Ellen G. White e a essência da pregação
O que Ellen G. White, escritora e cofundadora da Igreja Adventista do Sétimo Dia, disse sobre pregação é uma contribuição fantástica para os púlpitos ao redor do mundo. De todo o material que ela escreveu sobre a maneira e o conteúdo da pregação, dois fatores se destacam. Primeiro, a autora aconselhou os ministros a se concentrarem na Bíblia como fonte primária de toda pregação. “Que a Palavra de Deus fale às pessoas. Que aqueles que têm ouvido apenas as tradições e os conceitos humanos ouçam a voz de Deus, cujas promessas são um ‘sim’ e um ‘amém’ em Cristo Jesus.”1 Em segundo lugar, ela defendeu que no centro de toda pregação – tanto no conteúdo quanto no apelo – deve estar Jesus Cristo. Ele “é o centro vivo de todas as coisas. Coloquem Cristo em cada sermão. Façam com que a preciosidade, a misericórdia e a glória do Salvador sejam contempladas até que Ele, a esperança da glória, seja formado no interior de cada pessoa”.2
Este artigo tem como objetivo mostrar que uma abordagem bíblica e centralizada em Cristo para a homilética é essencial a fim de garantir que o evangelho seja pregado com poder e convicção. Além disso, explora o efeito adverso de não aplicar tais conselhos em contraste com os resultados de sua fiel aplicação.
Objetivos da pregação
Exposição bíblica. De acordo com Ellen G. White, o primeiro objetivo da pregação é apresentar ao público o que a Bíblia diz em uma passagem específica ou sobre determinado tema. Um sermão deve expor o texto bíblico e torná-lo “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3:16, 17, NVI).
A escritora chama atenção para os pregadores que muitas vezes começam o sermão com um texto bíblico, depois o deixam de lado e terminam pregando sobre as “notícias de jornais”.3 Ela adverte: “Se os ministros que são chamados a pregar a mais solene mensagem dada a mortais se esquivam da verdade, são infiéis em seu trabalho e são falsos pastores para as ovelhas e os cordeiros. As declarações dos homens não têm nenhum valor.”4
Deus é suficientemente capaz de prover insight e compreensão, e isso vem por meio do estudo e da apresentação da Palavra. “Quem dera pudesse ser dito dos pastores que estão pregando ao povo e às igrejas: ‘Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras’! (Lc 24:45).”5
Quando, como pregadores, estudamos a Bíblia de modo pessoal e fervoroso, antes de subir ao púlpito, descobrimos tesouros e beleza em cada versículo. “Se estudarmos a Palavra de Deus com interesse, orando e pedindo compreensão, novas belezas serão vistas em cada linha. Deus revelará a preciosa verdade.”6
Ellen G. White ainda diz mais sobre o pregador se deixar ser conduzido pelo texto bíblico: “A Palavra de Deus deve ser seu guia. Nessa Palavra há promessas, orientações, advertências e reprovações que ele deve usar em seu trabalho quando a ocasião exigir.”7
Abordagem cristocêntrica. Ellen G. White recomenda uma abordagem centralizada em Cristo na pregação. Uma mensagem que não tem Jesus como centro não se qualifica como sermão. Diversos sermões sequer mencionam Jesus ou simplesmente fazem rápida referência a Ele.8 A escritora destacou esse grave erro ao criticar algumas pregações de seu tempo: “Não passaram de discursos, secos e sem Cristo, em que o Salvador pouco foi mencionado.”9 Ela também escreveu: “Em nosso ministério devemos revelar Cristo às pessoas, porque elas têm ouvido sermões sem Jesus durante toda a vida.”10
Ao longo da história da Igreja Adventista, ocorreram alguns problemas com a pregação cristocêntrica. A sessão da Assembleia Geral de 1888 se deparou com dois grupos: de um lado, aqueles que enfatizavam as mensagens sobre a justiça pela fé em Cristo; do outro, quem defendia a ideia de que se obtinha a justiça de Cristo pela obediência à lei. A confiança em Jesus estava em desacordo com a confiança na obediência de alguém. No entanto, Ellen G. White permaneceu firme em sua posição, apelando aos pastores para a centralidade de Jesus nos sermões e na prática da vida diária.11
O verdadeiro chamado à introspecção vem de seu apelo a todos que desejam se engajar no ministério: “Não ousem pregar outro sermão enquanto não souberem, pela própria experiência, o que Cristo é para vocês.”12 Sermões cristocêntricos são resultado de pregadores que têm Cristo no centro de sua vida.13
Ministrar para outros. De acordo com Ellen G. White, o aspecto mais prático da pregação é ministrar às pessoas. Assim como aconselhamento, restauração e estudos bíblicos fazem parte do trabalho pastoral, a pregação também faz e é uma das áreas mais importantes do ministério. Quando um pastor valoriza a pregação, ele se torna humilde, e sua elaboração e apresentação da mensagem impactará a congregação adequadamente. Ellen G. White aconselhou: “Com o coração humilde e a mente disposta, [o pregador] deve examinar a Palavra, para extrair da fonte da verdade coisas novas e antigas para o benefício de outros.”14
“Efeito dominó”
Quando um pregador parte do texto bíblico e não tem um foco cristocêntrico, o resultado é um “efeito dominó”. Isso ocasiona, pelo menos, cinco consequências negativas: (1) a Bíblia deixa de ser a autoridade máxima na pregação; (2) o pregador substitui a autoridade e a voz da Bíblia; (3) o pregador fica alienado da congregação; (4) Deus é removido do púlpito; e (5) o legalismo floresce.15 Pular palavras da Bíblia ou ler para a congregação palavras que não estão no texto resulta em má exegese, péssima hermenêutica e desastrosa homilética.
Se a Bíblia não for a autoridade na pregação, uma hermenêutica do “eu” pode dominar a mensagem e transformar o pregador em fonte de autoridade. Dominado por ela, o pregador diz: “Meus irmãos, com base em ‘minha’ experiência e autoridade pastoral, quero lhes dizer que…”. “O que ele está querendo dizer é: ‘Eu diria não ‘ou’ eu diria que sim’.”16
Ao assumir essa postura, ele perde a conexão com a congregação. Quando essa autoridade é assumida a partir do púlpito, o pregador fica isolado, visto como alguém que já vive as demandas que o sermão exigirá dos membros.17
Como a Bíblia é deixada de lado, e o pregador assume a posição de autoridade, Deus também é removido do púlpito. Para um sermão sobre Josué 3:5, por exemplo, o pregador pode dizer: “Deus quer ir antes de você. Deus quer liderá-lo. Deus quer ajudá-lo. […] A história do Jordão nos diz o que devemos fazer.”18
Infelizmente ele coloca Deus à parte. O Senhor quer agir, mas não pode. Por quê? Porque, nesse caso, a congregação tem que agir primeiro. Entre os atos incríveis do Senhor no passado e Seus atos incríveis no futuro, o pregador insere as ações da congregação no presente. O foco do sermão exalta os atos do ser humano e não os de Deus. O resultado final conduz o pregador a uma arena legalista. Quando a Bíblia é emudecida, o pregador se reveste de autoridade, o púlpito fica desprovido da voz de Deus e o fim desse “dominó” é o legalismo e o fracasso. Continuando com o exemplo do sermão de Josué 3:5, o pregador introduz uma sequência de imperativos: “você deve…, nós devemos…, vocês devem…”.19
Nesse cenário, o pregador perde a oportunidade de exaltar as ações divinas ao longo do tempo. Tomando o lugar de Deus, ele dirige a atenção dos adoradores para si mesmo. Seria como dizer que, agora, somente por meio das ações dele, Deus está preparado para agir.20
Cuidados na preparação do sermão
Ellen G. White deixou muitas orientações quanto à preparação de sermões. Uma delas é apresentar o texto bíblico de maneira clara e adequada. Embora nunca tenha usado o termo “abuso na pregação”, ela chamou atenção para esse erro em vários de seus escritos.21 Encontramos um exemplo no livro O Grande Conflito: “Com o intuito de sustentar doutrinas errôneas ou práticas anticristãs, alguns captam passagens das Escrituras separadas do contexto, citando talvez a metade de um simples versículo como prova de seu ponto de vista, quando a parte restante mostraria ser bem contrário o sentido. […] Assim voluntariamente pervertem a Palavra de Deus. Outros, possuindo ativa imaginação, lançam mão das figuras e símbolos das Escrituras Sagradas, interpretam-nos de acordo com sua vontade, tendo em descaso o testemunho das Escrituras como seu próprio intérprete, e então apresentam suas fantasias como ensinos da Bíblia.”22
Essa citação de Ellen G. White nos adverte contra (1) o uso de textos fora de seus contextos; (2) citar textos aleatoriamente para fundamentar argumentos pessoais; (3) interpretações imaginárias de símbolos e figuras; (4) impor ao texto uma visão particular; e (5) apresentar conceitos pessoais como se fossem instruções das Escrituras.23
Outro cuidado que deve ser considerado durante a preparação de sermões pode ser extraído da resposta de Ellen G. White a uma pergunta feita por Halbert M. J. Richards, pai do fundador da Voz da Profecia, Harold M. S. Richards. Ele perguntou: “Como devo usar seus escritos em meus sermões?” A
autora respondeu: “Aqui está a maneira de usá-los. Primeiro, peça que Deus lhe dê o assunto a ser pregado. Quando você o tiver, então vá para a Bíblia até saber com certeza o que ela realmente ensina sobre esse tema. Depois disso, volte-se para [meus] escritos e veja o que pode encontrar sobre o mesmo assunto. Leia-os cuidadosamente. Veja se ajudam a lançar mais luz sobre o tema escolhido, guiá-lo a outras passagens das Escrituras ou tornar mais claro algum ponto. No entanto, quando você for pregar para as pessoas, pregue-lhes a Bíblia.”24
Esse conselho, se seguido, garante que a Bíblia continue sendo a única fonte de autoridade na pregação. O pregador se colocará diante da congregação como seu servo, Deus permanecerá no púlpito e o legalismo não encontrará nenhum ponto para se apoiar.
Conclusão
Embora este artigo não esgote a discussão dos ensinamentos de Ellen G. White sobre a pregação, ele enfatiza os componentes essenciais da preparação e apresentação do sermão.
Um componente unificador presente ao longo deste artigo é que o texto bíblico sempre deve ser o fundamento principal na preparação do sermão. Afinal, a mensagem é energizada pela substância, essência e conteúdo do texto sagrado.25 Esse é o ponto em que Ellen G. White coloca sua ênfase. Quando isso for seguido, as armadilhas do inimigo serão evitadas, e o evangelho será pregado com poder!
Referências
1 Ellen G. White, Ministério Pastoral (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2015), p. 189.
2 Ellen G. White, Evangelismo, 3ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016), p. 186.
3 Ellen G. White, Ministério Pastoral, p. 188.
4 Ibid., p. 189.
5 Ibid., p. 190.
6 Ibid. p. 189.
7 Ibid.
8 J. Cilliers, Die Uitwissing Van God op Die Kansel (Kaapstad: Lux Verbi, 1996), p. 2.
9 Ellen G. White, Manuscript Releases, v. 8 (Silver Spring, MD: EGW Estate, 1990), p. 271.
10 Ellen G. White, Manuscript Releases, v. 17, p. 74.
11 Mervyn A. Warren, “But Where Is the Lamb?: An Ancient Question for Modern Pulpits”, Ministry, dezembro de 2007, p. 19.
12 Ellen G. White, Testemunhos para Ministros e Obreiros Evangélicos, 4ª ed. (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 155.
13 Ellen G. White, Ministério Pastoral, p. 192.
14 Ibid., p. 189.
15 J. Cilliers, Die Uitwissing Van God op Die Kansel, p. 140, 141.
16 Ibid., p. 86, 87 (ênfase acrescentada).
17 Ibid., p. 96, 97.
18 Ibid., p. 102, 103 (ênfase acrescentada).
19 Ibid.
20 Ibid., p. 42.
21 Nestor C. Rilloma, “The Divine Authority of Preaching and Applying the Word: Ellen G. White’s Perspective in Relation to Evangelical Viewpoints”, Journal of the Adventist Theological Society (2005), v. 16, nº 1 e 2, p. 166.
22 Ellen G. White, O Grande Conflito, (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 521.
23 Nestor C. Rilloma, Journal of the Adventist Theological Society, (2005), v. 16, nº ١ e ٢, p. 166.
24 J. R. Spangler, “Interview’s H. M. S. Richards”, Ministry, outubro de 1976, p. 5-7.
25 Mervyn A. Warren, Ellen White on Preaching (Hagerstown, MD: Review and Herald Publ. Assn., 2010), p. 9.
Gabriël A. Oberholzer é graduando em Teologia da Faculdade Helderberg, África do Sul