens, fica difícil estimar qual é o real índice de sofrimento feminino em nossas igrejas.
Outra preocupação é que faltam sermões que condenem atitudes abusivas contra as mulheres. Por esse motivo, algumas mulheres não ficam seguras em relação à postura do pastor diante desses casos. É importante que as vítimas ouçam mensagens claras do púlpito condenando a violência contra as mulheres em qualquer forma. Essas pregações fortalecem a confiança delas em relação ao líder da igreja.
Além disso, alguns pastores não sabem como aconselhar mulheres. Certa ocasião, uma mulher que tinha problemas com seu marido pediu ajuda ao pastor. Ela foi aconselhada a permanecer firme e se recusar a fazer o que o esposo lhe exigia. Ao praticar o conselho, o marido quase a matou. Nem sempre quem aconselha tem o conhecimento adequado para fazê-lo.
Uma situação grave que dificulta a assistência espiritual e emocional às mulheres é que algumas delas não são levadas a sério pelos líderes da igreja. Uma mulher maltratada por seu marido reuniu coragem para compartilhar sua situação com seu pastor. A resposta que ela recebeu foi: “Não consigo acreditar nisso… Seu marido é um homem tão bom!” Essa mulher se sentiu culpada e desqualificada pelo que disse, e por muitos anos teve depressão.
Ellen White também alertou que as visitas de alguns líderes ou pastores podem levar a certa intimidade que mais tarde envergonhará a igreja.6 Ela acrescentou que essa tarefa deve ser feita por mulheres. Infelizmente, por desconsiderar seu conselho, vários pastores perderam o ministério. A mulher com dor emocional tem uma necessidade profunda de aceitação, e isso pode levar a mal-entendidos ou até mesmo a abusos.7
Finalmente, muitos dos problemas que as mulheres enfrentam refletem tradições da igreja cristã herdadas com base em interpretações incorretas de passagens bíblicas para justificar papéis culturais, como se a mulher fosse um ser incompleto ou mesmo inferior ao homem ou se Deus estendesse uma graça menor ou menos importante às mulheres. Isso se tornou algo tão arraigado que demanda um grande trabalho de conscientização, assim como Cristo fez para desfazer as tradições de Seus dias.
Com base nessas considerações, é importante que mulheres sejam capacitadas para auxiliar outras mulheres. Um homem não pode compreender e ajudar totalmente uma mulher porque ele nunca experimentará o que ela sente fisiológica, emocional e mentalmente. Um homem nunca entenderá o que significa passar pela tensão pré-menstrual, sofrer aborto espontâneo, engravidar, dar à luz, ter alterações fisiológicas pós-parto, menopausa, entre outras coisas.
Há cerca de seis anos, um capelão me relatou uma situação delicada. Uma mulher havia sofrido um aborto. Sua dor era muito evidente. Ele a visitou como capelão, mas a paciente rejeitou sua visita, pedindo para ver sua ginecologista. Atendendo ao pedido, a médica foi visitá-la e, tudo que fez, foi abraçá-la e ficar ao lado dela, sem dizer nada. A mulher chorou e se sentiu acompanhada durante o processo de recuperação.
Essa experiência tornou evidente ao capelão sua dificuldade e suas limitações em atender mulheres que sofrem com dores relacionadas a problemas específicos de seu gênero. Por isso, é fundamental que a igreja capacite mulheres que ajudem espiritualmente outras mulheres. Especialmente porque suprir essa necessidade é atender a maioria dos membros da igreja.
O que fazer?
Diante desse quadro, o que pastores e líderes de igreja podem fazer? Em primeiro lugar, capacitar intencionalmente mulheres que possam auxiliar espiritualmente outras mulheres.
Quando Paulo escreveu a Tito, orientou seu colaborador para que “em cada cidade, constituísse presbíteros” (Tt 1:5), e ensinasse a sã doutrina a quatro grupos: aos “homens idosos” [presbytas], às “mulheres idosas” [presbytidas], aos mais jovens e aos servos (Tt 2:1-10).
Aparentemente, faltou um grupo de pessoas na lista: mulheres jovens. Contudo, nos versos 4 e 5, Paulo recomenda que mulheres experientes deveriam instruir as jovens recém-casadas. Assim como há questões que os homens atendem em relação aos homens, há outras que as mulheres devem atender em relação às mulheres, e isso Tito, sendo homem, não poderia fazer.
Em 1903, Ellen White escreveu que as mulheres “podem fazer nas famílias uma obra que aos homens não é possível, uma obra que alcança a vida interior. É-lhes dado pôr-se em contato íntimo com o coração de pessoas de quem os homens não se podem aproximar. Sua obra é necessária. Mulheres discretas e humildes podem realizar boa obra explicando a verdade ao povo, em suas casas. Assim explanada, a Palavra de Deus efetuará sua obra, qual fermento, e mediante sua influência serão convertidas famílias inteiras”.8 Ela disse ainda que não é algo que os homens devam decidir fazer ou não, uma vez que o próprio Senhor o estabeleceu. Em suas palavras, “a obra sofreria grande prejuízo sem essa espécie de atividade feita por mulheres. Repetidamente o Senhor tem me mostrado que as instrutoras são tão grandemente necessárias à obra a que Ele as designou, como os homens”.9 Ou seja, a missão de Deus requer missionárias capacitadas para atender às necessidades espirituais das mulheres.
É uma grande conquista que existam mulheres estudando Medicina ou Psicologia para lidar com problemas de saúde de seu próprio gênero. Ellen White enfatizou a importância de as mulheres serem auxiliadas por mulheres em seus problemas íntimos ou de saúde.10 O fato de uma mulher ser melhor compreendida por outra mulher, contudo, não desmerece aquilo que pode ser feito em favor delas pelos homens, dentro dos limites do decoro e do bom senso.
Além de capacitar as mulheres e delegar-lhes responsabilidades no cuidado de outras mulheres, pastores e líderes também devem prestar atenção a outro aspecto fundamental. Certa vez, ao dar palestras em um encontro de mulheres, percebi a dor e insegurança de algumas participantes devido ao tratamento que recebiam dos homens no contexto da família, do trabalho e da igreja. Uma mulher apresentou a seguinte preocupação. “É bom ter palestras para que as mulheres se valorizem mais, entendam como Deus as vê e também o que devem esperar da relação com o outro sexo, mas e os homens? Eles estão recebendo instruções sobre como devem tratar as mulheres?” Existe um forte condicionamento social entre os homens que muitas vezes obscurece o conselho bíblico sobre como lidar com o sexo feminino.
Portanto, pastores e líderes de igreja devem refletir acerca da seguinte pergunta: Os homens estão recebendo instruções sobre como tratar as mulheres?
É incontestável que o Espírito Santo tem capacitado mulheres ao longo da história para que exerçam papel relevante na família, sociedade e igreja, atendendo de maneira especial as necessidades de outras mulheres. À semelhança de Cristo, temos a tarefa de restaurar os sofredores e oprimidos. Por isso, devemos capacitar mulheres que possam ajudar a restaurar outras mulheres, cumprindo a missão que o Senhor lhes confiou.
Silvia C. Scholtus, professora emérita da Universidade Adventista del Plata
Um homem não pode compreender e ajudar totalmente uma mulher porque ele nunca experimentará o que ela sente fisiológica, emocional e mentalmente.
Referências
1 Silvia C. Scholtus, “Mujeres y liderazgo en la Iglesia Adventista del Séptimo Día en Argentina y Sudamérica (1894-1930)”. Revista Cultura y Religión, XIV, n. 1 (2020): 58-79. Disponível em
<bit.ly/2UxjTEr>.
2 Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 127.
3 A raiz “zar” ou “sar” ainda é usada atualmente para designar um governante no Oriente. Dela deriva o termo “césar” em latim (cé/sar). Ver Js 5:14, 15, quando Deus disse a Josué que ele era o “príncipe do exército”, Jz 9:22, Nm 16:13; 21:18.
4 White, Patriarcas e Profetas, p. 147.
5 Ver René Drumm, Marciana Popescu, Gary Hopkins e Linda Spady, “Abuse in the Adventist Church”, 2005. Disponível em <bit.ly/3hHQcsv>, acesso em 5/7/2021.
6 Ver, por exemplo, Chad Stuart, “Reaching out to victims of clergy abuse”. Disponível em
<bit.ly/3k54FBF>, acesso em 7/7/2021. Projeto La Esperanza de los Sobrevivientes. Disponível em:
<bit.ly/2SUcdfh>, acesso em 7/7/2021.
7 Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2013), v. 1,
p. 226, 227.
8 Ellen G. White, Conselhos Para a Igreja (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. 61.
9 Ellen G. White, Evangelismo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 493.
10 Ellen G. White, Conselhos Sobre Saúde, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 364.