Não pode haver dúvida quanto à natureza fundamental da verdade de que tudo o que foi comissionado à igreja, por nosso Salvador, só será cumprido através das habilidades ou dons concedidos por Deus a todo crente, através do Espírito Santo. A transformação que devemos experimentar e que, segundo Paulo, ocorre através da contemplação (2Co 3:18), é um caminho de duas vias: Somos transformados por mantermos comunhão diária nosso Senhor e por buscarmos encontrar meios de atender as necessidades dos através dos dons a nós compartilhados pelo Espírito Santo.
Erwin McManus colocou diante de nós uma importante questão: “Caso fôssemos onipotentes, oniscientes e onipresentes, quantos de nós escolheríamos o serviço como a última expressão desse potencial? Possuidor de tais atributos, não seria o caso de Deus ter o direito de ser servido? Isso aconteceria conosco, mas não foi assim com Jesus.”1
Os dons espirituais estão distribuídos em duas categorias: nutrição dos salvos e evangelização dos descrentes. Os dons de evangelismo têm como objetivo partilhar o evangelho com o mundo. Mas, o acelerado crescimento populacional tem adicionado tal incomensurabilidade à nossa missão, que seu cumprimento se tornou algo além da possibilidade humana. Somente o uso dos dons do Espírito pode cumprir essa tarefa. A missão evangélica será consumada “não por força nem por poder, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4:6).
Quando os dons de evangelismo são utilizados apropriadamente, as pessoas encontram seu lugar na fraternidade cristã, conforme o exemplo da igreja primitiva, à qual o Senhor acrescentava “dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2:47). Porém, cristãos recém-nascidos necessitam ser nutridos, para alcançar maturidade (2Pd 3:18). Daí, a necessidade dos dons de nutrição.
O apóstolo Paulo ensinou a respeito dos dons espirituais em três de suas epístolas: Romanos, Efésios e 1 Coríntios. Entretanto, há evidências de que o Espírito sempre outorgou Seus dons a pessoas espirituais. No Antigo Testamento, lemos sobre a dotação de artistas, com o objetivo de construir e equipar o santuário (Êx 35:35), o que nos lembra a importância de reconhecer e apreciar o trabalho artístico originado em Deus.
Aos romanos, Paulo descreveu nosso preparo individual para uma vida de serviço, utilizando os dons do Espírito. Escrevendo aos cristãos de Corinto, ele apresentou o processo pelo qual recebemos esses dons. E, na carta aos efésios, lemos sobre o propósito do serviço realizado através dos dons espirituais.
Preparação
A epístola aos romanos se destaca pelo desenvolvimento sistemático do tema da justificação pela fé. Em nenhum outro lugar, a sabedoria teológica e a perspicácia intelectual de Paulo são mais evidentes do que quando lemos esse verdadeiro tratado sobre o evangelho.
Paulo começa dizendo que o mundo inteiro está condenado em sua pecaminosidade (Rm 1-3). Abraão é apresentado como exemplo de justificação unicamente pela fé (Rm 4, 5). Então, o apóstolo mostra como o processo de santificação dá seqüência à declaração de justiça, atribuída ao crente por Deus (Rm 6-8). Paulo conclui o tema descrevendo como Israel se ajusta ao quebra- cabeça de uma nova era (Rm 9-11), na qual Deus comissiona todos os crentes, judeus e gentios igualmente, a levar o evangelho ao mundo.
No capítulo 11, podemos acompanhar a lógica desse seu argumento, e, na abertura do capítulo 12, nos deparamos com uma transição assinalada pelo uso do termo “pois”. Então, o apóstolo argumenta: No momento em que recebemos o dom da salvação, o Espírito acrescenta outros dons para o ministério em favor de outros. Nos primeiros onze capítulos de Romanos, não é comum reconhecer a primeira implicação para aqueles que são declarados justos, ou seja: Todos nós recebemos dons espirituais. Isso é detalhado no capítulo 12: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm 12:1).
Desde o Êxodo, Israel foi envolvido com o ritual diário do sacrifício de animais. O principal desses animais era o cordeiro, oferecido duas vezes ao dia, no altar de bronze das ofertas queimadas. Não havia qualquer resistência da parte do animal. Paulo usa essa realidade histórica para lembrar seus leitores de que, por causa do dom da justiça que lhes foi outorgado, eles devem responder entregando-se tão completamente a Deus, como o cordeiro que era consumido no tição incandescente. Ele diz que fazer isso é algo perfeitamente “racional”.
Na versão do Rei Tiago, a palavra “racional” é traduzida do termo grego logikos, do qual se origina a palavra “lógica”. Assim, é lógico, para aqueles que receberam a vida eterna como dom de Deus, entregarem-se voluntariamente, docilmente e sem reservas a Ele, em gratidão e prontidão para servir.
Enquanto nos entregamos a Deus, Ele molda nossa vida e a toma como a Sua. J. B. Phillips traduziu Romanos 12:1, 2 nos seguintes termos: “Não permita que o mundo ao seu redor o comprima em seu próprio modelo, mas deixe que Deus o refaça de modo que toda sua atitude mental seja transformada. Assim, você provará, na prática, que a vontade de Deus é boa, aceitável e perfeita.”2
Paulo continua falando das implicações disso, usando outra metáfora: “E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos…” (Rm 12:2). A palavra “transformai-vos” é tradução do grego metamorphoo. Em outro lugar, ele fala do crente como nova criatura (2Co 5:17). Como age essa nova criatura? Em Romanos 12, Paulo responde, afirmando que, quando experimentamos essa metamorfose, isso constitui nosso preparo para receber os dons com os quais serviremos nossos semelhantes (Rm 12:6-13).
Processo inicial
Outra passagem paulina que elabora o processo pelo qual nós entramos em uma vida de serviço é 1 Coríntios 12- 14. Cronologicamente, essa é a primeira e mais longa elaboração do apóstolo sobre dotação espiritual. Nessa carta, em que também fala sobre os símbolos do pão e do vinho na celebração da Ceia (1Co 11) e sobre a maravilha da ressurreição (1Co 15), Paulo descreve o tríplice processo pelo qual entramos no ministério. “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos” (1Co 12:4-6).
Primeiramente, ele estabelece que há grande variedade nos dons distribuídos pelo Espírito. Pode ser enganoso pensar que os dons espirituais estejam limitados aos aproximadamente trinta mencionados na Bíblia. Os dons concedidos aos crentes no primeiro século satisfizeram perfeitamente suas necessidades evangelísticas e de nutrição espiritual. E continuam fazendo a mesma coisa em nosso tempo. Por exemplo, o dom que capacita pessoas a ajudarem outras, “edificando, exortando e consolando” (1Co 14:3), é tão necessário hoje como em qualquer outro tempo na História.
Hoje, os dons podem ser os mesmos ou similares aos do primeiro século, mas alguns serão únicos para nossa geração. Eles podem incluir habilidades como, por exemplo, programação de computador, operação de aeronaves, entre outras inexistentes no tempo de Paulo. Sua afirmação de que “os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo” expressa a grande variedade nos dons distribuídos por Deus. E nosso primeiro passo com vistas ao ministério é estarmos conscientes dos dons recebidos e das áreas em que podemos servir com habilidade, confiança e sucesso.
Paulo também diz que “há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo” (1Co 12:5). A palavra grega aqui traduzida como “serviços” é diako- nos, da qual é derivada a palavra “di- ácono”, cujo significado é “um servo… que executa uma missão”.3 Servos realizam qualquer trabalho que necessita ser feito e para o qual sejam comissionados. E os servos de Deus são equipados e comissionados para fazer tudo o que precisa ser feito. Deus provê uma variedade ilimitada de habilidades únicas, para que a igreja seja capacitada a atender as necessidades humanas.
Então, nosso próximo passo em direção à vida ministerial é procurar oportunidades para usar nossos dons no serviço aos semelhantes. Isso pode ser feito na congregação da qual fazemos parte, ou independente dela. Afinal, o ministério opera nas duas formas. Deus trabalha com os dons espirituais e as necessidades humanas, concedendo- nos motivação, entusiasmo e efetividade na satisfação das necessidades. Paulo escreve: “E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos” (1Co 12:6). O termo “opera” vem do grego energes, originário da palavra “energia”.
Ao nos unirmos a Cristo, também nos ligamos com a mais alta fonte de motivação e energia. Através de Seu Espírito, à medida que buscamos atender as necessidades humanas, recebemos poder ou energia. E isso é o que descreve o terceiro passo de nossa jornada ministerial. Quando vemos uma necessidade e sabemos que somos dotados para atendê-la, o Espírito nos motiva a servir: prazerosa, espontânea e efetivamente.
Nas três referências que Paulo faz à dotação espiritual (Romanos, 1 Corín- tios e Efésios), ele usa a metáfora de um corpo. Cada parte, ou “membro” (1Co 12:18), tem papel fundamental a desempenhar. Para que todo o corpo funcione perfeitamente, cada membro deve trabalhar junto com outro. Esse senso harmonia ou integração é a chave para o evangelismo efetivo e a nutrição eficaz da igreja, através dos dons espirituais (1Co 12:13-27).
“Deus nos concede dons para que, como servos, possamos honrá-Lo e glorificá-Lo“
Finalmente, em todas as referências, Paulo também enfatiza que a utilização dos dons só pode ser efetiva se servirmos com amor. Essa ênfase é vista especialmente no capítulo 13 de 1 Coríntios. Se eu usar qualquer dom, sem amor, “nada serei” (1Co 13:2). Ao comparar fé, esperança e amor, o apóstolo declara este último como o maior dom (1Co 13:13).
Propósito dos dons
A terceira menção de Paulo sobre os dons espirituais, na carta aos efé- sios, descreve o propósito dos dons de serviço bem como os resultados de sua descoberta e utilização. Depois de mencionar os dons espirituais fundamentais (apostolado, pastorado, evangelismo e ensino), Paulo explica o objetivo de seu uso: “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4:12, 13).
Quando empregamos nossos dons em serviço, nos tomamos mais e mais semelhantes ao Servo-modelo – Jesus. Essa revelação é um rico tesouro; é o outro lado da moeda que Paulo apresenta na carta aos romanos. “Obras da lei”, ele adverte, nunca podem nos tomar justos como Jesus. Mas, “obras de serviço”, através dos dons espirituais, nos convidam a uma fraternidade na qual nossa atenção está sempre focalizada em Cristo. Nesse processo, somos transformados, desenvolvemos nosso caráter e nos tomamos semelhantes a Ele.
No último dia, Cristo galardoará os remidos pelo fato de que eles revelaram compaixão e serviram outras pessoas, ou seja, usaram seus dons no evangelismo e nutrição espiritual: “Porque tive fome, e Me destes de comer; tive sede, e Me destes de beber; era forasteiro e Me hospedastes; estava nu, e Me vestistes; enfermo, e Me visitastes; preso, e fostes ver-Me” (Mt 25:35, 36). Não há melhor evidência de havermos estabelecido uma relação íntima com Jesus, que o uso dos dons que nos foram concedidos.
Tendo considerado as descrições bíblicas sobre preparação, processo e propósitos envolvidos na recepção e utilização dos dons espirituais, ainda existem duas questões básicas que devemos abordar.
Quando recebemos dom
Com base em Romanos 12, podemos assumir que recebemos nosso dom no momento em que aceitamos a Cristo. E isso nos leva a considerar o relacionamento entre talentos naturais e dons espirituais.4 Em geral, os talentos são parte de nossa herança genética e podem ser favorecidos por nosso ambiente familiar.
Escultores, professores, músicos, conselheiros, oradores e líderes possuem talento natural, que pode ser usado para o bem ou para o mal. No caso dos descrentes, o uso desses talentos tende para a glória pessoal. Mas, na conversão, nos damos por inteiro ao Senhor. Ellen White escreveu: “Tornando-nos discípulos Seus, rendemo-nos a Ele com tudo que somos e temos. Devolve- nos Ele, então, essas dádivas purificadas e enobrecidas para que as utilizemos para Sua glória em abençoar nossos semelhantes.”5 Sim, Deus nos devolve nossos talentos para que sejam usados como dons espirituais, para atender as necessidades humanas e, nesse processo, glorificá-Lo e honrá-Lo.
Quase sempre podemos observar as mesmas habilidades em indivíduos antes e depois de sua conversão. Porém, o modo como são utilizadas é dramaticamente mudado.
Como identificar os dons
Cinco teses doutorais de alunos meus na Universidade Andrews exploraram o relacionamento entre a dotação espiritual e as características de personalidade. As pesquisas identificaram uma associação entre os perfis de personalidade e cada categoria de dons. Assim, Deus nos chama a servir em ministérios ajustados à nossa personalidade. Ele nos assegura a combinação dos dons espirituais com quem nós somos. E mais: alguns membros da família de Deus que nem sempre têm oportunidades para certas linhas de serviço podem ter o dom específico e apenas necessitam o reconhecimento e facilitação de oportunidades, da parte da igreja, para utilizá-lo.
Quando servimos através de nossos dons, nos alegramos em nosso ministério, pois sentimos o prazer de fazer coisas para as quais fomos dotados.
Quando servimos através de nossos dons, nós abençoamos as pessoas, e sua apreciação é uma afirmação de que esses dons estão sendo bem utilizados.
Quando servimos a outras pessoas através de nossos dons, desejamos melhorar nosso ministério e o das nossas congregações. Então, haverá unidade, alegria e progresso num “só corpo” (1Co 12:20).
Na consumação dos séculos, todos os servos fiéis ouvirão as palavras do Servo-líder: “Vinde, benditos de Meu Pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. … Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes” (Mt 25:34, 40).
Referências:
1 Erwin McManus, An Unstoppable Force (Loveland: Group Pub., 2001), p. 156.
2 J. B. Phillips, The New Testament in Modem English (Londres: Collins, 1959).
3 The Analytical Greek Lexicon (Londres: Samuel Bagster and Sons Ltd., 1967).
4 Lloyd Edwards, Discerning Your Spiritual Gifts (Cambridge: Cowley Publications, 1988), p. 12.
5 Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 328.