Mais de quinhentos anos antes do primeiro advento de Cristo, o profeta Jeremias foi encarregado de transmitir uma mensagem aos seus compatriotas. Nela, devia o mensageiro do Senhor anunciar, para tempos futuros, a instituição de nova aliança “com a casa de Israel e com a casa de Judá”.1
A nova aliança haveria de ser diferente da que o Senhor fizera com os antepassados desses dois povos, quando os tomou pela mão, para “os tirar da terra do Egito”, pois a esta eles anularam. E, também, pelo fato de que as leis do Senhor iriam ser impressas na mente, e inscritas no coração daquelas pessoas com as quais a nova aliança seria feita.
A aliança predita por Jeremias concluía com a promessa do Senhor, de esquecer-Se dos pecados daqueles aos quais a mensagem se destinava: “Pois, perdoarei as suas iniquidades, e dos seus pecados jamais Me lembrarei”, anunciou o profeta.
Os contemporâneos de Jeremias devem ter ouvido e lido a proclamada mensagem, sem entender-lhe o significado. De que estaria falando o profeta de Deus? De que “dias” estaria ele falando, nos quais haveria de cumprir-se a promessa? Como haveria de dar-se o processo de imprimir leis na mente ou inscrevê-las no coração? Haveria a aliança, que o Senhor faria “depois daqueles dias”, de ser conhecida por alguns daqueles que viviam quando a mensagem estava sendo predita?
Mesmo o profeta, porta-voz da profecia sobre a nova aliança, certamente não conseguia ver muito além do seu tempo. Para ele, da mesma forma que para muitos outros mensageiros, “foi revelado que, não para si mesmos, mas para vós outros, ministravam as coisas que agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo enviado do Céu, vos pregaram o evangelho”.2
Como muitas outras profecias importantes das Escrituras, a predição que tratava do assunto da nova aliança permaneceu anos e anos sem se cumprir. As palavras “eis aí vêm dias” atravessaram as gerações, sem que algum acontecimento de notória importância pudesse ser considerado como sua chegada.
Corria, porém, o ano 31 da nossa era. A nação judaica reuniu-se para comemorar a Páscoa. Na companhia de doze homens, um descendente da tribo de Judá, Jesus Cristo, erguendo um cálice no qual havia suco de uva, disse aos comensais: “Este é o cálice da nova aliança no Meu sangue derramado em favor de vós”.3 Chegavam, assim, os dias dos quais falara o profeta.
Não levou muitos anos, depois que a taça da nova aliança foi erguida por Jesus, o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, … tomou também o cálice dizendo: Este cálice é a nova aliança no Meu sangue”.4 Estava, assim, a nova aliança sendo pregada intensamente aos cristãos do primeiro século de nossa era.
Cumpre ainda ressaltar que, tanto Jesus quanto Paulo, falaram da nova aliança, não como algo indefinido ou a que já não se tivesse feito referência. O uso do artigo definido “a” mostra que tanto um quanto o outro sabiam de que estavam tratando. A nova aliança era-lhes uma expressão familiar.
Paulo não somente indica que era uma pessoa informada com respeito à nova aliança, mas se considerava ministro dessa aliança. Escrevendo pela segunda vez aos Coríntios, falou-lhes de Deus como Aquele que o habilitou, bem como a outros mensageiros Seus, para serem “ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica”.1
É, porém, a Epístola aos Hebreus que trata do assunto da nova aliança de maneira mais aprofundada. Como sabemos, é escopo dessa epístola mostrar aos seus destinatários que Jesus é o verdadeiro Sumo Sacerdote, e que Ele vive e intercede pelos pecadores. Para isso, apresenta em várias oportunidades, e relacionada com aspectos diversos, a Sua ligação com a nova aliança. Assim, ora Ele aparece como “Fiador” dessa aliança (Heb. 7:22), ora como “Mediador” (Heb. 8:6; 9:15; 12:14).
Quanto à aliança, é às vezes chamada de “superior” (Heb. 7:22; 8:6); de “nova” (Heb. 8:8; 9:15; 12:24); de “eterna” (Heb. 13:20); ou simplesmente de “aliança” (Heb. 9:20; 10:16 e 29). E é conveniente notar que, dos vários textos do Antigo Testamento, citados para indicar essa ligação de Cristo com a nova aliança, a passagem de Jeremias 31:31-34 talvez seja a que mais se saliente; pois foi usada duas vezes na epístola em consideração, em capítulos diferentes.
A divisão das promessas
Em si mesma uma promessa, a nova aliança se divide em várias outras promessas, as quais podem ser resumidas em duas principais: a que informa sobre o intento de Deus, de pôr as Suas leis na mente das pessoas e inscrevê-las em seu coração, e aquela segundo à qual o Senhor promete esquecer-Se dos pecados dessas mesmas pessoas.
Essa divisão nos é apresentada em Hebreus 10:15-17. Depois de mencionar o que o Espírito Santo diz sobre a intenção de Deus, com respeito às Suas leis, o escritor inicia o verso 17 com a palavra “acrescenta”, mostrando que as declarações que vêm em seguida constituem outra promessa pertencente à nova aliança.
É possível que, ao estabelecermos relação entre a nova aliança e o sacrifício de Cristo na cruz, encontremos alguma dificuldade em entender essa questão, pois Deus fala a respeito de pôr Suas leis na mente das pessoas e inscrevê-las no coração destas. Que associação há entre as duas coisas, pois, como diz Paulo, “se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade seria procedente da lei”?2 Por outro lado, a razão apresentada para que Cristo viesse ao mundo, é: “Para que todo o que nEle crê não pereça”.3 Como, pois, associar as duas coisas?
Há, contudo, perfeito entrosamento entre a nova aliança e o primeiro compromisso de Deus nela contido. A começar pela iniciativa, principal característica do plano de salvação estabelecido por nosso Senhor. Cumpre notar que, em todas as promessas que fazem parte da nova aliança, Deus usa o pronome na primeira pessoa do singular. São em tomo de sete, as vezes em que o Senhor fala dessa maneira, ao anunciar a nova aliança. Como diz o apóstolo João, “nós amamos por Ele nos amou primeiro”.4 Deus sempre Se adianta no processo da salvação. As coisas mudam de figura quando é Deus e não o homem quem afirma que faz. E na nova aliança Ele age assim.
Deve-se, também, levar em consideração que Deus não fala aqui de nenhum código, mas de leis em sentido amplo: “Na mente lhes imprimirei as Minhas leis, também no coração lhas inscreverei”.5 Isso certamente tem que ver com os princípios de justiça que se encontram na pessoa de Jesus, e que todo cristão passa a possuir quando O aceita como Salvador pessoal. “Jesus, a expressa imagem da pessoa do Pai, o resplendor de sua glória, o abnegado Redentor, através de Sua peregrinação de amor na Terra, foi uma viva representação do caráter da lei de Deus. Em Sua vida se manifesta que o amor de origem celeste, os princípios cristãos, fundamenta as leis de retidão eterna.”6 Ao amarmos e servirmos a Jesus, essas “leis de retidão eterna” são também incorporadas à nossa vida – estarão em nossa mente e em nosso coração. Essa transferência é efetuada “não com tinta, mas pelo Espírito do Deus vivente”,7 diz o apóstolo Paulo.
Até mesmo o sentido espiritual de uma lei cerimonial, pode ser mudado do exterior para o interior. Aos Colossenses, escreveu o apóstolo dos gentios: “NEle também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo.”8 E aos romanos ele falou da “circuncisão que é do coração, no espírito”.9 “A verdadeira circuncisão exige uma obra interior e espiritual de submissão a Deus, e é mais do que um simples cumprimento externo das exigências de um ritual”.10
A promessa de esquecimento
A segunda promessa contida na nova aliança é a do esquecimento. O Senhor promete esquecer-Se dos pecados daqueles com quem pretendia fazer a nova aliança, após ter perdoado tais pecados. Semelhante acontecimento se nos afigura um impossibilidade, levando-se em conta o conceito que temos, de um Deus todo-poderoso.
Passamos, porém, a admitir essa disposição de Deus, no momento em que entendemos ser esse perdão e esquecimento uma consequência da promessa anterior. Deus Se esqueceria dos pecados, não por haver perdido a capacidade de lembrar-Se deles, mas pelo fato de aquilo que seria feito antes possuir natureza perfeita, cabal. E essa qualidade, tinha-a o sacrifício feito por Cristo na cruz.
Basta que retornemos ao livro de Hebreus, para que nos certifiquemos disso. Um verso antes de citar Jeremias (o verso 14 do capítulo 10), o autor de Hebreus, falando a respeito de Cristo, diz que “com uma única oferta [Jesus] aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados”. A expressão “aperfeiçoou para sempre” mostra a desnecessidade, da parte de Deus, de preocupar-se com o pecado perdoado daqueles com os quais estava entrando em aliança. O ato de Cristo foi perfeito.
Expressões como esta, no livro acima citado, são abundantes, e servem para mostrar a superioridade do sacerdócio de Jesus sobre o dos sacerdotes levitas. Estes eram inferiores por serem pessoas falíveis. Revelaram essa falibilidade em tudo o que eram e no que faziam. Em primeiro lugar, eram mortais (Heb. 7:23); em segundo, eles precisavam oferecer “ano após ano, perpetuamente” os “mesmos sacrifícios” (Heb. 10:1), porque esses sacrifícios não possuíam “a imagem real das coisas”. Além disso, eram também homens pecadores. Tinham de “oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro por seus próprios pecados, depois pelos do povo” (Heb. 7:27).
No que se refere a Jesus, porém, “foi Ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Heb. 4:15); “quando a Si mesmo Se ofereceu” Ele “fez isto uma vez por todas” (Heb. 7:27); vive “sempre para interceder” (Heb. 7:25).
A segunda promessa feita por Deus, através do profeta Jeremias, está, portanto, num contexto de perfeição. “Para sempre” a oferta que Jesus fez “aperfeiçoou” os que são santificados, e “para sempre” o Senhor promete não lembrar-Se das iniquidades daqueles em cujo coração forem postas as Suas leis. Não há, portanto, incapacidade da parte de Deus para lembrar-Se, repetimos, mas desnecessidade de fazê-lo.
Uma expressão equivalente a “para sempre”, muito encontrada no livro de Hebreus é “uma vez por todas”. Ela se acha relacionada com a obra mediadora de Cristo, e de modo geral tem o sentido de exclusividade. É o contraste de “muitas vezes” (Heb. 9:25), expressão usada em relação aos sumos sacerdotes levitas.
Que importância tem a expressão “uma vez por todas”, usada em tantas ocasiões? Certamente muita. Visava ela incutir na mente dos leitores que não deveriam continuar pensando em um sumo sacerdote que entrava no santuário e dele saía todos os anos, numa data prefixada; pois, sempre que isso acontecesse, com referência à pessoa de Cristo, representaria um novo oferecimento de Si mesmo, como é relatado no verso vinte e cinco do capítulo nove de Hebreus. Tendo subido ao Céu, e tomado lugar à direita de Deus (Heb. 10:12 e 13), ali permaneceria “até que os Seus inimigos sejam postos por estrado dos Seus pés”.
Nunca mais haveria de morrer. Nunca mais teria que derramar o Seu sangue. Não dependeria jamais, o pecador, de que Seu ato se repetisse, para ser aceito. “Por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens”, diz Paulo, “para justificação de vida”.11
Por certo você também está sendo alvo das promessas da nova aliança, não é mesmo? Queira Deus que assim seja.
Referências:
2 I Pedro 1:12.
3 Lucas 22:20
4 II Cor 11:23 e 24.
5 II Cor. 3:6.
8 I João 4:19.
10 Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo, pág. 49.
14 Comentário Bíblico Adventista del Septimo Dia, vol. 6, pág. 490.
ALMIR A. FONSECA, Ex-redator de Ministério, jubilado, reside em Tatuí.