Autor descreve os caminhos para formação da identidade ministerial no adventismo
Embora a mensagem, a organização e outros fatores tenham desempenhado papel vital no desenvolvimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia, o papel do pastor tem sido pouco mencionado. Entre 1848 e 1850, José Bates e Tiago White contribuíram para o núcleo da estrutura inicial da denominação. Havia 51 pastores no movimento adventista sabatista, de 1846 a 1863. Na época da organização da igreja, em 1863, havia 31 pastores ativos. Perto de 1881, eram contados 276 pastores.1
O período de 1863 a 1881 deve ser considerado o início da identidade ministerial adventista do sétimo dia. O grupo de pastores fundadores, aqueles que, à semelhança de Tiago White e José Bates, foram preponderantes na fase inicial entre 1840 e 1850, foi seguido por uma segunda geração que incluía pastores que se converteram. Os pioneiros adventistas sabatistas foram compelidos a proclamar a mensagem adventista.
Este artigo lança luz sobre um aspecto importante da eclesiologia adventista do sétimo dia, ao examinar o desenvolvimento do seu ministério, desde 1863 até 1881, ano que coincide com a morte de Tiago White. Durante esse tempo formativo, muitos precedentes foram estabelecidos sobre a natureza e o papel do pastor, o relacionamento dele com outros membros da igreja, seu sustento financeiro e a prática da ordenação pastoral entre os adventistas.
Desafios
Dos 51 pastores adventistas ativos entre 1846 e 1863, 14 participaram do reavivamento milerita. Entre os que tinham algum tipo de filiação denominacional, muitos foram ligados a algum ramo do metodismo (14 pastores ou 25%). Esses foram seguidos por crentes filiados a uma das ramificações batistas (dez pastores, ou 19%), incluindo pelo menos um que era batista do sétimo dia.2 Dois grandes líderes do movimento, Tiago White e José Bates, eram pastores ordenados da Igreja Conexão Cristã, ramo do movimento restauracionista comprometido com a volta à pureza da igreja do Novo Testamento. Havia também pelo menos um pastor egresso da Igreja Congregacionalista.3 Os primeiros pastores adventistas do sétimo dia refletiam a vasta diversidade dos antecedentes religiosos e socioeconômicos nos quais o adventismo nasceu.4
Durante o fim dos anos 1850 e início de 1860, líderes como Tiago White enfrentaram dois desafios. O primeiro veio na forma de alguns ministros que argumentavam ser legítimos clérigos adventistas, como pretexto para solicitar doações de insuspeitos membros da igreja. Esses indivíduos eram apenas golpistas. Muitos deles enganaram os primeiros adventistas durante um tempo em que os genuínos pastores cuidavam do próprio sustento ou dependiam da generosidade dos irmãos para ajudar nas despesas de viagens.5
O segundo desafio apareceu na forma de pastores que apostatavam. Assim, Moisés Hull se tornou espírita, B. F. Snook e W. H. Brinkerhorff formaram a ramificação “Partido Marion”. Alguns não apostataram, porém, como J. B. Frisbie, simplesmente desanimaram e renunciaram ao ministério. Tais perdas reduziram o número de pastores adventistas durante os anos 1860.
Cada situação era extremamente problemática. Uma vez que eles se afastavam, o modelo típico de ação era usar a influência para atrair pessoas que permaneciam na igreja. Esses problemas levaram Tiago White, em 1871, a aconselhar que os membros da igreja checassem as credenciais dos pastores.6
Identidade ministerial
Portanto, a organização da igreja foi decisiva na formação da identidade ministerial nos primórdios do adventismo.7 Os pastores eram credenciados pela Associação local.8 Parte do propósito da Associação era prover um mecanismo para aspirantes ao ministério por meio do qual eles recebiam uma “licença ministerial”.9 Dos aspirantes era esperado tipicamente que estabelecessem congregações. Por volta de 1869, havia suficientes pastores, o que levou ao estabelecimento de dois níveis. Depois de adquirir experiência, o jovem pastor recebia uma “credencial ministerial” junto à ordenação, como prova do reconhecimento de seu chamado ao ministério evangélico.
Com o crescimento da igreja, também crescia a necessidade de pastores. Durante os anos 1860, cartas publicadas na Review and Herald continham apelos para que os pastores visitassem membros isolados das igrejas. Era comum que os crentes passassem meses, ou anos, sem visita pastoral. Alguns pastores realizavam, mensalmente ou trimestralmente, reuniões para membros de determinadas regiões. Esses encontros refletiam as primeiras reuniões pietistas do evangelicalismo do século 18.10 Eram oportunidades que recriavam as “feiras santas” da Escócia.11 Nesses encontros, o pastor podia pregar tanto quanto possível, e os cultos geralmente eram concluídos com batismos e Santa Ceia. Essa era considerada especial “ordenança do advento” que expressava fé na eficácia do sangue de Cristo junto à ordem de continuar a celebrá-la até a segunda vinda. Assim a Ceia refletia esses dois aspectos da teologia adventista: olhar o passado e olhar adiante.12
Mas a vida era frágil naquela época. Muitos pastores sucumbiam a doenças, o que apenas reforçava a necessidade de ajuda ministerial. De 1846 a 1863, 18 pastores já não estavam ativos. Desses, três se afastaram por motivo de apostasia; o restante não ministrava por motivo de saúde precária ou velhice. A principal causa de morte, de acordo com obituários em publicações denominacionais, era tuberculose (quase 80% dos casos). Mesmo a adoção da mensagem de saúde pouco fez para reduzir as taxas dessa doença. Assim, uma das principais atividades dos pastores, junto à pregação itinerante, era oficiar funerais. Mas, com tão poucos pastores adventistas, os membros da igreja eram aconselhados a recorrer à ajuda de outros pastores evangélicos.
O trabalho básico do pastor era duplo: assegurar-se de que a igreja local funcionasse apropriadamente, e evangelizar. O primeiro aspecto era cumprido pela garantia de que a igreja estava organizada no âmbito local. Como resultado, foi desenvolvida uma estrutura básica, entre 1863 e 1865: o líder espiritual da congregação responsável pelas atividades semanais era escolhido como ancião.13 Um diácono cuidava do bem-estar físico da congregação, e um escriturário administrava as finanças, além de manter os relatórios das comissões e a lista oficial dos membros. A menos que a igreja fosse muito grande, apenas um ancião e um diácono eram necessários.
A única exceção, pelo menos até 1881, foi a igreja de Battle Creek, que tinha dois anciãos para uma congregação com mais de 400 membros. Durante esse tempo, o ancião e o diácono foram ordenados. Se um diácono ordenado se tornasse ancião, deveria ser ordenado novamente. Somente um pastor adventista ordenado podia ministrar a ordenação.14 Adição de membros à igreja local somente poderia ser feita por voto unânime da congregação.15
A mais detalhada descrição do trabalho do pastor adventista data de 1873. Nesse documento, ele é admoestado a examinar os relatórios da igreja, conferir a lista de membros e certificar-se da condição espiritual deles, agir apropriadamente quanto aos que estiverem em apostasia, escrever cartas aos membros ausentes e conhecer os interessados. Os pastores também devem celebrar as ordenanças da igreja, examinar os livros da tesouraria a fim de conferir a exatidão das anotações e encorajar a prática da mordomia cristã. Também devem promover a assinatura de periódicos da igreja, encorajar os membros a apoiar os esforços institucionais da igreja (naquele tempo a igreja estava empenhada em estabelecer o Instituto da Reforma de Saúde). Não devem descuidar a visitação às famílias e oração nos lares, nem deixar que os pobres fiquem sem literatura.16
Em outra descrição, os pastores foram admoestados a dirigir comissão de nomeações, ao visitar as igrejas. Frequentemente, havia “igrejas difíceis”, de modo que o pastor era a pessoa neutra para ajudar a acalmar disputas entre os membros. Conforme as primeiras orientações, o pastor escolhia a comissão de nomeações apontando “dois ou três irmãos de bom julgamento que com ele nomeavam os candidatos… e essa nomeação devia ser ratificada por três quartos [sic] dos votos desde que nenhuma objeção válida fosse feita por aqueles que não votaram afirmativamente”. Os membros da igreja eram animados a votar secretamente em uma cédula.17
Assim, de 1863 a 1873, a identidade ministerial estava intimamente ligada ao evangelismo e à igreja local. A tarefa primária do pastor era pregar o evangelho e realizar campanhas evangelísticas. Isso era particularmente verdadeiro para jovens aspirantes ao ministério. Ao mesmo tempo, o papel do pastor estava intimamente ligado à eclesiologia e à vida da igreja local. Enquanto trabalhavam, os pastores eram responsáveis pela manutenção da ordem.
Crescimento ministerial
As deserções de pastores notáveis ligados à expansão do trabalho apenas acentuaram a necessidade de mais pastores. De 1869 a 1873, Tiago e Ellen White apelaram repetidamente aos jovens a fim de que se preparassem para o ministério. Essa foi uma razão significativa pela qual os líderes da igreja apoiaram o empreendimento educacional de Goodloe Harper Bell, iniciado em 1872, que culminou com o estabelecimento do Colégio de Battle Creek em 1874. Um corolário disso foram as aulas de Bíblia ministradas por Uriah Smith, editor da Review and Herald, aos pastores e respectivas esposas da região. Isso se tornou tão popular que o casal White o animou a viajar pela Califórnia e Nova Inglaterra para treinar pastores. O livro de Smith, Biblical Institutes, foi o primeiro livro-texto de Teologia para a primeira geração de pastores adventistas, e servia como referência a respeito das crenças da Igreja.
Em resposta aos repetidos apelos, uma geração de jovens tomou a decisão pelo ministério. Essa onda de novos pastores decolou em 1871, quando o número de aspirantes excedeu pela primeira vez o número de pastores ordenados. Os anos 1870 testemunharam duas grandes ondas nesse sentido: a primeira, de 1871 a 1873; a segunda, de 1877 a 1879.
Ellen G. White dirigiu uma série de admoestações aos pastores durante os anos 1870. Ela e o esposo receavam que os jovens pastores não apreciassem o espírito de sacrifício que caracterizou os pioneiros. Suas cautelas em relação aos jovens pastores, especialmente em 1874 e 1875, e novamente em 1879, levaram a limitar licenças ministeriais para os aspirantes. Consequentemente, o número de candidatos diminuiu. Aparentemente, a maioria dos líderes da igreja levou muito a sério seus conselhos a respeito do sagrado papel dos pastores e a necessidade de treiná-los. Como resultado, os líderes restringiram a concessão de licenças. Por sua vez, Tiago e Ellen White chamavam não apenas pastores, mas “obreiros” que tivessem o senso de sacrifício necessário para ter sucesso no ministério.
A rápida expansão de pastores durante os anos 1870 produziu novos desafios. Um dos problemas era quanto ao título que deveria ser dado a eles. O título de reverendo foi rapidamente descartado. Tiago e Ellen White se referiam aos clérigos adventistas como “ministros” e, menos frequentemente, “pastores”. Mas o casal estava mais preocupado de que fossem “obreiros”. Tiago, por exemplo, frequentemente se referia ao papel do “ministro”, mas descrevia-se como “pastor” da igreja de Battle Creek, embora estivesse muito ausente por causa das exigências de sua função de líder.18
Os problemas dos anos 1860 voltaram à tona durante os anos 1870. Embora o número de pastores crescesse rapidamente, ainda havia falta de pastores. Os obituários nos anos de 1870 mostram que pastores de outras denominações realizavam funerais de adventistas. Os membros eram encorajados a convidá-los, desde que fossem de igrejas que não tivessem doutrinas diferentes.
Considerando que os adventistas do sétimo dia adotaram novos princípios de estilo de vida, como reforma de saúde e vestuário, mais desafiador era o problema de pastores “adeptos do hábito de fumar”. A questão foi encaminhada à “Comissão de Resoluções”, que propôs o seguinte: “É desaconselhável a nossas igrejas permitir pastores de outras denominações que sejam adeptos do uso do fumo, ou que sejam declaradamente hostis a pontos importantes de nossa fé.”19 Embora a atuação de pastores de outras denominações fosse um paliativo enquanto a igreja crescia, novas expectativas aliadas aos princípios de estilo de vida requeriam a formação de uma identidade ministerial adventista distintiva.
De 1875 a 1881, a identidade ministerial adventista amadureceu como que tardiamente. Líderes de Associações determinaram que todos os pastores enviassem relatórios regulares, muitos dos quais eram publicados nos periódicos denominacionais. Os pastores foram instruídos a procurar exemplares do Robert’s Rules of Order, a fim de que pudessem conduzir apropriadamente reuniões de negócios da igreja.20 A compreensão e aplicação de regulamentos amenizariam os problemas das igrejas locais, que também deveriam eleger oficiais anualmente.21 Se os pastores não pudessem obter instrução formal, em 1881 foi iniciada a prática de leituras orientadas.22
Ordenação
Talvez a prática mais importante relacionada aos pastores adventistas do sétimo dia seja a da ordenação. Os ministros pioneiros eram ordenados. Assim, a primeira questão no desenvolvimento da identidade ministerial adventista dizia respeito à ordenação. Em 1867, Tiago White argumentou que a ordenação, à semelhança do batismo, “quando feito pela pessoa apropriada, uma vez é suficiente, se o candidato não apostatar”.23 Nossa pesquisa identificou, entre 1863 e 1881, dois exemplos de pastores ordenados mais de uma vez. Embora isso fosse aparentemente uma opção, parece que os primeiros adventistas reconheciam a validade da ordenação conferida por outras denominações.
Isso mudou à medida que os aspirantes ao ministério se demonstravam dignos da função. Aparentemente, demoravam quatro a seis anos de trabalho até a ordenação. De acordo com nossa pesquisa, as primeiras ordenações ocorreram em 1872, o mesmo ano em que Ellen G. White recebeu credenciais ministeriais (ainda que não fosse ordenada). Pode ser que tenha havido ordenações antes de 1872, mas a pesquisa foi limitada às informações da Review and Herald. As 117 ordenações ocorridas entre 1872 e 1881 indicam que essa era uma prática uniforme.24 Em todas as descrições, a cerimônia era um evento sagrado e solene. O programa incluía um sermão, contendo aspectos de admoestação pessoal à fidelidade, seguido pela oração de imposição das mãos, pelos ministros participantes, sobre o pastor a ser ordenado. Então, seguiam-se as boas-vindas ao novo pastor e a extensão da “mão direita da comunhão”, em reconhecimento à sua condição especial.
Observações
Repetidamente, Tiago White advertiu que os pastores não se prendessem às igrejas. Raramente eles permaneciam mais que dois ou três anos em um lugar. Muito frequentemente, trabalhavam como itinerantes entre as igrejas; isso porque a primeira tarefa a eles designada era o evangelismo. Pastores e membros das igrejas que não compartilhavam a fé enfraqueciam espiritualmente. Os líderes da igreja reconheciam que havia um equilíbrio no qual o pastor era responsável pelo bem-
estar espiritual do rebanho, mas não devia fazer o trabalho que era dever do rebanho. Esse duplo foco entre supervisão e evangelismo mostra a tensão que caracterizava a vida e o trabalho dos primeiros pastores adventistas.
Além disso, os pioneiros adventistas eram pragmáticos, e logo perceberam que a necessidade de reconhecer os pastores contribuiu para a necessidade de organização denominacional. Os líderes chegaram a esse objetivo ao emitir credenciais por meio das Associações. Assim, a autoridade para aprovação de candidatos ao ministério foi colocada além da igreja local. Era muito fácil os pioneiros adventistas ser enganados por golpistas ou dissidentes. Com o afastamento de vários pastores, os anos 1860 e 1870 testemunharam o aumento de novos pastores que receberam licença ministerial. A habilidade de compartilhar a fé era vista como indicador do chamado de Deus. Com o tempo, os líderes desenvolveram outros meios de treinar pastores, todos intimamente ligados à educação adventista. Os pioneiros acreditavam que esse tipo de educação aumentaria a efetividade dos pastores. Assim, esses pastores deviam ser separados para o ministério evangélico por meio da ordenação. Esse era o reconhecimento do chamado divino que confirmava o sagrado lugar do pastor na eclesiologia adventista.
Referências:
- 1 Ver Michael W. Campbell, Compendium of Seventh-day Adventist Ministers 1863-1881 (Manuscrito não publicado, 2013).
- 2 Conexão Cristã: Tiago White e José Bates. Metodista-Episcopal: David Amold, Harry G. Buck, Samuel Cranson, J. B. Frishe, Nathan Fuller, John Howlett, J. N. Loughborough, Moses Hull, B. F. Snook, Washington Morse e Frederick Wheeler. Metodista-Wesleynana: John Byngton, Batista: J. H. Waggoner, R. J. Lawrence, A. C. Bordeau, D. T. Tourdeau, John Fisher, A. S. Hutchins, Stephen Pierce, T. S. Steward e A. Stone. Batista do Sétimo Dia: R. F. Cottrell. Congregacionalista: Ezra A. Poole.
- 3 Pastores ativos no reavivamento milerita: José Bates, M. E. Cornell, R. J. Lawrence, David Amold e Washington Morse.
- 4 Review and Herald 24/10/1871, p. 148.
- 5 Ibid., 15/10/1872, p. 144.
- 6 Ibid., 22/08/1871, p. 76.
- 7 D. J. B. Trim, Ordination in Seventh-day Adventist History (2013); http://www.adventistarchives.org/ordination-in-sda-history.pdf .
- 8 Review and Herald 26/05/2863, p. 205.
- 9 Ibid.
- 10 Thomas S. Kidd, The Great Awakening: The Roots of Evangelical Christianity in America (New Haven, CT: Yale University Press, 2007), p. 30, 31.
- 11 Leigh Eric Schmidt, Holy Fairs: Scotland and the Making of American Revivalism, 2ª ed. (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Pub., 2001).
- 12 Michael W. Campbell, Adventist Review 22/10/2009, p. 26-28.
- 13 Review and Herald 13/01/1876, p. 11.
- 14 Ibid., 16/08/1864, p. 96.
- 15 Ibid., 06/06/1871.
- 16 Ibid., 24/06/1873, p. 13.
- 17 Ibid., 28/10/1873, p. 160.
- 18 Ibid., Review and Herald 08/08/1871, p. 60.
- 19 Ibid., 14/10/1880, p. 253.
- 20 Ibid., 30/09/1880, p. 237.
- 21 Ibid., 04/01/1881, p. 11.
- 22 Ibid., 20/12/1881, p. 395.
- 23 Ibid., 06/08/1867, p. 120.
- 24 Ibid., 21/11/1878, p. 164.