De acordo com Gênesis 1:1, “No princípio, criou Deus os céus e a Terra”.
A doutrina da Criação ocupa um lugar importante na mensagem e missão dos adventistas do sétimo dia, por uma dupla razão: primeiramente, os adventistas crêem numa criação ordenada, efetuada por Deus; e, em segundo lugar, sentem-se encarregados de proclamar a mensagem dos três anjos, conforme Apocalipse 14.
A filosofia adventista sobre origens afirma que Deus criou o mundo em sete dias. Desse modo, não existe espaço na compreensão adventista para a teoria da evolução, seja em seu aspecto naturalista ou teísta. Como adventistas, não somente aceitamos que Deus é o Criador, mas também cremos que Ele assumiu a natureza humana para Se tornar nosso Redentor, segundo está escrito no Evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dEle, e sem Ele nada do que foi feito se fez. … E o Verbo Se fez carne e habitou entre nós.” (João 1:1 a 3 e 14).
Assim, em sua proclamação do evangelho, os adventistas enfatizam tanto a Criação como a redenção. Essa ênfase é destacada em sua lealdade ao “evangelho eterno” mencionado no Apocalipse: “Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que se assentam sobre a Terra, … dizendo em grande voz: … adorai Aquele que fez o céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas.” (Apoc. 14:6 e 7).
Nessa mensagem, a ser proclamada nos últimos dias, o evangelho eterno convida à ado-ração do Criador, e nisso reside a compreensão da razão pela qual os adventistas não podem concordar com qualquer espécie de explicação evolucionista quanto às origens.
Idéias conflitantes
A evolução tem uma forma muito peculiar de explicação para o começo da vida, diferente da explicação encontrada no Gênesis. Segundo o pensamento evolucionista, a vida originou-se e desenvolveu-se por si mesma, durante um período de tempo extremamente longo. O livro do Gênesis ensina, por sua vez, uma criação efetuada em seis dias. A idéia de origem fortuita ou desenvolvimento fortuito da vida, ou ainda algo intermediário, está em oposição à mensagem dos três anjos. Consideremos como os três ramos da teoria evolucionista explicam a origem da vida:
Em primeiro lugar, a evolução naturalista (ou ateísta) necessita apenas de combinação de átomos, movimento, tempo e o acaso, a fim de trazer a realidade à existência, desde as formas mais simples de vida, às mais complexas, da partícula vital mais elementar à vida humana.
Em segundo lugar, a evolução deísta aceita a ação de Deus no início do processo que faz surgir a primeira matéria viva. Ele programou o processo evolucionário, fecundando a matéria de acordo com as leis naturais, o que resultou no seu subseqüente desenvolvimento. A partir daí, absteve-Se de envolvimento ativo, tomando-Se, por assim dizer, “Criador emérito”.
Finalmente, existe a evolução teísta, que vai além da versão anterior, permitindo a contínua intervenção divina. Tal posicionamento e a pretensão de harmonizar o relato bíblico da Criação com a explicação científica, fizeram da evolução teísta o paradigma dominante entre os estudiosos evangélicos. Portanto, merece uma consideração mais longa.
Evolucionismo teísta
A evolução teísta assume que “todos os processos materiais são governados e dirigidos por Deus; [e] os processos evolucionários não fazem exceção”.2 Assim, a evolução não é um fim em si mesma, sendo apenas o meio pelo qual Deus traz à existência tudo o que há no Universo. É o modus operandi de Deus. Às vezes chamada de “evolucionismo bíblico”, a evolução teísta vê o processo evolucionário como uma manifestação da obra de Deus na Natureza. Nesse caso, a obra criativa de Deus é vista através de dois aspectos: 1) o “aspecto funcional”, no qual a existência finita do mundo natural é dependente da atividade contínua de Deus; e 2) o “aspecto progressivo”, onde novas criaturas e novas características emergem criativamente no processo da evolução.
Evolução teísta é considerada a “expressão constante da estratégia de Deus” para o desenvolvimento da criação. Algo como o método divino para agir no mundo através de uma criação contínua.
Na tentativa de harmonizar as explicações bíblicas e evolucionistas sobre as origens, particularmente com os longos períodos de tempo requeridos por todos os ramos da evolução, diversas teorias de Criação têm sido propostas: A teoria da Reconstituição ou da Lacuna, que sugere a passagem de milhões de anos entre Gênesis 1:1 e 1:2, e a ocorrência da Criação em três etapas – o período pré-adâmico, no qual a Terra era linda, um período intermediário, durante o qual ela se tomou “sem forma e vazia”, e o período de reconstituição, descrito a partir de Gênseis 1:3. Há também a teoria do Dia-Época, ou Épocas Geológicas, segundo a qual os dias da Criação não eram dias literais, mas períodos mais longos. A teoria Artística ou Literária entende o relato do Gênesis como um relato artístico, com a idéia de comunicar verdade religiosa, mas não realidade científica. Finalmente, a teoria das Genealogias Abreviadas pretende que se as genealogias omitem gerações, como algumas certamente o fazem, tais omissões poderiam dar conta de todo o tempo necessário para a evolução ocorrer.
Evolução, sob quaisquer dessas formas, contradiz o coração da mensagem dos três anjos apocalípticos: as boas-novas do evangelho. As novas não são boas somente porque seus destinatários estão numa situação desesperadora. Aos pecadores, oferece perdão; àqueles sob condenação, por causa da queda da humanidade em pecado, provê salvação. Mas no processo evolucionista não há queda, não existe pe-cado – apenas contínuo progresso. Quaisquer traços animalescos presentes nos seres humanos podem ser vencidos através de educação e aculturamento. Por conseguinte, não existe necessidade de um Salvador.
Mesmo a singularidade de Jesus pode desaparecer numa perspectiva evolucionista. O professor da Universidade de Notre Dame, Ernan McMullin, escreve: “Quando Cristo assumiu a forma humana, o DNA que O fez filho de Maria pode tê-Lo ligado a uma herança mais antiga que se estende muito além de Adão às baixadas de mares mais antigos do que a imaginação alcança.”3 Se essa é a explicação para a primeira vinda de Jesus, a segunda vinda não pode mais ser uma esperança real.
Contudo, a segunda vinda e o julgamento são o enfoque de Apocalipse 14, que acrescenta uma nova dimensão à exaltação de Deus, como Criador, feita no Antigo Testa-mento. Assim, a Criação e o julgamento constituem o motivo escatológico da mensagem dos três anjos. Se o mundo não glorificar a Deus pela primeira razão, terá de temê-Lo pela segunda. O parâmetro pode ser percebido através das três proclamações. O primeiro anjo exalta o Criador, o segundo chama atenção para um falso sistema que nega a Deus e o terceiro fala do julgamento futuro. Os remidos adoram a Deus por Seu amor, expresso através da Criação. Os réprobos tremem diante dEle por causa de Seu julgamento justo.
Criação e julgamento
Julgamento não é um assunto ensinado apenas no Apocalipse, mas, juntamente com o conceito de Criação, permeia toda a Biblia. A poluição da criação original resultou no primeiro juízo divino universal, o Dilúvio. Nos últimos dias, os juízos escatológicos de Deus são enviados para destruir “os que destroem a Terra” (Apoc. 11:18), com o propósito último de inverter o que aconteceu depois da queda do homem e criar um novo Céu e uma nova Terra.
Pedro fala deste tópico Criação-julgamento, em palavras incisivas. Aqueles que zombam da atividade divina na história humana “deliberadamente esquecem que, de longo tempo, houve Céus bem como Terra, a qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pelas quais veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água. Ora, os céus que agora existem, e a Terra, pela mesma palavra têm sido entesourados pelo fogo, estando reservados para o dia do juízo e destruição dos homens ímpios”. (II Ped. 3:5 a 7).
O que Pedro tem em mente é simples. A História sempre teve seus céticos. Outrora, houve aqueles que “deliberadamente” olvidaram que Deus criou o mundo e que ele executou Seus juízos sobre a impiedade através de um Dilúvio universal. Semelhantemente, no final dos tempos, o ceticismo quanto a Deus como Criador seria geral.
A causa principal desse ceticismo atual é a teoria da evolução. Com efeito, é parte do “vinho da fúria” de Babilônia (Apoc. 14:8) com o qual o mundo está embriagado.
O debate
Atualmente, o debate entre criacionismo e evolucionismo decorre do interesse renovado na relação entre a ciência e a fé cristã. Isso é evidente no estabelecimento de novas organizações, tais como a Fundação John Templeton, com seu Centro de Informação de Teologia de Humildade (Ipswich, Massachusetts), lançada em 1993. Esse centro, cujos membros fundadores incluem as autoridades máximas em ciência e religião, mantêm que a teologia não é capaz de alcançar uma compreensão clara dos mistérios do Universo (portanto a etiqueta “Teologia da Humildade”). Conseqüentemente, existe a necessidade de uma volta à ciência como a fonte de respostas.
Uma organização muito mais antiga é o Centro Para Religião e Ciência de Chicago, onde cientistas e teólogos são devotos do evolucionismo sem renunciar sua fé em Deus. Com base na Escola Luterana de Teologia, o centro publica Zygon, uma revista influente sobre evolução teísta.
Outro periódico devotado quase que exclusivamente a promover a evolução teísta é o Journal of the American Scientific Affiliation. A Afiliação, também com sede em Ipswich, Massachusetts, conta com mais de mil membros com doutorados diversos. Originalmente organizada para promover o criacionismo, a Afiliação acabou experimentando uma “evolução” para se tomar defensora do evolucionismo teísta.
É possível perceber individualmente um desvio significativo no debate Criação-evolução: da negação completa à admissão pública de respeito pela criação especial como uma alternativa viável para explicar a origem do Universo. Isso não quer dizer que a discussão foi encerrada. Certamente, não. Entre os que dominam esse debate, estão incluídos nomes como Howard Van Till (Calvin College), Ernan McMullin e Alvin Plan-tinga (ambos da Universidade Notre Dame), Philip Johnson (Universidade da Califórnia) e William Hasker (Huntington College), Van Till, McMullin e Hasker estão num canto da arena, enquanto Plantinga e Johnson estão no outro.
O primeiro grupo argumenta a favor de macro-evolução. O segundo defende a ineficiência da seleção natural e a viabilidade de uma intervenção divina especial, para explicar as complexidades da vida no planeta. O segundo grupo não está advogando criação ex-nihilo como uma cronologia curta. Essa opção foi rejeitada, há muito tempo, e os que a defendem são rotulados como fundamentalistas e extremistas. Plantinga e Johnson argumentam que Deus deve ser visto como intervindo no mundo.
Assim, a tendência é dupla: em primeiro lugar, favorecer a criação progressiva na qual a intervenção divina é exigida, não só para dar conta das formas originais de vida, como também para introduzir os primeiros indivíduos dos grupos maiores de seres vivos numa criação em desenvolvimento constante. Em segundo lugar, a tendência de encaminhar-se para uma forma de evolução deísta, preservando o que Van Till chama de “a integridade da Natureza”. Isso significa que Deus criou um Universo no qual Seus desígnios para todas as criaturas, exceto os seres humanos, seriam alcançados, exclusivamente, de um modo natural.
A seriedade do debate entre os dois grupos é vista na obra de McMullin e Plantinga, que ensinam na mesma Universidade. Atuam em lados opostos do debate, escrevendo e respondendo um ao outro. Enquanto Plantinga argumenta a favor de uma criação especial, McMullin está convencido de que todas as probabilidades são contrárias a essa idéia.
As vozes mais francas em favor de uma criação recente, ex-nihilo, são as publicações do lnstitute for Creation Research, baseado em San Diego, Califórnia. Sua posição, chamada “criacionismo científico”, está sob ataque constante de seus adversários.
O Seventh-Day Adventist Geoscience Research lnstitute tem um compromisso semelhante com a Criação, embora discorde em algumas das posições do ICR. Mas essas organizações, como regra, são vozes isoladas, clamando no deserto, às quais a comunidade dos eruditos, que favorece a evolução, não dá muita atenção.
Recentes publicações da Igreja Católica, que oficialmente endossa a evolução teísta, es-tão desempenhando um papel importante no debate atual. A Igreja parece reconhecer nas ciências naturais e biológicas novas manifestações da unidade da Natureza, e exorta seus membros, ao mesmo tempo em que convida outras denominações, a prestarem atenção a tais tendências. Foi nessa base que João Paulo II fez o apelo: “Como nunca dantes em sua história, a Igreja entrou num movimento para a união de todos os cristãos, promovendo estudo, oração e discussões em comum para que ‘todos sejam um’.”4 Mesmo as igrejas evangélicas têm apoiado os pronunciamentos papais.
Implicações
Quais as implicações da tendência existente em direção ao evolucionismo para os adventistas do sétimo dia? Enumeramos algumas:
- 1. Ao negar a criação em seis dias, o evolucionismo remove a base para o culto sabático, preparando assim o terreno para o reconhecimento mundial da santidade do domingo, o que é parte do ensino adventista quanto aos acontecimentos finais.
- 2. Se a autoridade da Bíblia pode ser posta de lado tão facilmente, por que não a autoridade de sua Lei Moral e seus preceitos para a vida humana? Num mundo esvaziado de autoridade bíblica, noções da vontade humana, do bem e do propósito, apoiadas pela ciência e pelo humanismo, acabarão dominando muito da vida e da adoração. Como Landon Gilke observou: “A mais importante mudança na com-preensão da verdade religiosa nos últimos séculos, mudança que ainda domina nosso pensamento hoje, foi causada pela ação da ciência mais do que qualquer outro fator, religioso ou cultural.”
- 3. Em vista do ataque sutil da evolução contra a essência do evangelho eterno, o desafio para os adventistas é óbvio: uma determinação renovada e dinâmica para a adoração e proclamação dAquele “que fez o Céu, e a Terra, e o mar, e as fontes das águas” (Apoc. 14:7).
- 4. A teologia não pode mais florescer isoladamente. Encontros entre a teologia e as ciências não podem ser evitados. No contexto da Missão Global da Igreja, precisamos achar novos métodos de abordar as pessoas condicionadas pelo método científico e o dogma evolucionista. A comunidade adventista, incluindo professores, profissionais e administradores, não pode ignorar os problemas relacionados com a teologia e a ciência. Necessita-se promover maior abertura para intercâmbio acadêmico, cursos e projetos de pesquisa nessa área.
- 5. O desafio da evolução naturalista, teísta ou deísta é realmente um desafio para a nossa fé. A doutrina da Criação não é opcional para os adventistas, é uma prova de fé. Sim, não podemos compreender tudo o que está envolvido na Criação, do mesmo modo que não podemos entender tudo sobre a redenção. Entendimento de ambas é possível somente pela fé. Fé em Deus. Fé é o que Deus disse na Bíblia. Como Ellen White escreveu, há muito tempo: “Foi-me mostrado que sem a história da Bíblia, a geologia nada prova. Fósseis achados na Terra dão evidência de um estado de coisas que difere em muitos modos do presente. Mas o tempo de sua existência e quão longo foi o período que estas coisas têm estado na Terra só podem ser compreendidos pelo relato bíblico. Pode ser inocente conjecturar além do relato bíblico, se nossas suposições não contradizem os fatos achados nas Escrituras. Mas quando as pessoas abandonam a Palavra de Deus quanto ao relato da Criação e procuram explicar a obra criativa de Deus por princípios naturais, se acham sobre um oceano ilimitado de incerteza. Justa-mente como Deus realizou as obras da Criação em seis dias literais nunca foi revelado a mortais. Sua obra na Criação é tão incompreensível como Sua existência.”
Referências:
- 1. Millard J. Erickson, Christian Theology, Grand Rapids, MI, Baker Book House, 1985, págs. 480 e 481.
- 2. Howard J. Van Till, The Fourth Day: What the Bible and the Heavens Are Telling Us About Creation, Grand Rapids, MI, Eerdmans, 1986, pág. 247.
- 3. Howard J. Van Till, Op. Cit., pág. 265.
- 4. Ernan McMullin, Zyon, 28/09/93, pág. 325; e Alvin Plantinga, Christian Scholar’s Review 21, edição especial 1990, págs. 55 a 79.
- 5. Landon Gilkey, Religion and the Scientific Future, Nova Iorque, Harper & Row, 1970, pág. 4.
- 6. Ellen White, Spiritual Gifts, Washington D.C., R&H, 1945, vol. 3, pág. 93.