No dia 19 de fevereiro de 1985, o vôo 006 da China Airlines deixou Taipé, Formosa, para uma viagem de 11 horas até Los Angeles, na Califórnia. Nove horas e meia depois, o motor número quatro perdeu potência e a tripulação o avião começou a procurar restaurá-la. Enquanto eles estavam concentrados nessa tarefa, o capitão deixou de monitorar de maneira apropriada os seus instrumentos, e o avião mudou de direção e começou a cair verticalmente em direção ao mar. O aparelho caiu de mais de 12 mil metros, para pouco mais de dois mil metros, antes que o comandante reassumisse o controle. O avião sofreu graves danos estruturais, e dois passageiros ficaram gravemente feridos durante o incidente, que expôs a aeronave a uma força cinco vezes maior do que à da gravidade normal.
Insônia, ou horas irregulares de sono, podem ter sido um importante fator nesse incidente. O piloto perdeu o controle de seu avião durante horas, por não ter dormido direito nos últimos seis dias.
No dia 13 de abril de 1984, dois trens de carga andavam a grande velocidade um contra o outro nos mesmos trilhos. Na cabina do Burlington Extra 6714, o maquinista e outros membros da tripulação haviam pegado no sono. Os dois trens colidiram de frente perto de Wiggins, Colorado, destruindo sete vagões e matando os cinco membros da tripulação.
As investigações citaram os turnos irregulares e as decisões dos membros da tripulação de não dormir no seu período de folga, como fatores que contribuíram para o desastre.
Um questionário preenchido por 1.000 maquinistas, revelou que 11 % deles admitiam cochilar na maior parte das viagens noturnas, enquanto os outros 59% admitiam ter cochilado pelo menos um período alguma vez, no trabalho. Durante o dia, os maquinistas admitiram ter cochilado na maioria das viagens, mas 23% havia feito isso no mínimo em uma viagem.
Um pesquisador do problema de dormir guiando, declarou recentemente que ocorrem mais acidentes provocados por insônia, do que pelo consumo de bebida alcoólica. Os acidentes com veículo particular, transporte aéreo, e os acidentes militares têm grande probabilidade de ocorrer à noite. Estudos de simulação de vôo têm mostrado que a habilidade dos pilotos para pilotarem um simulador pode ser prejudicada à noite, tanto quanto o seria por um nível de 0,05% de álcool no sangue.
O sono é importante — ninguém nega isso. Mas em meio de um programa ético em que há mais o que fazer do que tempo para fazê-lo, é tentador começar a pensar em hora de sono como tempo perdido. E auferir lucro com menos horas na cama, ou ficando de pé até tarde, levantando cedo e compensando o tempo perdido com cochilos de gato apressado.
Efeitos da perda de sono
Mas os efeitos de diminuir demais as horas de sono, logo se tornam evidentes. Os efeitos são vistos mais depressa em crianças pequenas. Todos já vimos a irritação e as brigas entre irmãos aumentarem quando as crianças não dormem o tempo suficiente em um dia agitado.
Os adultos disfarçam melhor sua irritabilidade. Não obstante, os efeitos psicológicos da privação do sono incluem aumento da irritabilidade, ira e comportamento anti-social, e o colapso dos mecanismos normais de defesa do ego. Não dormindo suficiente, as pessoas geralmente se tomam mais sérias, desatentas e carrancudas. Os desaparecimentos espontâneos e as per-das prolongadas de sono, podem levar à desorientação, à paranóia, a maior depressão do que a normal e à incapacidade para manter-se concentrado em uma atividade. A percepção também diminui, como o fazem as habilidades cognitivas de raciocinar, e a capacidade psicomotora.
A perda de sono também afeta capacidades físicas tais como a habilidade de realizar movimentos delicados da mão e concentrar os olhos. Leva ao aumento de sensibilidade à dor, à redução do tono e esforço muscular, ao aumento do tempo de reação e à maior dificuldade em manter a boa postura. Se a privação do sono continuar por muito tempo, o resultado é a morte. Estudos feitos em ratos mostraram que, quando a temperatura do corpo começa a cair de maneira dramática por causa da perda de sono, ocorre a morte em poucos dias, mesmo que seja permitido aos animais voltarem a dormir.
Pesquisas recentes sobre o sono indicam que não é apenas a quantidade de horas que se dorme, mas a regularidade das horas de sono e a duração do período deste, que permitem que se recebam os benefícios necessários do sono.
Que acontece quando você dorme
Dormir não é de maneira alguma um consumo passivo de tempo. O tempo de sono divide-se em duas fases principais: Movimento Rápido do Olho (MRO) e o sono sem (MRO). O sono sem movimento é ainda subdividido nos estágios: 1, 2, 3 e 4, com números crescentes que representam sono mais profundo. Os estágios 3 e 4 são chamados sono de onda lenta (SOL) ou sono profundo. Cada uma destas divisões do sono é um processo fisiológico ativo.
O sono de MRO e o sem MRO têm, cada um, as suas próprias funções fisiológicas. Uma noite típica de sono compõe-se de quatro a seis ciclos, aproximadamente, de 90 minutos, os quais começam com o estágio 1, depois continuam para sono cada vez mais profundo, depois para sono menos profundo, para MRO, depois retorna através de séries como estas: Estágio 1, 2, 3, 4, 3, 2, MRO, 2, 3, 4, 3, 2. À medida que a noite progride, a quantidade de SOL diminui e a do MRO aumenta. Quando a manhã se aproxima, o estágio 4, e às vezes o estágio 3, são eliminados do ciclo.
Aparentemente, o sono MRO está envolvido com o processamento mental de nova informação, a transferência do material da memória de curto prazo para a de longo prazo, e de alguma forma com o controle do que se denomina comportamento motor animal motivado. Em linguagem comum, isto significa que os animais destituídos de sono MRO, revelam impulso sexual, desigualdade sexual, satisfação e procura de alimento, e menos necessidade de cuidado. O sono MRO é também importante em muitas funções do corpo, porque afeta a secreção de várias químicas do organismo, entre as quais os esteróides corticais.
A quantidade de tempo que gastamos no sono MRO diminui à medida que envelhecemos. A infância prematura pode consumir cerca de 80% do seu tempo de sono com MRO, enquanto os infantes de tempo integral estão em MRO apenas cerca de metade do tempo que passam acordados. Durante a juventude adulta, o MRO supre apenas 10 a 20 por cento do tempo de sono, e anos mais tarde isto diminui ainda mais.
O Sono de Onda Lenta (estágios 3 e 4) é importante para recuperar da fadiga, e aumenta depois da intensidade do trabalho físico. Caracteriza-se pela amplitude elevada, a lenta freqüência da atividade EEG de menos de 4 ciclos por segundo, pelo repouso do tono muscular, e as lentas, regulares velocidades cardíaca e respiratória, pelo aumento do fluxo sanguíneo para os músculos, e pela constrição das artérias do cérebro. O SOL diminui também com a idade. Enquanto ele varia de 10 a 20% nos adultos jovens, pode estar de todo ausente na velhice.
Quanto é suficiente?
Todos nós já ouvimos falar de pessoas que se sentiam bem com apenas quatro ou cinco horas de sono por noite. Tais pessoas, contudo, constituem exceção e não regra. A maioria de nós necessita entre sete e nove horas de sono cada noite, e um estudo recente revelou que mesmo aqueles que achavam que haviam dormido o suficiente, eram beneficiados com meia ou uma hora de sono extra.
Um recém-nascido saudável dorme cerca de 16 horas. Esse tempo diminui para 11 horas dos 3 aos 5 anos de idade, para 10 horas aos dez anos e para 7,75 horas aos 19 anos. Este declínio parece continuar lentamente com a idade até que, ao chegarem aos sessenta ou setenta anos, as pessoas durmam apenas de cinco a seis horas por noite. As pessoas idosas costumam acordar-se com mais freqüência, e por períodos mais longos, do que os adultos jovens.
Estudos têm revelado que a média norte-americana e européia de sono é de sete a oito horas por noite. Um estudo recente de doze países europeus e os Estados Unidos, mostrou que 25,3% dos homens e 29,1% das mulheres dormiam menos de sete horas por noite, enquanto 14,6% dos homens e 13,7% das mulheres dormiam mais de nove horas. A maioria das pessoas dorme mais nos fins de semana, o que indica que elas se estão privando da necessidade de dormir durante o trabalho da semana.
Talvez a melhor maneira de determinar quanto tempo de sono lhe é suficiente, é ir para a cama cedo, a fim de despertar naturalmente, sem o despertador. Permitir que o seu próprio organismo determine de quantas horas de sono você necessita, pode ajudá-lo a evitar a privação crônica do sono que prevalece nas nações industrializadas.
Os fatos a respeito do sono podem ser interessantes, mas o que mais interessa à maioria de nós é saber como ter uma boa noite de repouso. Se você sofre de insônia, talvez necessite de ir a um dos departamentos recentemente instalados em várias universidades. Alguns problemas só podem ser diagnosticados mediante testes precisos. Num artigo publicado recentemente na Post Magazine de Washington, o autor fala de sua luta de 20 anos com vigílias noturnas. Ele tentou todas as espécies de remédios conhecidos e curas milagrosas, mas continuou a despertar várias vezes todas as noites e a ser incapaz de voltar a dormir durante horas a fio.
Só depois de ser preso por um aparelho que lhe controlava as ondas cerebrais e tensão muscular durante toda a noite, ele ficou sabendo que o que o despertava várias vezes durante a noite eram as contrações das pernas. Os médicos do centro de pesquisas prescreveram medicação que aliviava as contrações, e ele conseguiu dormir mais daí em diante.
Para a maioria de nós, porém, conseguir dormir melhor pode ser simplesmente uma questão de eliminar um hábito que perturba o nosso sono, ou desenvolver uma prática que possa aumentar o sono.
Entre as coisas que podem dificultar o bom sono estão o álcool e outras drogas, falta de exercício e tipos de hábito.
A ligação do álcool com o sono é, de modo particular, significativa. Enquanto o álcool pode contribuir para deixar a pessoa sem sono, ele diminui a qualidade do sono. Interrompe os ciclos dos estágios do sono e dificulta o sono MRO. Mesmo níveis moderados de exposição alcoólica pré-natal, podem levar a distúrbios dos ciclos do sono em recém-nascidos. E crianças nascidas de pais alcoólatras, experimentam inibição do sono MRO. A verdadeira tragédia em tudo isto é que este problema pode contribuir para que eles próprios se tornem alcoólatras. Comprovou-se que a privação do sono MRO de filhotes de rato, aumenta-lhes o consumo de álcool quando adultos.
Drogas como as anti-histaminas, os anti-hipertensivos e quase todas as drogas psicotrópicas, entre as quais a maconha, afetam o sono, aumentando a insônia e interrompendo os estágios do sono. A maconha, em bebês expostos an-tes do nascimento, interfere no ciclo do sono, reduz o SOL, aumenta os movimentos do organismo e reduz os sinais característicos do sono MRO, sem levar em conta o trimestre de exposição.
O fumar é outro fator ligado com a dificuldade do sono. Os fumantes levam muito mais tempo para dormir, e ficam acordados por períodos muito mais longos depois de acordarem, do que os não fumantes. Além da latência do aumento do início do sono e dos despertamentos mais freqüentes, os fumantes parecem também ter menos sono do que os não fumantes, e ter três vezes mais pesadelos e sonhos.
Muitas pessoas contam que se sentiram cansadas e sonolentas por vários dias, logo após deixarem de fumar. Felizmente, essa sonolência não as afeta só durante o dia, mas continua em suas horas regulares de sono. O abrupto abandono do cigarro, diminui em 45% o tempo de insônia nas três primeiras noites de abstinência. Este ganho vem em parte pelo fato de dormir mais e, em parte, pela diminuição dos episódios de vigília durante a noite.
Hábitos que aumentam o sono
As duas coisas mais importantes que você pode fazer para melhorar o seu sono são formar o hábito de fazer bastante exercício, e ter um horário regular para dormir, sempre que possível.
Estudos têm mostrado que o exercício diminui o tempo requerido para o SOL, e que fisicamente habilita mais os indivíduos a obterem SOL do que incapacita. Como na maioria das coisas, a moderação é o segredo, nessa questão. Se você não está acostumado a fazer muito exercício, comece com exercícios leves e prossiga pouco a pouco para exercícios mais cansativos até seu nível de aptidão aumentar. Os exercícios extenuantes podem realmente levar quem não está acostumado a ter perturbações do sono, e o exercício exaustivo pode produzir o mesmo resultado, mesmo para os que estão fisicamente preparados. Qualquer exercício praticado antes de dormir deve ser de leve a moderado, pois o exercício pesado tende a excitar o sistema nervoso central e a causar distúrbios do sono.
Exercício tarde da noite pode também elevar seu coeficiente metabólico e mantê-lo acordado. Uma vez que o sono faz baixar a temperatura do organismo, a demora na diminuição da temperatura do seu corpo pode mantê-lo acordado por mais tempo. Naturalmente, o mesmo problema pode resultar de se procurar dormir em um quarto muito quente.
Um horário regular de ir para a cama e para levantar-se, pode ajudá-lo também a ter uma maior e melhor qualidade de sono. Num estudo de um grupo de adolescentes que sofriam de distúrbios moderados ao sono, tudo quanto foi preciso fazerem para superar seus problemas foi estabelecerem um horário rigoroso para deitar-se e levantar-se durante os dias da semana e no fim desta.
E a regularidade do sono traz mais benefícios do que simplesmente dormir melhor. Manter um cículo estável de vigília e sono é também necessário para alcançar níveis adequados de desempenho da boa disposição e do comportamento subjetivo. Entre os alunos de colégio, a regularidade nas horas de deitar-se e levantar-se é, antes, a regra do que a exceção. Mas aqueles que seguem um horário regular de sono, mostram maior potencial de realização, de eficiência intelectual, de domínio próprio e de sociabilidade. Estudos com marinheiros produziram resultados similares. Os que dormiam bem, ultrapassaram os que dormiam pouco, no cumprimento dos deveres; e tiveram probabilidade de ser promovidos mais rapidamente.
As três sugestões que seguem, para melhorar o sono, envolvem o que se faz imediatamente antes e depois de ir deitar-se. Se você gosta de ler antes de deitar-se, leia assuntos leves; de preferência, algo que não se relacione com o seu trabalho. Não assista a televisão perto da hora de dormir, pois a excitação e a tensão geradas podem tomar difícil o sono. E se, depois de estar na cama, você acha difícil conciliar o sono, não continue aí, frustrado, nem mais um minuto. Levante-se e leia alguma coisa repousante. Continuar na cama, lutando para conciliar o sono, pode tornar-se um hábito, que dificultará adormecer nas noites seguintes.
Não importa o que você fizer, é importante que faça o melhor que puder para resolver quaisquer problemas que possa ter, dormindo bastante. Um estudo recente, feito pelos Institutos Nacionais da Saúde Mental revelou que os problemas não resolvidos do sono estão grandemente relacionados com o surgimento das depressões graves.
“Quando te deitares, não temerás; deitar-te-ás e o teu sono será suave” (Prov. 3:24), é uma das mais preciosas promessas da Bíblia. Uma boa noite de sono pode ajudar a fornecer-lhe a energia de que você necessita para enfrentar até mesmo os maiores desafios do dia.
Dr. Galen C. Bosley, pesquisador associado de ciências, Departamento de Saúde e Temperança da Associação Geral dos Adventistas
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