Jack Blanco, Pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia de Palm Springs, Califórnia.

“A lei moral cinge para sempre a todos, tanto a pessoas justificadas como a outros, à sua obediência; e isso não somente com respeito ao assunto nela contido, mas também com respeito à autoridade de Deus, o Criador que a deu. Cristo, no evangelho, de modo algum anulou esta obrigação, mas a fortaleceu…. Os que, sob o pretexto de liberdade cristã, praticam algum pecado ou acalentam alguma concupiscência, destroem desse modo o fim da liberdade cristã; a saber, que sendo libertos das mãos de nossos inimigos, sirvamos ao Senhor sem temor, em santidade e justiça diante dEle, todos os dias de nossa vida.” — The Westminster Confession of Faith (1647), cap. XIX, art. V, cap. XX, art. m.

Cremos que a lei moral, da maneira como é expressa nos Dez Mandamentos, é tanto da graça como as boas-novas do evangelho que fala da morte, do sepultamento e da ressurreição de Jesus Cristo. Cremos também que esses dez princípios absolutos codificam a personalidade de Deus, representam os princípios de Seu governo e expõem os direitos e as limitações dos que resolvem ter uma parte no reino de Cristo, que redime.

Estas crenças não são adotadas por capricho, nem se acham destituídas de fundamentos bíblicos. Cremos que “toda Escritura é inspirada por Deus” e que a Bíblia, em sua inteireza, provê a necessária

instrução na justiça (II Tim. 3:16). Portanto, as interpretações da Escritura e as definições da fé não somente se baseiam no contexto imediato de passagens bíblicas, mas também na “inteireza” do contexto desde o Gênesis ao Apocalipse.1

A fé baseada numa só parte da Escritura suscitaria grande suspeita, quer esteja ou não ensinando todo o conselho de Deus. Para reduzir o risco de interpretar mal a revelação de Deus ou de não compreender devidamente a função da lei dentro do âmbito de Sua graça, decidimos iniciar nossa interpretação bem no começo.

A Época da Inocência

A Escritura diz: “No princípio criou Deus os céus e a Terra.” Gên. 1:1. Nós asseveramos que o relato da Criação no Gênesis é real e encaramos a história do Jardim sob a mesma luz, não a considerando como um mito, lenda ou como alguma espécie de expressão poética que retrata um dilema moral. Cremos que houve um tempo de inocência, de uma árvore real, dê uma serpente, de uma transgressão literal, e na promessa divina, de redenção por meio de Jesus Cristo (ver Gên. 3:15).

Logo que o homem pecou. Deus reagiu de maneira complacente, prometendo salvar o homem seja o que for que custasse para Sua própria Pessoa, restaurando-o assim à imagem de Deus que foi desfigurada pela desobediência (ver Gên. 3:15; S. João 3:16; Rom. 8:29 e 32). Este objetivo divino constitui ainda hoje as boas-novas de Deus e também o alvo da comunidade de Deus que redime (ver Efés. 4:22-24).

Não cremos que o homem tenha sido criado para cair em pecado a fim de revelar a graça de Deus, ou que a proibição do Jardim fosse contra ele. Em vez disso, cremos que devido ao pecado do homem, a benevolência de Deus não pôde ser contida.2 Se o homem houvesse sido criado para pecar, o pecado teria uma causa, mas Deus fez o homem para que refletisse Sua glória por não pecar (ver Gên. 1:26 e 27; I Cor. 10:13; II Cor. 9:8; Rom. 1:19-25).Este é ainda o propósito de Deus para o homem na atualidade, e o poder para obedecer é um dom de Deus recebido dEle pela fé. Se a obediência fosse uma opção viável como meio de salvação, Cristo não precisaria ter morrido e Deus não precisaria escrever Sua lei no coração do homem (ver S. Mat. 5:17-19; Heb. 10:15-17). O grande objetivo da criação é ser semelhante a Deus, ser à imagem de Sua Pessoa, o que significa viver em harmonia com o Seu santo caráter (ver S. Mat. 5:44-48).

Assim, o relato do Gênesis é um a priori para compreender o propósito de Deus para o homem. No princípio Deus criou o homem e tornou-o capaz de obedecer, e esperava que o fizesse. Quando o pecado o incapacitou, Deus prometeu cumprir a obediência nele (ver Gál. 2:20)4.

O Fator do Risco

A moralidade bíblica difere da moralidade secular não somente pela revelação, mas também por sua particularização da vida moral. Também está em acentuado contraste com as generalidades morais sobre o pecado na comunidade cristã. Segundo Carl F. H. Henry salienta em Christian Personal Ethics, “As Dez Palavras enunciadas no Sinai contêm os princípios essenciais de justiça que realmente reflete o puro caráter do santo Deus. Sua definição explícita do dever religioso e moral do homem desvendou de maneira audaz a santa natureza e o propósito do Deus vivo e uma moralidade de permanente obrigação universal. Elas se encontram à parte de todas as injunções temporais na revelação bíblica e são válidas para todos os homens em todos os lugares e em todos os tempos.”5

No entanto, se a moralidade bíblica inclui as “Dez Palavras” proferidas no Sinai, o que Paulo quer dizer ao afirmar que o concerto sinaíta conduziu à servidão, mas o novo concerto conduz à liberdade? Os universais, princípios morais de Deus estão em conflito com Sua lei escrita no coração? O Código Moral não foi dado a Israel para ser contra eles, ou a favor deles e contra nós, como se houvesse dois métodos de salvação: um pela graça e outro pela lei, mas a lei foi dada para que a hediondez do pecado e a necessidade da graça que salva se tornassem claros (ver Rom. 7:12 e 13).

A proibição de Deus a Adão e Eva e Seu concerto das “Dez Palavras” com Israel, no Sinai, estão em perfeito acordo. Ambos prometem vida aos que os escolhem. Diferem somente quanto ao meio de obediência, e não quanto ao seu objetivo. No Éden a obediência estava baseada na capacidade inerente do homem para obedecer, ao passo que no Sinai ela se baseava no que Cristo faria pelo homem e dentro dele.6 Diariamente era indicado aos israelitas o Cordeiro de Deus que cumpriria a promessa, removeria o pecado e os habilitaria a obedecer aos Dez Mandamentos de Deus, proferidos para seu próprio bem (ver S. João 1:29; 15:10; Gál. 3:28 e 29; 4:26-28; Heb. 9:12-14). Deus jamais tencionou que Seu povo se tornasse aceitável por seus próprios esforços para obedecer; mas, recebendo-O pela fé, são transformados interiormente, sendo habilitados a fazer Sua boa vontade (ver Filip. 2:13).

Ao codificar os princípios essenciais de justiça que refletem Sua Pessoa, Deus Se arriscou a ser mal compreendido e a que se fizesse mau uso do propósito do Decálogo. Contudo, o “risco divino” que Ele assumiu no Sinai salienta a grande necessidade de uma enunciação da vontade de Deus e torna a Lei irredutivelmente importante como instrumento que dirija os homens e as mulheres ao longo de uma sucessão ininterrupta de corretas escolhas morais. A total incapacidade de Israel para compreender que não poderiam aperfeiçoar-se moralmente sem a ajuda da graça de Deus tornou a experiência do Sinai um símbolo de servidão — análoga ao programa de Abraão com Hagar para resolver a situação por si mesmo (ver Gál. 4:24 e 25).7 Toda tentativa abraâmica para cumprir a promessa de Deus pelo esforço humano é legalismo (ver S. João 15:4 e 5). Mas o “legalismo não é atribuível à lei e aos mandamentos, mas ao mau uso deles…. Em última análise, o contraste entre o Espírito e a ordem, entre o amor e a lei é artificial.”8

A Confirmação de Deus

Com uma penada audaz, João expõe o âmago de um conflito que tem afligido alguns cristãos no decorrer dos séculos: “A lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.” S. João 1:17.9

No tempo de Paulo, o conflito entre a lei e a graça era causado por judaizantes que propalavam a lei de Moisés como meio de salvação com tanto zelo que jovens conversos estavam apostatando da graça para a lei. Isto fez com que Paulo escrevesse: “Ó gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros, ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto como crucificado?… Sois assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais agora vos aperfeiçoando na carne?” Gál. 3:1 e 3. “Estai pois firmes na liberdade com que Cristo nos libertou.” Cap. 5:1, Almeida, antiga.

Cremos que os homens e as mulheres não precisam cumprir certos requisitos para serem justificados e libertos; são convidados a ir a Cristo assim como estão (ver Isa. 1:18; Atos 4:12; Rom. 5:8). Então, uma vez estando livres, perdoados, e tendo nascido de novo com uma nova natureza (ver S. João 3:3), não vivem mais pela promessa, mas pelo cumprimento, pelo “muito mais” de Romanos 5, que é sua alegria e motivação (ver II Cor. 5:14).

Entretanto, a liberdade em Cristo de que Paulo fala em Gálatas não deve ser confundida com obstinação, autonomia ou irresponsabilidade moral. A liberdade bíblica se baseia na restauração do livre arbítrio, o qual se expressa em obediência e responsabilidade moral (ver S. Mat. 25:14-30), bem como na manutenção de crescente comunhão com Cristo (ver Efés. 4:11-15). Conquanto a santidade e a comunhão só sejam possíveis em liberdade, santidade em isolação é totalmente inadequada para cumprir o plano de Deus para o homem, pois ele requer comunhão responsável (ver S. João 20:15-19; S. Mat. 25:45-51).

Por conseguinte, a proclamação do evangelho abrange não somente as boas-novas da salvação e o perdão dos pecados, mas também o convite para comunhão com o Pai e com Seu Filho (ver I S. João 1:3 e 4). Como novo Dirigente da raça humana, Cristo restaurou a relação do homem com Deus e lhe ofereceu vida espiritual e constante comunhão pela fé. Mas a entrada permanente em Seu reino só é concedida sob a condição de obediência (ver II Cor. 5:17 e 18; Rom. 2:4-13).

Depois de seu primeiro pecado, a natureza do homem sofreu um declínio tão grande que nenhuma quantidade de obediência poderia restaurar-lhe a saúde espiritual. Descrevendo a condição do homem, Isaías diz o seguinte: “Toda a cabeça está doente e todo o coração enfermo. Desde a planta do pé até à cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, contusões e chagas inflamadas, umas e outras não espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo.” Isa. 1:5 e 6. “Acaso não há bálsamo em Gileade?” — pergunta Jeremias. “Ou não há lá médico? Por que, pois, não se realizou a cura da filha do meu povo?” Jer. 8:22. E ele responde, então, a sua própria pergunta, orando: “Cura-me, Senhor, e serei curado, salva-me, e serei salvo.” Jer. 17:14.

Foi para atender a essa oração procedente do coração da humanidade que Cristo veio. “O Espírito do Senhor está sobre Mim — disse Ele —, pelo que Me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-Me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos…. Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes.” S. Luc. 4:18; 5:31. Era Deus em Cristo indo em busca do homem enfermo pelo pecado, para regenerar e curá-lo, e não vice-versa (ver Gên. 3:8-10; II Cor. 5:17).

Portanto, além de ser um ato recriador, a salvação é também um processo restaurador por meio do qual o homem desenvolve cada vez maior semelhança com Deus. Neste processo o homem precisa continuamente escolher a vida. Como uma pessoa recém-nascida, ele precisa aprender como evitar a deterioração moral e preservar a saúde espiritual. A causa e o efeito da obediência ou da desobediência que se vê no mundo natural também é vista no mundo espiritual. A atividade é a própria essência da vida. Procurar viver por comer, sem ser ativo, conduz à degeneração; assim também, os cristãos não podem preservar a vida espiritual recebendo passivamente a graça de Deus e não respondendo ativamente a Cristo guardando os Seus mandamentos. Jesus disse: “Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos.” S. João 14:15. Como podem, então, as obras opor-se ao que Deus está oferecendo — uma vibrante vida espiritual? Como Deus poderia cravar na cruz e abolir os dez princípios morais em que se baseia o procedimento de todo o Seu Universo?

A Lei não pode salvar, mas pode condenar; não pode dar vida, mas pode tirá-la. A obediência não pode produzir vida espiritual, mas a desobediência pode dissipá-la. Isto significa que as boas obras não po-dem salvar-nos, mas também não podemos ser salvos sem elas. A livre responsabilidade do homem não consiste em obter a salvação, mas em mantê-la como mordomo do bondoso ato de Deus em Jesus Cris-to. Segundo diz o apóstolo, “amar a Deus é obedecer a Seus mandamentos. E Seus mandamentos não são difíceis de obedecer” (I S. João 5:3, BLH).

Despenseiros da Graça

Paulo fez o máximo possível para ajudar seus “irmãos segundo a carne” a ver que observância da lei não é justiça (ver Rom. 9:3, 31 e 32). No entanto, seus esforços para ajudá-los a reconhecer sua necessidade da graça de Deus foram interpretados como se ele fosse contra a obediência. Embora se opusesse à observância da lei como meio de salvação, Paulo confirma e defende explicitamente tanto a lei do Decálogo como os mandamentos do Senhor (ver Efés. 6:2; I Cor. 14:37), tornando inócua qualquer tentativa para retratar o grande apóstolo como antinomiano.10

Um equívoco similar ocorreu nos dias de Lutero, quando os anabatistas e especialmente J. Agrícola afirmaram que suas ideias antinomianas resultaram logicamente da doutrina da justificação, de Lutero, e que o crente de maneira alguma era obrigado a cumprir a lei moral.11

Lutero condenou isso veementemente, e mais tarde uma proscrição do antinomianismo foi inserida na Fórmula da Concórdia, onde se asseverou firmemente que a liberdade dos cristãos com respeito aos reclamos da lei não deve ser interpretada como significando liberdade de obrigação.12

Assim, através dos séculos, os movimentos do pêndulo teológico causados por demasiada ênfase compensadora sobre a lei ou sobre a graça têm rompido a devida relação de ambas para com o processo redentor da parte de Deus, chegando até a destruir sua eficácia. A Escritura adverte contra tais desequilíbrios. Por isso Tiago fala sem rebuços contra a conduta negligente causada pelo abuso da graça (ver S. Tiago 2:14-26); e Paulo mostra como a conduta irresponsável é causada pelo abuso da lei em que as pessoas não encontram forças para obedecer e Consequentemente abandonam a moralidade como algo inatingível (ver Rom. 2:17-29).

Indubitavelmente, o homem é salvo pela graça e não pelas obras (ver Efés. 2:8 e 9), mas também é certo que “Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Ecles. 12:14). “Todas as obras” incluem as dos cristãos. Se as obras não tivessem valor para eles, por que serão considerados responsáveis? Os que aceitam a Cristo como Senhor não são isentados do Juízo antes que sejam permanentemente incorporados ao reino de Deus (S. Mat. 7:21-23; 25:34-45).

Infelizmente, a certeza de um julgamento tem conduzido frequentemente a uma preocupação legalista com o pecado e a introversão demasiado ansiosa. Para evitar semelhante “perturbação mental”, a tentativa antinomiana para alcançar uma certeza mais profunda do que pode ser dada pela evidência exterior amiúde conduz a uma segurança interior que não pode ser confirmada objetivamente.13 Quando o rico e jovem príncipe perguntou a Cristo: “Que farei para herdar a vida eterna?” ele estava buscando certeza objetiva, e Cristo, aceitando sua pergunta como legítima, respondeu: “Guarda os mandamentos …. e segue-Me” (ver S. Mat. 19:16-22). Obviamente, Ele não estava recomendando que esse jovem conquistasse a sua salvação, apoiando assim o legalismo, nem estava insinuando que a obediência é sem importância, apoiando assim o antinomianismo. Amor no coração por Cristo e obediência na vida é um conjunto divino pelo qual os crentes podem comprovar sua relação com Cristo para a salvação e seu crescimento na comunhão com o Pai (ver S. João 17:3; I S. João 1:3). Introspecção objetiva faz parte do legítimo processo assegurador da vida cristã, e quando é guiada pelo Espírito Santo não se opõe ao evangelho (ver Isa. 8:20; I S. João 4:1-3; 5:1-3).

Portanto, o julgamento final é mais do que inexplicável triunfo escatológico da glória de Cristo. O ponto final (telos) da sequência de tempo de Deus abrange uma avaliação moral definitiva de todos os homens, incluindo os cristãos (ver S. Mat. 24:30 e 31; 25:31-33). Aceitamos este relato do julgamento no tempo do fim, que se encontra na Escritura, tão realisticamente como o fazemos com o relato da Criação, no Gênesis. Afirmar, portanto, como alguns têm feito, que o juízo ocorreu na cruz e já foi completado é tornar o grande Dia da Expiação um fenômeno do passado, arrancando-o de seu lugar no tempo do fim e desprezando todo o assunto do julgamento na Escritura, do Gênesis ao Apocalipse, especialmente a preparação escatológica que se espera da parte dos santos (ver S. Mat. 25:1-13; Apoc. 19:7 e 8).14

Se o viver moral (observância da lei pela livre escolha daquilo que é bom de acordo com a vontade de Deus expressa na Escritura) não é necessário para a concessão permanente da vida eterna, por que haverá, então, uma avaliação final dos cristãos? (Ver II Cor. 5:10.) Por que a ênfase do tempo do fim sobre a chegada da “hora do Seu juízo” (Apoc. 14:6 e 7), se o juízo já passou? Se a lei moral é uma codificação do caráter de Cristo, que é imutável, então a lei também é imutável (ver Heb. 13:8; Sal. 89:34; Rom. 7:12; S. Mat. 5:17 e 18). Segundo diz a Escritura, “Eu, o Senhor, não mudo” (Mal. 3:6). É a constante inalterabilidade do santo caráter e da soberania de Deus que proporciona coesão, substância e segurança a Suas criaturas e ao Universo (ver Colos. 1:16 e 17). O que era moralmente errado ontem, é moralmente errado hoje e será moralmente errado amanhã.

Não cremos que as decisões e os atos morais do homem são sem importância para sua entrada final no reino literal de Deus (ver Apoc. 22:12-15) ou que liberdade e responsabilidade sejam mutuamente exclusivas, e nem que as ações da carne nada tenham que ver com o espírito (ver I Coríntios 9:25-27; Filip. 3:8-10). O homem precisa ser salvo de corpo, alma e espírito, e toda a sua pessoa deve estar sob o domínio de Cristo (ver I Tess. 5:23; S. Mat. 20:1-14; Apoc. 22:12-15). Jesus deve ser seu Salvador e seu Rei.

Como crentes em Cristo e na revelação especial de Deus, aceitamos que a Bíblia, “em sua inteireza”, provê o melhor contexto hermenêutico para compreender a função da lei. No Éden, no Sinai e no Calvário a lei sempre tem apontado para a vida como ela é em Cristo, quer essa vida seja concedida criadoramente, oferecida redentoramente ou outorgada permanentemente (ver S. João 1:1-4; Gál. 3:24; I Cor. 15:51-54). “Anulamos, pois, a lei, pela fé? Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a lei.” Rom. 3:31.

Nota*

1. De acordo com a hermenêutica bíblica, sabemos que a aplicação de um texto da Escritura muitas vezes varia de acordo com o tamanho do contexto escolhido para interpretá-lo. Consequentemente, achamos que o contexto “imediato” não deve ser a única autoridade para a devida compreensão da Palavra de Deus, mas a “inteireza” da Escritura também desempenha uma parte importante em sua interpretação.

2. A graça não é uma entidade separada de Deus, a fim de ser usada por Ele para salvar pecadores, embora seja essa a sua finalidade; mas, em seu sentido mais amplo, graça é bondade de Deus, um atributo de Sua Pessoa (ver Êxo. 34:5-8). Somos salvos por Sua bondade, e isto não vem de nós mesmos (ver Efés. 2:8 e 9).

3. Na Escritura encontram-se várias definições de pecado, as quais se estendem de tais pontos específicos como “Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses” e “Sim, eu comi” (Gênesis 3:8-12), até definições tão amplas como “o pecado é a transgressão da lei” (I S. João 3:4). Cremos que o pecado é melhor compreendido ao ser encarado em ambas as suas dimensões: a específica, bem como a geral. Hoje em dia, definições gerais do pecado parecem ser usadas como cobertura para proteger a desobediência subestimando a responsabilidade pessoal para com Deus. Segundo Kari Menninger salienta em seu livro Whatever Became of Sin?, “eles podem falar em termos de imoralidade, ética e conduta anti-social, em lugar de pecado, pois isso os absolve de reconhecer um Deus contra o qual estão pecando” (Hawthorne Books, Inc., Nova Iorque. 1974, pág. 46).

4. Quando Cristo promete habilitar o homem a obedecer, vivendo dentro dele, este controle não destrói a liberdade do homem para escolher, fazendo dele um robô. Deus ainda considera o homem responsável por suas escolhas e ações morais, quer haja ou não uma lei escrita (ver Rom. 5:12-14).

5. Carl F. H. Henry, Christian Personal Ethics, William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids, Michigan, 1957, pág. 269.

6. O fato de que a vida de Cristo, sem pecado, é creditada na conta do homem (ver Rom. 5:19; II Cor. 5:21) não significa que o homem não está mais sob obrigação moral (S. Mat. 7:21; 25:31-46). Por outro lado, também não é verdade que, uma vez tendo aceito a Cristo e sido perdoado, o homem precisa obedecer à lei de Deus por si mesmo e sem ajuda (Ezeq. 36:26 e 27; Heb. 4:15 e 16).

7. Não entendemos que a total depravação do homem denote seu total colapso moral, e, sim, sua total incapacidade moral para viver moralmente por si mesmo. Esta compreensão da situação moral do homem nos coloca mais perto da posição bruneriana quanto aos efeitos do pecado sobre a Imago Deí, do que da posição bartiana. Por mais débil que seja o homem em sua situação moral, ele ainda é responsável a Deus por não usar a graça disponível e por toda falta de demonstração de fé.

8. Henry, op. cit., pág. 358.

9. Este texto frequentemente é interpretado de modo a significar que a graça está em oposição à lei. A palavra “mas” foi suprida pelos tradutores e amiúde diminui a principal ênfase de João, de que Cristo, e não Moisés, é a fonte da graça;

10. The International Standard Bible Encyclopedia. vol. 1. Command; Commandment, “Developed N.T. Concept”, William B. Eerdmans Publishing Company, Grand Rapids. Michigan, 1979, pág. 736.

11. “Na disputa com Lutero em Wittenberg (1537), alega-se que Agrícola disse que um homem foi salvo unicamente pela fé, sem levar em consideração o seu caráter moral. Estas ideias de Agrícola foram denunciadas por Lutero como uma caricatura do Evangelho; mas, apesar disso, os antinomianos apelaram reiteradas vezes para os escritos de Lutero e reivindicaram seu apoio para suas opiniões. Essa reivindicação se baseia, porém, meramente em certas ambiguidades nas expressões de Lutero e em geral compreensão errônea do ensino do reformador.” — Ernest F. Kevan, The Grace of Law. Baker Book House, Grand Rapids, Michigan. 1976, pág. 23.

12. A Fórmula da Concórdia asseverou firmemente que a liberdade cristã em relação com os reclamos da lei não deve ser interpretada de maneira a denotar “’que era facultativo cumprir ou omiti-los, ou que [os cristãos] podem agir contrariamente à Lei de Deus, retendo no entanto a fé e o favor e a graça de Deus’ (Art. IV).” — ISBE. “Antinomianism”, pág. 141 f.

13. Kevan, op. cit.. págs. 210-212.

14. Não interpretamos a preparação dos santos mencionada no Apocalipse como se referindo à ética Schweitzeriana, a qual interpreta que a necessidade de preparação moral só se aplica a um breve intervalo imediatamente antes do estabelecimento do reino de Deus, sem levar em conta quando virá esse reino.