Certo pastor acompanhava, como conselheiro, uma reunião da comissão do departamento J.A. de sua igreja. Discutia-se o programa de trabalho para o ano. Nele estava prevista a realização de uma semana de oração especial para a juventude. Foi então que o pastor sugeriu que convidassem um visitante para dirigir as palestras. Para sua surpresa, todos foram unânimes em descartar a idéia, escolhendo-o como pregador para a referida semana. Ele manteve a sugestão. Evidentemente, sabia e gostava de pregar, era apreciado pelo grupo, e nem de longe estava procurando eximir-se do dever. Apenas queria variar um pouco.
Em meio às argumentações apresentadas por ambas as partes, uma moça fulminou a resistência do líder com a seguinte explicação: “Pastor, nós o preferimos porque suas mensagens nos alimentam; como se o senhor adivinhasse exatamente o que necessitamos.”
É claro que, ao pregar, aquele pastor não fazia nenhum exercício de adivinhação. Era um visitador que, em contato com o rebanho, descobria suas reais necessidades; e no sábado sabia perfeitamente o que iria falar, e em que direção.
Aí está uma questão fundamental. Que melhor maneira existe de um pastor conhecer o rebanho e suas necessidades, senão estando em contato com ele, através de um bem elaborado programa de visitação? Como bem o afirmou Roy Allan Anderson, “por todas as partes há lares despedaçados e corações feridos. E estes exigem o cuidado de um pastor. Ao mundo não falta luxo, mas falta amor. Pastores eloqüentes, organizadores minuciosos, e ocupados executivos, todos eles têm seu lugar na igreja de Deus, mas o rebanho cresce na graça e na piedade sob o delicado toque do pastor. De todos os títulos dados ao nosso Senhor, nenhum é mais belo do que ‘O Bom Pastor’. Ele nunca falou de Si mesmo como sendo bispo, ou sacerdote, executivo ou pregador, mas sempre como pastor”. (O Pastor Evangelista, pág. 481).
Dever prioritário
O que é lamentável, hoje, é a verificação de que a arte da visitação pastoral tornou-se uma prática esporádica; levada a efeito a depender das circunstâncias; e, em alguns casos, inexistente. Surgiu o chamado conceito administrativo, o conceito equivocado de “profissionalismo”. Enquanto a ovelha se encontra balindo de dor, escorregando despenhadeiro abaixo, alimentando-se de ervas daninhas e bebendo água salobra; atropelada à beira da estrada, ou sendo devorada por lobos, o pastor se acha cuidando de construções, sentado atrás de uma montanha de papéis, ou elaborando gráficos.
O primeiro e mais importante lugar onde um pastor deve ser achado é junto ao rebanho. A primeira e mais importante função da qual um pastor deve se desincumbir é o cuidado do rebanho. Evidentemente, ele pode ser chamado a desempenhar outras funções na Igreja à qual serve. Nada, porém, é mais importante do que ser um pastor, no sentido mais profundo do termo. Todos os postos e funções na Igreja são passageiros e circunstanciais. Só a vocação pastoral permanece.
Visitação ontem e hoje
Jesus fazia questão de identificar-Se com as pessoas. Não Se distanciava delas, como faziam os sacerdotes de Seu tempo, perdidos em pormenores relativos ao funcionamento administrativo, fazendo pouco caso da pessoa como indivíduo e filho de Deus. Onde o povo estava, aí também Se encontrava o Mestre, dando-lhes o amor e a segurança de que necessitavam.
Ao chamar Seus discípulos, enviou-os de dois em dois, visitando cada povoado e cada casa. Depois da ascensão de Cristo, já nos dias da igreja apostólica, a prática foi mantida (Atos 20:20, 21 e 27). O apóstolo Paulo apresentou as verdades divinas às pessoas que se encontravam nos lares, onde as mulheres realizavam suas tarefas cotidianas; nas sinagogas, onde liam os escritos sagrados; nos mercados, onde eram realizadas transações comerciais; enfim, nos lugares eram cometidos pecados e diante de templos pagãos. Ele falava ao povo onde este se encontrava.
As visitas pastorais dos primeiros tempos não eram regulamentadas por um sistema, ou norma definida. A Igreja, à medida que experimentava crescimento, desenvolvia seus procedimentos para dirigir a obra pessoal. Os dirigentes da Igreja primitiva, muitos dos quais visitavam os cristãos de casa em casa, e de negócio em negócio, acharam cada vez mais vantajoso estabelecer diferentes funções para dar ao povo o toque pessoal. Em alguns casos, esse toque surgiu mediante a linguagem simbólica empregada na liturgia. Na Igreja Romana, por exemplo, a confissão empregada procurava ajudar as pessoas a falar face a face, no que se esperava fosse uma relação pessoal, com um sacerdote e, ao mesmo tempo, com Deus.
Nos últimos anos do primeiro milênio, surgiram numerosas ordens de homens e mulheres que iam de casa em casa, visitando as pessoas e procurando inspirar-lhes alegria e ânimo, para ajudar os sofredores e apaziguar os intensos temores que atormentavam as consciências.
Também nos albores do movimento adventista, os crentes iam às casas e conversavam com os respectivos moradores, inspirando e estimulando-lhes o desejo de estudar as Escrituras, num esforço para descobrir a verdade. Os precursores desse movimento viajavam muitos quilômetros para levar o evangelho às pessoas em seus lares e nas igrejas. A gloriosa e bendita esperança era difundida não somente por meio das publicações, mas também pelos chamados evangelistas pessoais. Homens e mulheres, na última parte do século XIX, e especialmente na primeira parte do século XX, iam de casa em casa, presenteando e vendendo literatura.
O primeiro e mais importante lugar onde um pastor deve ser achado é junto ao rebanho.
Nos escritos de Ellen White, faz-se continuamente alusão às necessidades dos membros da Igreja, e somos admoestados a buscar o pecador onde está, levando o conforto e a salvação à alma necessitada: “Desejo dizer a meus irmãos do ministério: aproximai-vos do povo onde ele se acha, mediante o trabalho pessoal. Relacionai-vos com ele. Essa é uma obra que não se pode fazer por procuração. Dinheiro emprestado ou dado não a pode realizar. Sermões, do púlpito, não podem efetuar… Sendo omitida, a pregação será, em grande parte, um fracasso.” (Obreiros Evangélicos, pág. 188).
Noutro lugar ela afirma: “devemos abraçar toda oportunidade de fazer trabalho pessoal… Esta parte do trabalho pastoral não deve ser negligenciada ou transferida para vossa esposa, ou qualquer outra pessoa… Caso ele negligencie esse trabalho – visitar o povo em suas casas – é um pastor infiel e está sob a repreensão de Deus…” (Evange-lismo, pág. 440).
Por que e como
Alguns afirmam que seriam mais diligentes na visitação pastoral se pudessem dispor de mais tempo. Outros alegam não se sentir muito à vontade realizando esse trabalho. E existe, até mesmo, quem simplesmente confesse não apreciá-lo. Em qualquer caso, uma reavaliação das prioridades ministeriais, e mesmo da própria vocação, é oportuna. Se, por acaso, o problema é falta de mais amplo conhecimento sobre a importância e objetivos da visitação pastoral, ou mesmo da maneira como realizá-la mais eficientemente, as seguintes sugestões podem ser úteis:
- 1. Visão correta. – Qual é o conceito que temos do trabalho de visitação pastoral? Por que ele deve ser feito? Uma rápida lembrança da maneira como Deus tratou com o ser humano ajuda a responder tais indagações.
Quando o povo de Israel saiu do Egito, a coluna de fogo, à noite, e a nuvem, durante o dia, faziam o povo lembrar-se constantemente de que Ele era um Deus sempre pre-sente em sua experiência (Êxo. 14:21). Mais tarde, ao ordenar a construção do Santuário, o Senhor disse a Moisés: “E Me farão um santuário para que eu possa habitar no meio deles” (Êxo. 25:8). E assim, todos os símbolos utilizados nos serviços do tabernáculo incutiam na mente do povo, mais uma vez, a realidade da presença de Deus.
Na realidade, desde a criação do homem, Deus tem procurado dar-lhe uma imagem clara e distinta de Sua presença. No princípio, manifestava-Se pessoalmente no Éden. Após a entrada do pecado, passou a utilizar símbolos, profetas, sacerdotes e pastores, para manter viva na mente do povo a verdade de Sua existência, de Seu amor e cuidado. É dever do ministro, portanto, manter-se diante do povo como porta-voz de Deus. O exercício do ministério pastoral é uma extensão do trabalho de Deus em favor de Seus filhos. O pastor é o elo entre Deus e o povo. É Seu enviado à cada pessoa, lar e família que visita. Isso não é coisa de menor importância.
- 2. Prioridade. – É preciso dar a devida prioridade ao trabalho de visitação, separando tempo específico para ele. Haverá sempre “razões” para postergá-lo. O verdadeiro pastor, no entanto, sabe que seu primeiro trabalho é pastorear. As pessoas têm prioridade no plano de Deus. Se o rebanho estiver bem atendido, tudo o mais correrá de maneira plenamente satisfatória.
- 3. Preparo pessoal. – O ministro deve estar seguro de sua relação com Deus. Sem manter estreita ligação com a Fonte, ele é incapaz de alimentar o rebanho e de assisti-lo devidamente.
Os hábitos devocionais devem ser parte integrante de sua vida e seu programa. A vida devocional do pastor influencia direta e poderosamente em seu trabalho de visitação. Primeiramente, ele deve receber de Deus para, então, partilhar com a igreja. Se carece de vida devocional consistente, nada recebe; por conseguinte, nada terá para dar.
Visitação pastoral é uma extensão do ministério de Cristo, que veio visitar o mundo trazendo paz e salvação.
- 4. Planejamento. – O êxito sempre acompanha a ordem, a disciplina e o planejamento. As visitas pastorais devem ser bem planejadas, com objetivos claros a serem alcançados. O que tem o pastor a oferecer, e o que espera como resposta? A quem, quando e onde vai visitar?
Alguns acham por bem avisar o dia e a hora da visita. Dessa maneira, argumentam, podem ser evitados desencontros, ou mesmo algum desconforto causado pela surpreendente chegada de uma visita, no caso o pastor, num momento impróprio. Outros acham desnecessário qualquer aviso, alegando que isso tornará o encontro mais informal. O bom senso, as circunstâncias e realidades específicas devem determinar o procedimento nessa questão.
- 5. Atmosfera confiante. – Todos as pessoas que se aproximaram de Cristo faziam-no muito à vontade e confiantemente. O pastor deve conduzir-se de tal modo que os membros da igreja possam falar livremente de suas preocupações, angústias, expectativas, e seus anseios, certos de que podem contar com um ouvido amigo. Eles devem estar seguros de que nada do que partilham sobre si mesmos será transmitido a outros.
Absoluta ética pastoral está envolvida aqui. A credibilidade de muito pastor já foi desmoronada exata-mente nesse ponto.
O pastor deve saber ouvir, e calar-se tão hermeticamente como uma tumba lacrada.
- 6. Objetividade. – Uma visita pastoral tem objetivos definidos. A conversa não deve divagar sobre assuntos alheios ao que se deseja no momento, embora o pastor não deva mostrar-se tão apressado a ponto de consultar freqüentemente o relógio. Tão logo chegue, após as saudações introdutórias, ele deve conduzir a conversa de modo natural, na direção que deseja. Jamais dando a impressão de que está realizando alguma fiscalização. Ele é um pastor.
Tendo falado e ouvido com empatia, pode ler um texto bíblico apropriado e fazer uma prece.
- 7. Cuidados. – Ninguém deve ser discriminado. Todos necessitam da visita do pastor. Nada de favoritismo. O pastor deve ser amigo de todos, não sendo íntimo de ninguém, se não deseja despertar ciúmes na congregação. Em determinadas visitas, é melhor que a esposa, ou outra pessoa, o acompanhe, protegendo-o assim de comentários indiscretos e desabonadores, da aparência do mal, ou mesmo de alguma armadilha preparada pelo inimigo das almas.
- 8. Treinar anciãos. – Embora a visitação seja um privilégio para o pastor, ele pode e deve partilhá-lo com os anciãos. Para isso também eles foram ordenados. Especialmente em igrejas grandes, situadas nos grandes centros, tal divisão de cargas é necessária para que toda a comunidade seja bem assistida.
Benefícios
Visitação pastoral não é algo periférico, acidental ou esporádico. É uma parte essencial do ministro que trilha as pegadas do Senhor que veio visitar o mundo, trazendo conforto, paz e salvação. Ao exercitá-la, o pastor tem a oportunidade de inteirar-se das necessidades íntimas, materiais e espirituais da congregação. Pode observar mais de perto os problemas, descobrindo caminhos para solucioná-los. Através dela, são estreitados os vínculos entre o pastor e o rebanho, facilitando a comunicação entre ambos, e conscientizando o membro da igreja quanto a sua real importância.
Então, no sábado, ele saberá que alimento espiritual será oferecido. O povo o recebe com alegria, fica feliz, satisfeito e nutrido.
O Dr. J. D. Ronking, clérigo presbiteriano, certa vez falou a um companheiro de ministério: “O presbitério põe-lhe nas mãos não somente o púlpito, mas também os lares da congregação. Será um pastor, além de um pregador. Isso requer contato pessoal. No púlpito, verá os rostos da congregação; em seus lares, lerá seus corações. No púlpito, obterá sua admiração; nos lares, seu amor. No primeiro, as crianças o encararão com assombro; no lar, porão o coraçãozinho em suas mãos, com inquebrantável confiança. Ao mesclar-se com as pessoas em seus lares, o poder do púlpito será grandemente multiplicado. O pastor que é invisível durante a semana, é incompreensível no domingo.”
Pedro e o pastorado
Após ter negado o seu Mestre, por três vezes, Pedro foi restaurado ao seu lugar no Ministério. Não sem uma prova pública, depois de arrependido e convertido. João descreve a cena: “Depois de terem comido, perguntou Jesus a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes outros? Ele respondeu: Sim, Senhor Tu sabes que Te amo. Ele lhe disse: Apascenta os Meus cordeiros. Tomou a perguntar-lhe pela segunda vez: Simão, filho de João, tu Me amas? Ele lhe respondeu: Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo. Disse-lhe Jesus: Pastoreia as Minhas ovelhas. Pela terceira vez Jesus lhe perguntou: Simão, filho de João, tu Me amas? Pedro entristeceu-se por Ele lhe ter dito, pela terceira vez: Tu Me amas? E respondeu-Lhe: Senhor, Tu sabes todas as coisas, Tu sabes que Te amo. Jesus lhe disse: Apascenta as Minhas ovelhas.” (João 21:15-17).
Três vezes O negara, três vezes afirmara seu amor por Ele. E Jesus apontou-lhe o de-ver prioritário: “Apascenta os Meus cordeiros… Apascenta as Minhas ovelhas”. Cordeiros e ovelhas; novos e velhos na fé. Os recém-conversos e os maduros. Todos necessitam de cuidados pastorais.
Segundo Adam Clarke, nos versos 15 e 17, a palavra apascentar é uma tradução do verbo bosko, que dá a idéia de nutrir, alimentar, sustentar. No verso 16, aparece a palavra “pastoreia”, como tradução do verbo poimano, significando cuidar, guiar, governar e defender. A idéia que parece ser partilhada aqui é a de que não é suficiente apenas oferecer o pão da vida à congregação, mas também que é necessário cuidar para que as ovelhas estejam apropriadamente reunidas, reguladas e bem guiadas.
Pedro entendeu perfeitamente a lição. Tanto é assim que muito depois deixou-nos o seguinte conselho: “Pastoreai o rebanho de Deus que há entre vós, não por constrangimento, mas espontaneamente como Deus quer; nem por sórdida ganância, mas de boa vontade; nem como dominadores dos que vos foram confiados, antes tornando-vos modelos do rebanho. Ora, logo que o Supremo Pastor Se manifestar, recebereis a imarcescível coroa de glória.” (I Ped. 5:2-4).