“Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo”
Em nome de quem os cristãos devem ser batizados: nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ou apenas em nome de Jesus? Embora pareça fácil responder a essa pergunta,’’nos últimos tempos têm aparecido pessoas que, assumindo posição antitrinitariana, questionam a validade textual de Mateus 28:19. Impugnam, assim, a fórmula batismal ali contida e sustentam que o batismo apostólico não era realizado em nome das três pessoas da Divindade, mas somente em nome de Jesus Cristo.
Como podemos harmonizar Mateus 28:19 com Atos 2:38? Isso é o que será analisado neste artigo, à luz da Bíblia, do testemunho da História e dos escritos de Ellen G. White.
Os questionamentos a respeito de Mateus 28:19 estão alicerçados em argumentos do modalismo, doutrina que nega a distinção de personalidades na Divindade e ensina que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são diferentes títulos de um mesmo e único Ser que Se apresentou como Pai, antes da encarnação, como Filho, durante ela, e como Espírito Santo, depois da ressurreição. Essa doutrina surgiu no 2o século d.C., e teve em Sabélio seu maior expositor, no 3o século d.C. Por essa razão também é conhecida como sabelianismo.1
Para os modalistas, o texto de Mateus 28:19 é um acréscimo posterior ao Concilio de Nicéia (325 d.C.), feito com o propósito de favorecer a doutrina da Trindade. Sua principal “linha de evidência” está centralizada em alguns escritos de Eusébio, bispo de Cesaréia que viveu entre os anos 260 d.C. e 340 d.C. Pelo fato de que Eusébio citou Mateus 28:19 mais de dezoito vezes sem fazer referência à fórmula batismal trinitariana,2 os modalistas supõem que ele deve ter tido acesso a manuscritos do evangelho de Mateus que não continham a referida declaração. Desse modo, pretendem demonstrar que o versículo é espúrio.
A declaração de Eusébio
Para os que argumentam contra a validade textual de Mateus 28:19, deveria ser revelador o fato de que existem aproximadamente cinco mil manuscritos gregos do Novo Testamento, fora versões antigas de traduções dele para outros idiomas. Das cópias manuscritas que temos do evangelho de Mateus, nenhuma contradiz a leitura trinitariana do texto.
É temerário pretender desautorizar essas fontes, com base em apenas um escritor, especialmente se nos lembrarmos “que o uso de citações por parte dos pais da igreja tem suas limitações. A maioria delas é curta, nunca apresenta passagens importantes do Novo Testamento, não permitindo saber se determinado escritor fez a citação de memória ou se a copiou. Por isso, é enganoso declarar que cada variante encontrada nos pais é um testemunho importante em favor de certo tipo textual. Também devemos lembrar que os manuscritos nos quais são encontradas as obras dos pais têm sua própria história de transmissão, e talvez nem sempre representem com fidelidade o que foi escrito originalmente”3
Como exemplo, analisemos brevemente uma das citações de Eusébio, muito usada para negar a legitimidade da fórmula batismal de Mateus: “Além disso, os judeus, depois da ascensão de nosso Salvador, culminaram seu crime contra Ele com a concepção de inumeráveis maquinações contra Seus apóstolos. O primeiro foi Estevão, a quem aniquilaram com pedras; depois, Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João, que foi decapitado; … Todos os demais apóstolos foram ameaçados de morte com inumeráveis maquinações, foram expulsos da Judéia e se dirigiram a todas as nações para ensinar a mensagem com o poder de Cristo, que lhes ordenara: ‘Ide, fazei discípulos de todas as nações’.”4
Ao lermos a citação de Eusébio, podemos observar facilmente que se trata de um parágrafo enunciativo, com orações breves e pontuais. Portanto, não surpreende que ele tenha feito o mesmo ao resumir a grande comissão dada por Cristo.
Outro exemplo dos argumentos referentes às citações de Eusébio, encontra-se na expressão “meu nome”. Em uma de suas obras, lemos o seguinte: “Ele disse a Seus discípulos em uma palavra: ‘Ide e fazei discípulos de todas as nações em Meu nome, ensinando-lhes todas as coisas que tenho mandado’.”5
Pode essa declaração ser tida como evidência de que a fórmula batismal trinitariana de Mateus não existia nos manuscritos no tempo de Eusébio? Não. A evidência mais contundente contra esse pensamento é o fato de que o próprio Eusébio no quarto livro de sua Teofania, citando Mateus, escreveu: “Vão e façam discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”6 Porém, essa não foi a única vez em que Eusébio mencionou as três pessoas da Divindade. Em outros três escritos, ele voltou a citar a fórmula batismal: em Contra Marcelo de Ancyra, em Da Teologia da Igreja 3, e em Carta a Cesaréia.
Soma-se a esses uma carta escrita a suas igrejas de Cesaréia, na qual ele diz: “Cremos… em cada um destes que são e que existem: O Pai, verdadeiramente Pai, o Filho, verdadeiramente Filho, e o Espírito Santo, verdadeiramente Espírito Santo, como também nosso Senhor, ao enviar Seus discípulos a pregar, disse: ‘Ide, ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”’
Os que negam a autenticidade de Mateus 28:19 argumentam contra essas declarações de Eusébio, fazendo a conjectura de que, depois do Concilio de Nicéia, ele teria sido persuadido a escrever a favor da tese trinitariana. Entretanto, Eusébio jamais denunciou o referido texto como uma modificação ou interpolação, nem antes nem depois do Concilio de Nicéia. Ao contrário, o que Eusébio cita repetidamente após esse Concilio autentica o texto, já que ele nunca favoreceu a decisão tomada em Nicéia.
Na igreja primitiva
Mesmo que Eusébio nunca houvesse mencionado as palavras de Mateus 28:19, existem documentos primitivos, anteriores ao Concilio de Nicéia, contendo evidências de que a fórmula batismal “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” era conhecida desde o primeiro século, não sendo inventada no quarto século. As seguintes declarações servem para confirmar o que já foi mencionado nos milhares de manuscritos gregos:
A Didaquê (125 d.C.): “Com referência ao batismo, batiza deste modo: havendo recitado estes preceitos, batiza em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em água viva.”8
Taciano (170 d.c.): “Então Jesus lhes disse:… Ide agora a todo o mundo, e pregai Meu evangelho a toda criatura; ensinai a todas as pessoas e batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”9
Tertuliano (210 d.C.): “Depois de Sua ressurreição, Ele prometeu em um juramento a Seus discípulos que lhes enviaria a promessa do Pai; e, finalmente, os enviou a batizar em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não em um Deus impessoal.”10
Oxigenes (245 d.C.): “Por que, quando o Senhor disse aos discípulos que eles deveriam batizar a todos os povos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, esse apóstolo emprega apenas o nome de Cristo no batismo, dizendo: ‘Nós, que fomos batizados em Cristo’? Porque, certamente, o batismo tido como legítimo é feito em nome da Trindade.”11
Cipriano de Cartago (250 d.C.): “Ele [Jesus] os enviou a batizar os gentios em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”12
Atanásio (360 d.C.): “E toda fé é resumida e assegurada nisto: que uma Trindade deveria ser preservada, como nós lemos no evangelho: ‘Ide, fazei discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo’ (Mt. 28:19).”13
Único nome
Outro argumento contra a autenticidade de Mateus 28:19 chama a atenção para o fato de que Jesus Cristo não disse que o batismo deveria ser “nos nomes”, como se tratando de três pessoas distintas, mas “em nome”, mostrando referir-se a uma pessoa com facetas distintas: uma de Pai, outra de Filho e outra como Espírito Santo. Segundo os defensores dessa idéia, isso explicaria porque os apóstolos batizaram apenas em nome de Jesus e não em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Porém, essa interpretação passa por alto o modo como a sentença está estruturada no idioma grego. Já está sobejamente demonstrado que uma das principais funções do artigo grego, como afirmam os especialistas Dana e Mantey, “é assinalar identidade individual”,14 o que significa que o artigo distingue um substantivo de outro. Lendo a referida oração na língua grega, temos o seguinte: “to onoma tou patros [Pai] kai tou uiou [Filho] kai tou hagiou pneumatos [Espírito Santo].”
É fácil observar que diante de cada substantivo (Pai, Filho, Espírito Santo), existe a conjunção kai [e], acompanhada do artigo grego tou [do]. De acordo com a regra, isso demonstra que Pai, Filho e Espírito Santo não são facetas de um mesmo ser, mas três pessoas distintas. Ao agrupar os substantivos individuais Pai, Filho e Espírito Santo sob onoma [nome], no singular, essa regra também ajuda a enfatizar uma sutil associação de unidade e igualdade entre os três, o que nos leva ao que tecnicamente denominamos “Trindade”.
Em nome de Jesus
Tendo esclarecido esse ponto, direcionemos nossa discussão para o tema do batismo. A pergunta subjacente é: Por que o livro de Atos registra o batismo somente “em nome de Jesus” (At 2:38; 8:16; 10:48; 19:5), e nunca “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”? Para a mentalidade modalista, a igreja primitiva nunca batizou em nome das três pessoas divinas, mas somente “em nome de Jesus”. Porém, não deveríamos avançar em nossa análise, sem considerarmos os seguintes textos:
Mateus 10:22 – os discípulos são odiados por causa do nome de Jesus.
Mateus 18:5; Marcos 9:37 – crianças são recebidas em nome de Jesus.
Mateus 18:20; 1 Coríntios 5:4-dois ou três reunidos em nome de Jesus.
Marcos 9:38; Atos 16:18 – demônios são expulsos e milagres são realizados em nome de Jesus.
Lucas 24:47; Atos 10:43 – arrependimento e perdão anunciados em nome de Jesus.
João 1:12- filiação divina mediante a crença no nome de Jesus.
João 14:13; 15:16; 16:23 — oração em nome de Jesus.
João 14:26 – Espírito Santo enviado em nome de Jesus.
Atos 2:38 – batismo realizado em nome de Jesus.
Atos 4:10 – curas efetuadas em nome de Jesus.
1Coríntios 6:11 – crentes são justificados em nome de Jesus.
2Coríntios 5:20 – súplica em nome de Jesus.
Efésios 5:20 – ação de graças em nome de Jesus.
Filipenses 2:10 – joelhos se dobrarão em nome de Jesus.
Tiago 5:14 – unção com óleo em nome de Jesus.
Como se pode observar, a expressão “em nome de Jesus” não está relacionada exclusivamente com o batismo, mas com situações múltiplas. Daí, ser descartável a idéia de tratá-la como fórmula batismal. Isso se harmoniza perfeitamente com o que encontramos em Colossenses 3:17: “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai.” Se a fraseologia “em nome de Jesus” fosse uma fórmula batismal, então a declaração carecería de sentido. Por outro lado, requereria que, em tudo o que fizéssemos ou disséssemos, deveriam ser pronunciadas as palavras “em nome de Jesus”, algo que evidentemente o texto não exige. Porém, a fraseologia ganha significado quando é entendida em seu sentido mais evidente, como expressão de representação ou autoridade – alguém enviado em lugar de outro, ou com a autoridade deste.
De acordo com o contexto, o termo grego onoma significa “nome, título, pessoa, autoridade, poder, status, categoria… reputação,”15 e indica “hierarquia ou autoridade atribuída a um representante em nome de; espécie de autorização para representar Deus ou Cristo em oração, falando ou operando milagres”.16 Podemos ver claramente esse sentido de autoridade em Atos 4:7 e 10, quando os sacerdotes perguntaram a Pedro e João: “Com que poder, ou em nome de quem fizestes isto?” Nesse caso, a pergunta é sobre a fonte de autoridade dos apóstolos, e Pedro responde: “em nome de Jesus Cristo, o Nazareno”.
Semelhantemente, quando os demônios são subjugados “em nome de Jesus”, o fazem pela autoridade que Ele concedeu aos discípulos (Lc 10:17). Paulo mostra que os crentes são embaixadores porque receberam autoridade para falar “em nome de Cristo”. Nesse sentido, falamos “em nome de Cristo”, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2Co 5:20). Os crentes de Corinto foram lembrados de que, quando foram batizados, não aceitaram a autoridade de Paulo, Pedro ou Apoio, mas a autoridade de Cristo. Portanto, não havia lugar para sectarismos (1 Co 1:12-15).
Enquanto a fraseologia “em nome de Jesus” está ligada a diferentes eventos no Novo Testamento, a expressão “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” tem uso exclusivo relacionado ao batismo, o que indica seu caráter reservado de fórmula batismal. Portanto, as duas expressões não são excludentes. Batizar “em nome de Jesus” significava uma expressão de fé, segundo a qual os crentes eram batizados aceitando a autoridade de Cristo em sua vida; assim, somente depois de reconhecê-Lo como Salvador e Senhor, eram batizados “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Esse modo de expressão pode ser observado na Didaquê. Depois de ensinar que os catecúmenos devem ser batizados “em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo”, são mencionados em alguns capítulos depois como tendo sido “batizados em nome do Senhor”.1‘
A razão pela qual o livro de Atos não menciona a fórmula trinitatriana do batismo deve-se ao fato de que, em todo o livro, a ênfase do escritor não é a fórmula em si, mas a pessoa de Jesus e Sua posição sobre os crentes que, de então em diante, reconheciam Sua autoridade. Que a fórmula batismal trinitariana era usada no batismo, está implícito nas Éfeso alguns cristãos que nunca ouviram falar do Espírito Santo (At 19:1-5), aos quais perguntou: “Em quem fostes batizados?” Esse texto parece declarar que Paulo tinha como certo que os efésios deviam ter ouvido o nome do Espírito Santo, quando a fórmula do batismo foi pronunciada sobre eles.
Escritos de Ellen White
Ellen G. White não encontrou dificuldades em citar Mateus 28:19, reconhecendo sua autenticidade e sua fórmula batismal trinitariana. Para quem aceita seu ministério profético como sendo inspirado e dirigido por Deus, esse fato é fundamental. Se Mateus 28:19 fosse espúrio, ela não o teria citado, assim como jamais citou o texto de lJoão 5:7, que alguns até poderiam erroneamente usar para demonstrar a Trindade, mas que sabemos não ser um texto genuíno. É importante destacar que a maneira como Ellen White cita Mateus 28:19 não se limita a simples transcrição do texto bíblico, mas inclui comentários que destacam o profundo e sagrado compromisso adquirido pelos crentes batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Vejamos alguns exemplos:
“Sua comissão [de Cristo] é: ‘Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.’ Antes que os discípulos alcancem o limiar, deve haver a impressão do nome sagrado, batizando os crentes no nome do poder tríplice do mundo celestial.”18
“Há três pessoas vivas pertencentes à Trindade celeste; em nome destes três grandes poderes – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – os que recebem a Cristo por fé viva são batizados, e esses poderes cooperarão com os súditos obedientes do Céu em seus esforços para viver a nova vida em Cristo.”19
“Revestido de ilimitada autoridade, dera aos discípulos a comissão: ‘Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que Eu vos tenho mandado; e eis que Eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos.’”20
Assim, Mateus 28:19 é uma das passagens melhor atestadas pelos manuscritos gregos, as versões antigas do Novo Testamento, os escritos dos primeiros cristãos e pelo testemunho de Ellen White. Esse texto é a carta magna missionária da igreja de Cristo até o fim do tempo.
Referências:
- 1 E. B. Sanford, ed., A Concise Encyclopedia of Religious Knowledge (Hartford, CT: S. S. Scranton, 1910) p. 827.
- 2 http://hechos238.net/html/evg-etr.html
- 3 Comentátio Bíblico Adventista del Séptimo Dia, v. 5, p. 124.
- 4 Eusébio, História Eclesiástica III, v. 5, p. 2.
- 5 _________, Teofania, livro 5, p. 17.
- 6 Ibid., livro 4, p. 8.
- 7 Eusébio, Carta ao Povo de Sua Diocese, 3.
- 8 Didaquê 1.
- 9 Taciano, Diatesaron (Através dos quatro), 55.
- 10 Tertuliano, Contra Praxeas, 26.
- 11 Orígenes, Comentário Sobre Romanos 5:8.
- 12 Cipriano de Cartago, Carta 73, p. 18.
- 13 Atanásio, Sobre os Concílios de Arminun e Selêucia, v. 2. p. 28.
- 14 H. E. Dana e Julios R. Mantey, Gramática Grega do Novo Testamento (El Paso, Texas: Casa Bautista de Publicaciones, 1994), p. 133.
- 15 Barcay Newman Greek Dictionary (Bible Works, 4.0).
- 16 Friberg ANT Lexicon (BibleWorks, 4.0).
- 17 Didaquê 7:1,3; 9:5.
- 18 Ellen G. White, Olhando Para o Alto (Meditações Diárias, 1983), p. 142.
- 19 ______________, Evangelismo, p. 615.
- 20_____________, O Desejado de Todas as Nações, p.819.